Mercado em 5 minutos

Argentinos: “Poderiam, por favor, anular só o segundo tempo?”

“Lá fora, os mercados asiáticos fecharam em alta nesta quarta-feira (23), seguindo movimentações positivas dos mercados globais durante o pregão de ontem […]”

Por Matheus Spiess

23 nov 2022, 08:54 - atualizado em 23 nov 2022, 08:54

Imagem: Freepik

Bom dia, pessoal. 

Lá fora, os mercados asiáticos fecharam em alta nesta quarta-feira (23), seguindo movimentações positivas dos mercados globais durante o pregão de ontem, quando os investidores mantiveram a expressão de otimismo sobre o Fed dos EUA desacelerar o ritmo de suas altas nas taxas de juros, apesar de alguns comentários agressivos de autoridades do sistema de bancos centrais americanos. A tendência altista se deu por lá mesmo diante os casos crescentes de Covid-19 na China, que elevaram os temores de novos bloqueios que poderiam retardar a reabertura da segunda maior economia do mundo. 

Os mercados europeus e os futuros americanos têm manhã positiva, pelo menos por enquanto, na véspera do feriado do Dia de Ações de Graças, nos EUA, e da publicação da ata da ata da última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto, que não deve alterar a percepção do mercado sobre um tom mais moderado na subida dos juros. Por aqui, o principal vetor dos ativos locais ainda é político, repercutindo a incerteza fiscal do governo eleito e da tentativa de questionamento eleitoral por parte de Bolsonaro. 

A ver… 

· 00:42 — Esqueceram dos governadores, senadores e deputados eleitos… 

No Brasil, os ativos locais estão muito sensibilizados pelo ambiente político. Ainda sem um ministro da Fazenda, condição que deveremos manter até dezembro, seguimos sem uma sinalização concreta sobre a PEC da Transição e a nova regra fiscal, a ser discutida a partir do ano que vem. Para piorar, houve questionamento eleitoral por parte de Bolsonaro e de seu partido, o PL, comandado por Valdemar da Costa Neto.  

A tentativa, que está fadada ao fracasso e serve apenas para agitar as bases radicais já inflamadas, além de piorar a percepção de risco doméstico e institucional, pede a anulação de mais de 250 mil urnas eletrônicas. No entanto, essa manobra parece ignorar que foram as mesmas urnas que elegeram governadores, senadores e deputados no primeiro turno, dando ao PL a maior bancada da Câmara. Detalhe pequeno, devem ter esquecido. 

Voltando para a realidade, a equipe de transição segue negociando o texto da PEC (muita irresponsabilidade fiscal não vai passar). A falta de Lula nas conversas, em recuperação depois de um procedimento, acaba sendo um potencial vetor positivo, eliminando os ruídos de curto prazo como aconteceram nas últimas semanas. O texto final caminha para um gasto fora do teto de R$ 160 bilhões por dois anos. 

Como isso foi conquistado? Com a negociação juntos aos parlamentares para a destinação, por meio de emendas, em 2023 (agora emendas parlamentares voltaram a ser OK, então?). A proposta tem até dia 15 de dezembro para ser aprovada, mas o trajeto não será fácil; na verdade, muito pelo contrário. Se houver a inclusão de um compromisso para revisão do teto em 2026, vai se criar uma expectativa para a definição de uma nova regra fiscal para as contas públicas, o que pode ser bom. 

· 01:51 — Na véspera do feriado 

Os mercados americanos não abrem amanhã, então não seria de se surpreender uma certa cautela adicional, muito por conta também da publicação das atas da última reunião do Federal Reserve, que aumentou as taxas em 75 pontos-base. O aperto monetário deve continuar a acontecer em dezembro e no início de 2023, mas se debate a velocidade do processo, com declarações contraditórias entre alguns membros do Fed, o que provoca reações adversas no mercado. 

A ata de hoje, porém, conta uma história de antes do dado de inflação que mostrou desaceleração dos preços, o que torna o documento menos relevante, ainda que importante. Ora, os mercados já estão cientes de que o Fed pretende continuar elevando as taxas de juros para combater a alta inflação, reduzindo a demanda econômica, e que o ritmo de aumento das taxas pode diminuir. Sim, um “pouso suave”, que parecia muito improvável um mês atrás, é agora um cenário mais plausível. 

· 02:28 — As preocupações com a demanda e os preços de energia 

Duas frentes de pressão para a atividade global: i) a próxima reunião de política monetária do Fed, que está agendada para 13 a 14 de dezembro, aparece com chance de 76% de um aumento de 50 pontos-base e uma chance de 24% de outro aumento de 75 pontos (quanto maior o juros, menor a perspectiva de atividade econômica); e ii) o aumento nos casos de Covid-19 na China afeta a expectativa de abertura do país da política de “zero-Covid”, deteriorando as projeções de crescimento não só do gigante asiático, mas do mundo como um todo.  

Dessa forma, as preocupações persistentes com a inflação, as tensões geopolíticas, o aperto monetário e o aumento nos casos de COVID-19, acabam pintando um quadro pior para as commodities, em especial as metálicas e as relacionadas com óleo e gás. Ainda assim, ontem, embora todos os setores do S&P 500 tenham subido, o setor energético foi o destaque. Isso porque os preços do petróleo dispararam depois que a Arábia Saudita negou um relatório que dizia que a Opep+ estava considerando um aumento na produção de petróleo de 500 mil barris por dia. 

Vemos que a recente queda do preço do petróleo foi exagerada e, como a atividade econômica global, excluindo a China, não cairá completamente, os preços devem continuar se estabilizando. Enquanto isso, o presidente russo, Putin, sugeriu que o fornecimento de gás para a Europa através do gasoduto ucraniano pode ser cortado, em retaliação à tentativa dos países do G7 de adicionar um teto para os preços do petróleo russo (a ideia, na verdade, é ruim em vários aspectos). Pelo menos o que se entende hoje é que a Europa tem gás suficiente para o inverno. 

· 03:36 — Greve no radar 

O maior sindicato ferroviário dos EUA votou contra nesta semana um contrato de trabalho provisório negociado pelo governo Biden há alguns meses, aumentando o risco de uma greve ferroviária debilitante para a economia antes das férias de inverno — a greve pode começar já entre 5 e 9 de dezembro, a menos que um novo acordo seja alcançado ou o Congresso tome medidas de prevenção. 

O que os trabalhadores querem? O contrato, que oferecia um aumento salarial de 24% até 2024 (o maior em quatro décadas), foi rejeitado por conta da falta de concessões sobre o que os membros consideram políticas de comparecimento injustas e problemas persistentes de falta de pessoal desde a pandemia — as transportadoras de carga empregam cerca de 30% menos trabalhadores do que há seis anos. 

Uma greve ferroviária custaria à economia dos EUA cerca de US$ 2 bilhões por dia, de acordo com a Associação das Ferrovias Americanas. O efeito cascata de uma paralisação de remessas dessa magnitude pode levar à escassez global de alimentos e muito mais. Para ilustrar, o Conselho Americano de Química diz que cerca de US$ 2,8 bilhões em remessas de produtos químicos seriam impactados semanalmente. 

· 04:23 — A grande dívida 

Recentemente, a dívida nacional dos Estados Unidos ultrapassou US$ 31 trilhões pela primeira vez, de acordo com dados do Departamento do Tesouro. A marca fiscal sombria está aumentando as preocupações com a saúde econômica do país, que está enfrentando uma inflação alta e um ambiente de taxas de juros mais altas. 

Outros fatores, como uma população envelhecida, sistema tributário que não gera receita suficiente para cobrir os gastos e custos elevados de saúde e defesa, também são preocupantes, pois o governo federal americano não mostra sinais de que vai aprimorar os gastos nos próximos anos. 

Muitas pessoas foram complacentes com a trajetória da dívida, em parte porque as taxas estavam muito baixas. Agora, a história é diferente. É preciso resgatar no âmbito global as conversas sobre austeridade e orçamento equilibrado. Com um percentual da dívida em relação ao PIB totalizando 121%, a situação americana não é trivial.  

A dívida federal não pode crescer mais rápido do que a economia indefinidamente, especialmente porque as taxas mais altas encarecem o serviço da dívida. Isso é uma lição para o Brasil também, que enfrenta agora o maior desafio fiscal desde a questão do estrangulamento externo da década de 1990. São novos tempos. 

   

Um abraço, 

Matheus Spiess 

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.