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Mercado em 5 minutos

Quando a ressaca não passa

“Lá fora, os mercados ainda parecem de ressaca das decisões de política monetária anunciadas nesta semana. Na Ásia, as ações fecharam em queda nesta sexta-feira, acompanhando as movimentações negativas dos mercados globais durante […]”.

Por Matheus Spiess

23 set 2022, 09:08 - atualizado em 23 set 2022, 09:08

Ressaca
Fonte: Free Pik
Bom dia, pessoal.

Lá fora, os mercados ainda parecem de ressaca das decisões de política monetária anunciadas nesta semana. Na Ásia, as ações fecharam em queda nesta sexta-feira, acompanhando as movimentações negativas dos mercados globais durante o pregão de ontem, diante das preocupações com a possibilidade de recessão após os recentes aumentos agressivos das taxas de juros pelo Fed e outros grandes bancos centrais.

Na Europa, a manhã é de queda para os ativos de risco, assim como se observa nos futuros americanos. Um fator relevante de piora foi o compêndio de projeções econômicas do Fed, que sugeriu taxas de juros ainda mais agressivas nas duas últimas reuniões do ano, à medida que o banco central continua seus esforços agressivos para combater a inflação elevada. O Brasil, por outro lado, tem conseguido se desvencilhar dessa realidade, mas com ADR brasileiras caindo lá fora nesta manhã, como Petrobras e Vale, que reagem à queda das commodities, fica difícil estar animado nesta sexta-feira.

A ver…
00:38 — Desafiando o Copom
No Brasil, nem a fala agressiva do Banco Central na noite de quarta-feira (21) foi capaz de assustar os investidores, que ficaram animados com as perspectivas otimistas do final do ciclo de aperto (pelo menos por enquanto). O fato de o Brasil ter se adiantado com relação à política monetária nos coloca numa posição privilegiada.

Talvez tenha até havido uma euforia em demasia sobre a curva de juro, que recuou bem em todos os vértices, apesar da necessidade de se manter a taxa de juros elevada por mais tempo. Ainda assim, a perspectiva de uma flexibilização monetária na segunda metade de 2023 permite um certo tom mais relaxado sobre os ativos de risco.

Ninguém tem ligado muito para a política, essa é a verdade, com exceção dos torcedores (dos dois lados). Nos aproximamos das eleições e na semana que vem teremos o último debate na Globo, na quinta-feira — Lula não participará do debate no SBT, no sábado, mas estará na Globo (Bolsonaro irá nos dois se for esperto). 

O mercado não tem acompanhado tanto o ambiente político, na expectativa de que qualquer um dos dois favoritos para o segundo turno não seriam muito prejudiciais para os mercados nos próximos anos, contanto que as questões fiscais sejam devidamente endereçadas e o ambiente internacional não seja muito impeditivo.
01:30 — Se preparando para a recessão
Em meio ao sentimento de aversão ao risco, o dólar americano se valorizou cerca de 20% por meio do DXY, sendo aproximadamente mais de 16% só em 2022. As demais moedas fortes têm perdido força gradualmente, diante dos problemas da União Europeia (euro), Japão (iene) e Reino Unido (libra). Existem duas forças principais por trás do recente declínio das grandes moedas em relação ao dólar.

A primeira se relaciona com o comércio global. Os países importadores de energia, com pouca produção doméstica significativa de petróleo ou gás, precisaram trocar mais de suas respectivas moedas por dólares para comprar essas matérias-primas, uma vez que os preços das commodities dispararam neste ano.

A segunda força diz respeito às políticas monetárias. Como sabemos, o Federal Reserve vem elevando as taxas de juros e reduzindo o tamanho de seu balanço este ano. Por outro lado, os demais bancos centrais, ainda que também tenham começado a apertar a política monetária, ficaram para trás do Fed. Assim, os rendimentos significativamente mais altos oferecidos nos EUA aumentaram a demanda por títulos em dólares.

A situação do mundo não é lá muito estável, com esse sentimento de aversão ao risco empurrando ativos para baixo, enquanto os investidores se preparam para uma recessão global que hoje ainda é difícil de mensurar. Várias autoridades americanas estão previstas para falar hoje, como o próprio Powell, presidente do Fed, sua vice, Lael Brainard, e outros nomes. As falas devem reforçar o temor do mercado.
02:28 — Fogo no parquinho
Enquanto os investidores acompanham alguns números de sentimento dos consumidores e dos empresários na Europa e nos EUA, o mercado britânico está particularmente mais volátil e negativo. Não apenas por conta dos dados decepcionantes do setor de varejo, mas por vetor político também.

Como antecipamos neste espaço há algumas semanas, Liz Truss, a nova premiê britânica, já começou a despejar sobre a economia suas primeiras “Pílulas Dilmáticas” (como eu gosto de chamar as medidas de Truss). Por meio de um “mini-orçamento”, o governo endereça o expansionismo fiscal prometido durante a campanha. 

Os mercados enxergam o “mini-orçamento” do Reino Unido de hoje como moldado mais pela necessidade política (foi prometido durante a campanha pela liderança do partido conservador) do que pela economia. O temor de déficit estrutural no Reino Unido deve se aprofundar, lançando válidas preocupações do mercado sobre a dívida e enfraquecendo a libra esterlina. O Reino Unido pode sair mais fraco do processo.
03:05 — Nacionalização alemã
A semana foi marcada por um episódio curioso na Alemanha. A Europa está na linha de frente da guerra na Ucrânia, enquanto a energia é usada como arma no campo de batalha, com a Rússia fechando totalmente as torneiras do Nord Stream 1 para a Alemanha e outros players. Antes da invasão, a Rússia abastecia cerca de 40% das necessidades de gás natural da União Europeia, que é usado para tudo, desde aquecer os europeus, até geração de energia para a indústria pesada. 

Consequência desse processo foi a nacionalização da Uniper nesta semana, o maior importador de gás da Alemanha. As ações da companhia caíram bem em Frankfurt com a notícia, após uma queda de mais de 90% desde o início do ano. A medida drástica segue uma tentativa de resgate anterior de € 15 bilhões, que não conseguiu compensar pesadas perdas financeiras depois de a empresa ser forçada a comprar gás.

As especificidades do acordo farão com que o governo alemão assuma uma participação de 99% na gigante de energia e injete € 8 bilhões na companhia. Embora as instalações de armazenamento de gás da Alemanha estejam atualmente mais de 90% cheias (o que significa que problemas sérios ocorreriam somente após este inverno), o governo provavelmente lançará mais suporte de emergência nas próximas semanas.

Existem, inclusive, planos para assumir o controle de dois outros grandes importadores de gás conhecidos, como VNG e Securing Energy for Europe (antiga Gazprom da Alemanha). Berlim também disse que assumiria a unidade alemã da Rosneft, incluindo participações em três refinarias de petróleo que respondem por 12% da capacidade de processamento de petróleo do país. O mundo está mudando muito.
04:11 — A força do dólar também reflete o conflito na Ucrânia
O dólar atingiu sua máxima de 20 anos justamente após Putin intensificar seu tom sobre a guerra na Ucrânia. Como comentamos, o presidente russo, Vladimir Putin, dirigiu-se à nação nesta semana para ordenar uma mobilização parcial das tropas da reserva enquanto a Rússia tenta manter os territórios do leste da Ucrânia depois que o exército ucraniano recapturou grandes extensões de terra nas últimas semanas.

O índice do dólar americano, que acompanha a moeda em relação aos seis principais pares, já sobe mais de 16% só neste ano. Outros ativos de refúgio, como ouro e títulos do Tesouro dos EUA, também subiram. Os preços do petróleo avançam com novas preocupações de que o fornecimento da Rússia, um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, seria interrompido, mas caem novamente nesta manhã.

Os comentários de Putin foram amplamente vistos como uma escalada do conflito, principalmente ao apoiar os referendos a serem realizados nos próximos dias em áreas controladas pela Rússia, mais um passo para anexar cerca de 15% da Ucrânia. Os temores sobre a desaceleração da China e o alerta da Rússia para intensificar a guerra na Ucrânia também assustaram os mercados, o que deve aprofundar o sentimento de aversão ao risco nos mercados globais.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.