Mercado em 5 minutos

Explorando cavernas apertadas: o mercado de trabalho americano

“Lá fora, os mercados asiáticos fecharam predominantemente em alta nesta sexta-feira (4), apesar das movimentações negativas de Wall Street durante ontem […]”.

Por Matheus Spiess

04 nov 2022, 09:19 - atualizado em 04 nov 2022, 09:19

Explorando cavernas
Fonte: Free Pik
Bom dia, pessoal.

Lá fora, os mercados asiáticos fecharam predominantemente em alta nesta sexta-feira (4), apesar das movimentações negativas de Wall Street durante ontem, impulsionadas pela forte alta das ações em Hong Kong e na China. Essa alta asiática ocorreu mesmo com os investidores continuando a digerir o quarto aumento consecutivo da taxa de juros de 75 pontos-base pelos EUA e os comentários agressivos do presidente do Fed, Jerome Powell, que sinalizaram mais aumentos dos juros nos próximos meses — também repercutiu a esperança de que a China em breve começará a reverter sua estratégia de zero Covid.

Os mercados europeus e os futuros americanos amanhecem para cima, caminhando para o que poderá se consolidar como um bom dia. Contudo, há vetores de estresse no mercado, entre eles o payroll dos Estados Unidos, que se vier mais forte do que o esperado pode reforçar a ideia de continuidade de um aperto monetário agressivo por parte do Fed e de outros países centrais. O Brasil, que ainda digere o resultado eleitoral e tem conseguido se desvencilhar da realidade internacional, pode reservar o dia de hoje para repercutir a temporada de resultados.

A ver…
00:49 — Um belo resultado e um belo dividendo
No Brasil, temos observado desde segunda-feira um fluxo de recursos estrangeiros mais forte do que esperávamos nesta reta final do ano — o gringo começa a se posicionar em ativos locais depois da vitória de Lula. A cautela ficou por conta do primeiro dia de trabalho da equipe de transição e do resultado da Petrobras, divulgado na noite de ontem. No final, por incrível que pareça, tudo correu bem.

Os números da petroleira superaram as estimativas de mercado para o terceiro trimestre, entregando um lucro de R$ 46 bilhões. As ações subiram no after-market americano ontem, assim como fazem nesta manhã, no pre-market de NY. Adicionalmente, um grande dividendo de R$ 43 bilhões será distribuído, o que deverá contagiar positivamente o mercado local.

A notícia é positiva, claro, mas não podemos nos esquecer do risco de interferência política na empresa (o resultado só falou sobre o passado, vale lembrar). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, criticou o movimento dos dividendos. Provavelmente, os próximos anos podem ser de menor distribuição de dividendo por parte da estatal, que deverá voltar a focar mais nos investimentos — a crítica, porém, parece esquecer que a União receberá R$ 12,5 bilhões, enquanto o BNDES receberá outros R$ 3,45 bilhões. 

É sobre isso que parte do mercado tem se debruçado: a equipe de transição, os esforços fiscais futuros e os possíveis nomes da equipe econômica. Ontem, o coordenador da transição, Geraldo Alckmin, se reuniu com várias autoridades em Brasília, inclusive o presidente Bolsonaro. Os nomes oficiais de transição serão descobertos em breve, bem como os esforços fiscais definitivos na reta final do ano (PEC da Transição).
01:50 — Ainda repercutindo o Fed
As ações americanas seguiram estressadas ontem, diante do renovado sentimento de preocupação depois que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, indicou que era muito cedo para falar sobre uma pausa nos aumentos das taxas de juros. Para piorar, a temporada de resultados continua a apresentar lucros mistos, com alguns executivos alertando sobre a demanda do consumidor durante os feriados.

À medida que o dia passava, mais empresas disseram que estavam recuando nos empregos, com a Lyft anunciando uma redução de mais de 10% na equipe e a Amazon anunciando um congelamento de contratações corporativas — em um só dia, além desses movimentos, Opendoor demitiu 18% dos funcionários, Stripe 14%, Chime 12% e Twitter 50% (Elon Musk está fazendo a limpa na empresa). De alguma forma, porém, o mercado de trabalho segue forte demais para o Federal Reserve.

O que explica isso? Basicamente, os anúncios proeminentes sobre demissões no mercado de tecnologia ainda não correspondem aos dados econômicos gerais. De fato, o último relatório do governo sobre pedidos de seguro-desemprego foi melhor do que o esperado nesta manhã, com 217 mil trabalhadores entrando com pedidos de desemprego na semana passada, 5 mil a menos do que os economistas esperavam e em linha com a média semanal pré-pandemia. 
02:45 — E os dados de payroll?
Por isso, todos estarão de olho no relatório de emprego de hoje, os famosos dados de payroll, que podem inverter essa tímida recuperação verificada nesta manhã. Espera-se que a economia americana tenha adicionado 200 mil folhas de pagamento não agrícolas em outubro, após um aumento de 263 mil em setembro. A taxa de desemprego deve subir de 3,5% para 3,6%, perto das mínimas de meio século.

Se as expectativas forem confirmadas, os dados ainda mostram um mercado de trabalho robusto e apertado (aquecido). É provável que o mercado mais uma vez responda ao relatório de empregos com uma estrutura de má notícia é boa notícia, dada a abordagem “dependente de dados” do Fed às taxas. Ou seja, surpresas positivas podem fazer o mercado cair, enquanto as negativas podem fazê-lo subir.

Complementarmente, talvez a narrativa mais importante dos dados do mercado de trabalho seja sua completa inconsistência com a narrativa dos dados do PIB. Aparentemente, os EUA criaram de 2,1 a 2,6 milhões de empregos na primeira metade do ano, quando o crescimento caiu, e depois 0,4 a 1,1 milhão de empregos no terceiro trimestre, quando o crescimento acelerou. Fruto dos novos tempos que vivemos.
03:35 — O aperto monetário em outros países
Ontem, o Banco da Inglaterra apresentou uma decisão de política monetária dividida. Houve muitas explicações sobre incerteza e risco, mas o banco deu um passo incomum ao comentar sobre as taxas de mercado, dizendo aos investidores para que caiam na real e sinalizando um ritmo mais lento de aperto (herança da maluquice recente de Liz Truss). A decisão, porém, foi em linha, com elevação de 75 pontos-base da taxa de juros, a maior alta em 33 anos.

Outras localidades também estão elevando juros, como foi o caso da Autoridade Monetária de Hong Kong, que elevou na quinta-feira sua taxa básica em 75 pontos base para 4,25% e alertou que as famílias devem se preparar para um período de taxas comerciais mais altas e gerenciar cuidadosamente os riscos financeiros. Adicionalmente, o banco central filipino disse que aumentaria sua taxa básica de juros em 75 pontos base dos atuais 4,25% em sua reunião de 17 de novembro. Ou seja, todo o mundo está subindo os juros. Uma recessão parece inevitável.
04:29 — O impasse dos grãos foi solucionado
Ontem, comentamos do estresse gerado entre a Rússia e a Ucrânia com o abandono do corredor humanitário para o transporte de grãos pelo Mar Negro – Nos últimos dois meses, mais de 400 navios que partem da Ucrânia exportaram 9,9 milhões de toneladas métricas de milho, trigo, produtos de girassol, cevada, colza e soja sob a Iniciativa de Grãos do Mar Negro.

Agora, porém, a Rússia parece ter concordado em retomar o acordo intermediado pela Turquia e pela ONU. Isso permitirá o embarque de milhões de toneladas de grãos ucranianos. Moscou agora diz que “garantias por escrito” de Kyiv garantem que não usará o corredor marítimo humanitário para fins militares, para que os carregamentos possam continuar desobstruídos.

Houve algum debate sobre quanta influência Vladimir Putin realmente tem sobre o acordo, com os embarques de grãos continuando na segunda e terça-feira (e uma interrupção de um dia na quarta-feira). Alguns dizem que as partes envolvidas poderiam avançar apesar das objeções de Moscou, embora outros achem que seria difícil assinar contratos de transporte e seguro para subscrever as viagens (custo mais elevado por conta da rota e do seguro de viagem).

Seja qual for o caso, Putin provavelmente tentará obter alavancagem adicional antes da data original de expiração do acordo, em 19 de novembro, e antes da próxima reunião do G20, em Bali. A guerra, apesar de não fazer mais manchetes como antes, continua afetando os mercados globais em diferentes frentes.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.