Times
Day One

Semana de maldade: o ano não acabou

Qualquer fagulha pode despertar um movimento intenso na Bolsa nestes últimos três pregões restantes

Por Felipe Miranda

27 dez 2022, 09:12 - atualizado em 27 dez 2022, 09:12

As Melhores Ações da Bolsa
Imagem: Freepik

Só ouço falar em 2023. “As melhores ações da Bolsa para…”, “onde investir em…”, “para onde vai o dólar…”, “o cenário para renda fixa…” tudo sobre 2023. Consigo entender, mas a imanência pede passagem.

Este é um Day One sobre 2022. O meu último do ano, mas ainda sobre 2022. Também não é sobre retrospectiva, porque, sejamos sinceros, a História é interessante, ajuda a entender a caminhada e permite traçar prognósticos (sem a compreensão do passado, impossível contemplar um futuro), mas não paga conta. E, meu caro, os boletos não tiram férias. Ao contrário, parecem nutrir uma crueldade especial neste momento; se somar matrícula escolar com IPVA dá quase uma PEC da Transição.

Por mais difícil que tenha sido o ano (o sétimo pior de toda série histórica da Goldman Sachs, iniciada em 1900), não podemos fugir dele antes do real anoitecer. “Two minutes to midnight”. Ainda restam dois minutos para meia-noite e havemos de aproveitá-los. Enquanto nos distraímos com elucubrações sobre 2023, deixamos de viver 2022 e escapamos à história sendo construída.

Os retornos em Bolsa não são lineares e graduais. Ao contrário, movimentos se dão em saltos súbitos, grandes, exponenciais e muitas vezes aleatórios. A realidade objetiva é que ainda falta uma semana. E não se trata de uma semana qualquer.

Primeiramente, a liquidez é bem menor. Um ou outro comprador/vendedor faz preço, de forma deliberada ou não. Aaah, e deliberações não faltam. Abre-se a caixa de ferramentas e de maldades para guiar small e midcaps para níveis mais reconfortantes para as cotas anuais a serem anunciadas e as taxas de performances a serem apuradas. A governança a gente vê depois.

A posição técnica é bastante favorável. Quase ninguém tem Bolsa. O investidor pessoa física volta ao paraíso do CDI. Os multimercados e High frequency estão, na melhor das hipóteses, observando de fora, quando não apostando na queda — a posição short (vendida) na Bolsa brasileira está na máxima histórica. O gringo, que queria enamorar-se por Lula, se assustou rapidinho e bateu em retirada; se engana quem espera a fidelidade de um casamento católico em Bolsa. Em mercados de baixa liquidez e muito shorteados, qualquer soluço vira correria.

Sem ingenuidades, claro. “Can’t start a fire without a spark”, resume Bruce Springsteen. Precisamos de um trigger, um catalisador. Cá estamos “Dançando no Escuro”, impossibilitados de penetrar no futuro e cravar uma rota para o preço das ações no curto prazo. O ponto central deste texto, no entanto, é que qualquer fagulha pode despertar um movimento intenso nestes últimos três pregões restantes. Pede-se aquele último minuto de estamina, guarda alta até o final. 

Conheci muita gente brilhante com grande iniciativa; a amostra de pessoas realmente bem-sucedidas, contudo, é bem menor, porque ela requer terminativa. “O ponta precisa acompanhar o lateral adversário até o final.” Uma lição de vida levada aos investimentos. Ou talvez seja o oposto, sei lá.

Há uma frase atribuída a Harold Wilson dizendo que “uma semana é longo prazo em política”. E essa é a semana da transição. Ainda que Brasília esteja em recesso, nomes integrantes da equipe e das estatais devem surgir; aparecem notícias de planos econômicos e, sobretudo, fiscais, com grande capacidade de impactar o preço dos ativos; alianças devem ser construídas e outras desfeitas, dando um pouco de cor sobre a cara real do novo governo. Hoje, estamos todos debruçados sobre a difícil tarefa de destacar o ruído do sinal.

Quando em 10 de dezembro de 2002 o presidente Lula anunciou o nome de Antonio Palocci como seu ministro da Fazenda, completou a informação com a seguinte frase, ipsis verbis: “Meu governo vai pautar-se pela responsabilidade fiscal, pelo combate à inflação e pelo respeito aos contratos e acordos. Essas são as bases para a retomada do desenvolvimento sustentado”. Em discurso no National Press Club, concluiu: “estejam seguros de que todas as instituições e empresas responsáveis, interessadas na prosperidade e nos ganhos que advêm do crescimento econômico, encontrarão no Brasil um ambiente seguro e estável para investir”. 

Talvez ele tenha se esquecido, talvez mudado de opinião, mas foi esse caminho que fez de seu primeiro governo um grande sucesso, ajudado pelas commodities caras diante da entrada da China no comércio internacional e pela Grande Moderação, o período conhecido pela baixa volatilidade dos juros, da inflação e do crescimento no exterior. Pode ser expectativa ingênua, possivelmente algum tipo de torcida (por que as pessoas se enganam dizendo para si e para os outros que conseguem blindar totalmente seus próprios vieses e identificar com precisão onde começa a torcida e onde termina a razão?); porém, foi também prestes a entrar no seu primeiro governo que Lula sinalizou claramente a direção (àquela altura ortodoxa) de seus próximos quatro anos. Seria diferente agora?

Ao mesmo tempo, corre o cenário corporativo. Sobram anúncios de dividendos e juros sobre capital próprio nesta época; deals são acelerados para planejamento tributário e fiscal. As notícias surgem quando a expectativa é baixa. A imprensa noticia que Guararapes procura um sócio, mas a verdade é que todo o setor tem se falado. Há boas empresas, marcas excelentes e amplas possibilidades de sinergia, enquanto as companhias negociam em níveis extremamente depreciados em Bolsa.

O Natal e o réveillon são datas propícias para frases de efeito. Muitos adoram repetir, preferivelmente citando a sabedoria de Warren Buffett ou algum outro megainvestidor descolado, coisas como: “seja medroso quando os outros forem gananciosos, e seja ganancioso quando todos estiverem com medo”; “compre ao som dos canhões, venda ao som dos violinos”; “compre quando houver sangue nas ruas”; “Bolsa você compra quando o juro está alto, porque aí as ações estão baratas”. Quantos desses repetidores de frases clichês são realmente capazes de apertar o botão quando a oportunidade lhes aparece?

No jogo 6 das finais da NBA em 1993, todos esperavam que Michael Jordan arremessasse a última bola, a chance derradeira de o Chicago Bulls passar à frente do Phoenix Suas naquela partida. A bola, no entanto, caiu nas mãos de John Paxson, no que viria a se transformar em um dos lances épicos da história da competição. Paxson chutou e converteu a cesta, faltando menos de quatro segundos para terminar o jogo. Até hoje, ele é lembrado por ter aproveitado aquela oportunidade, aquela única oportunidade…

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Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.