Bom dia, pessoal. Lá fora, os mercados asiáticos fecharam em alta nesta sexta-feira (20), apesar dos sinais negativos dos mercados globais durante o pregão de ontem, já que os investidores permanecem cautelosos mesmo depois das preocupações sobre as taxas de juros terem diminuído com dados mostrando o arrefecimento da inflação nos EUA. Espera-se que o Fed americano diminua ainda mais o ritmo dos aumentos de juros para 25 pontos-base em sua próxima reunião, finalizada no primeiro dia de fevereiro.
Os mercados europeus e os futuros americanos acompanham o movimento mais positivo da Ásia nesta manhã, depois da queda de quinta-feira, repercutindo também alguns bons resultados reportados depois do pregão, como o caso de Netflix, que bateu as expectativas do mercado e subiu quase 7% no after-hours, já contratando uma alta para hoje. Enquanto mais falas de autoridades monetárias ficam no radar no exterior, o Brasil ainda lida com ruídos políticos e com o caso Americanas.
A ver…
· 00:37 — “Botar a granada no bolso e tirar o pino”
A frase acima faz referência ao argumento de Armínio Fraga sobre a possibilidade de o governo rever a independência do BC, trocar o presidente da autoridade monetária ou mudar a meta de inflação. Fraga, que já era conhecido pelo famoso “votei no Lula, mas agora estou com medo”, tem razão. Qualquer uma dessas medidas seriam péssimas.
O bate cabeça dentro do governo não acabou e as últimas aparições do presidente foram bem controversas sobre temas econômicos. Ontem, foi preciso que os bombeiros entrassem em ação para desmentir a revisão da independência do BC. A pressão sobre a meta de inflação, no entanto, que deveria ir para 3,25% este ano e 3% em 2024 e 2025, ainda se mantém.
Lula esvazia o poder de sua própria equipe econômica toda vez que bate cabeça com as estratégias traçadas por ela. Há um nítido desconforto no ar nos Ministérios da Fazendo e do Planejamento. E não terminamos nem o primeiro mês de governo. Deixa começar as discussões sobre o novo arcabouço fiscal e reforma tributária. O mercado vai penalizar, em especial nos juros e no câmbio, como fez ontem.
Há uma chance de que os próximos anos sejam favoráveis para o Brasil do ponto de vista internacional e de alocação. A materialização desse cenário está 100% na mão do governo. Pontos de atenção: uma âncora fiscal ruim, uma reforma tributária que mais ajuda do que atrapalha, mudar alguma das reformas dos últimos seis anos (governos Temer e Bolsonaro) e mudar a dinâmica com a autoridade monetária.
· 01:36 — Só a nata do mercado brasileiros
Ontem, a Americanas conseguiu aprovar sua recuperação judicial, apresentando R$ 43 bilhões em dívidas e 16,3 mil credores. Com isso, temos aqui a quarta maior RJ da história do Brasil, perdendo apenas para Samarco (R$ 55 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Odebrecht (R$ 80 bilhões), a campeã por motivos óbvios. Como vocês podem ver, só a nata do mercado brasileiro. O verdadeiro filé mignon nacional. Que belo churrasco essas empresas fariam.
Me responda uma coisa: alguma dessas aí em cima se deram bem? Não? Bem, então sabemos para onde estamos caminhando muito provavelmente. A ação fechou ontem a R$ 1, tendo caído mais 42% no pregão (qualquer espertinho que recomendou comprar a ação na quinta-feira passada, quando os papéis caíram mais de 70%, não deve estar muito feliz agora). É melhor ficar distante desse papel, diante da falta de perspectiva em diferentes horizontes temporais e da saída do papel do Ibovespa por conta da RJ.
É um caso paradigmático. Mas e agora? Bem, com o processo aprovado, a empresa consegue a suspensão da execução de qualquer dívida por 180 dias, precisando apresentar em até dois meses um plano de recuperação judicial crível para a justiça. Cinco bancos entraram na justiça com petições contrárias ao pedido de recuperação. A saga só está começando, podem escrever (o plano de recuperação pode levar até dois anos para ser aprovado). Uma coisa me parece sensata: sem uma capitalização generosa dos sócios de referência, não há muita salvação aqui.
· 02:35 — Recessão no horizonte
Ontem, a vice-presidente do Federal Reserve, Lael Brainard, insinuou uma possível desaceleração do aperto das taxas de juros, mas reforçou que as taxas dos EUA devem permanecer altas por algum tempo, como temos falado aqui. A postura conservadoramente agressiva por parte dos membros do Fed deriva de uma nova tentativa de ancorar as expectativas, uma vez que boa parte do mercado perdeu confiança nos comunicados da autoridade monetária americana da pandemia para cá.
O Fed e os bancos centrais da Europa e da Ásia elevaram as taxas de juros agressivamente no ano passado para reduzir a inflação. A principal taxa de empréstimo do Fed é de 4,25% a 4,50%, versus quase zero há um ano. Sua próxima decisão sobre a taxa será anunciada em 1º de fevereiro. Os investidores esperam um aumento de 25 pontos-base, menor do que os aumentos anteriores de até 0,75 ponto percentual. Devemos caminhar para algo como 5% de juros nos EUA.
Ao mesmo tempo, os investidores temem que o Federal Reserve e outros bancos centrais possam estar dispostos a levar as economias ocidentais à recessão enquanto tentam extinguir a inflação, que está nas máximas em várias décadas. Para piorar, alguns relatórios mostraram fraqueza no setor imobiliário e na manufatura dos EUA, em especial na região do meio do Atlântico, embora não tenham sido tão ruins quanto o esperado e o mercado de trabalho ainda pareça saudável.
· 03:30 — O teto da dívida
Os EUA atingiram o teto da dívida de US$ 31,4 trilhões e os mercados de títulos do Tesouro americano ainda não parecem ter percebido. Agora, para que os EUA continuem tomando empréstimos e pagando suas contas, os legisladores precisam concordar com um novo teto de dívida. Isso é algo que apenas o Congresso tem poder para fazer, mas os legisladores passaram a ver o procedimento como moeda de troca.
Com isso, até que o teto seja expandido pelo Congresso, uma série de medidas extraordinárias estão sendo tomadas para evitar uma inadimplência do governo. Procurando conservar o capital no nível federal, o Tesouro começará a reter investimentos de fundos de aposentadoria para alguns funcionários do governo, enquanto outras medidas levarão semanas ou meses para entrar em vigor.
Será uma batalha difícil. Lembra de quando conversamos sobre a interminável votação para presidência da Câmara? Bem, os republicanos mais radicais apenas entregaram ao deputado Kevin McCarthy a presidência da Câmara com a condição de que um novo limite de empréstimos seja associado a cortes profundos nos gastos do governo e um plano para equilibrar o orçamento na próxima década. Francamente? É bem sensato um plano para equilibrar as contas públicas.
A Casa Branca, por outro lado, insiste que o novo limite da dívida deve ser aprovado sem restrições. Embora o governo provavelmente consiga sobreviver com o dinheiro que tem até o início de junho, haverá estresse político sobre o mercado, em especial sobre os juros e o câmbio, que podem se estressar bastante nos EUA nos próximos meses. Um calote sem precedentes da dívida segue sendo uma possibilidade remota.
· 04:34 — Ruídos europeus
No Reino Unido, as vendas no varejo em dezembro foram mais fracas do que o esperado, o que abre espaço para um discurso mais branco por parte da autoridade monetária britânica, que pode desacelerar o ritmo de aperto embasado em dados econômicos mais fracos. Sobre o varejo, ainda vemos que os gastos com bares e restaurantes parecem priorizados nos orçamentos familiares.
Enquanto isso, na Alemanha, a inflação dos preços ao produtor em dezembro desacelerou, mas o declínio foi um pouco menor do que o esperado. De qualquer forma, porém, os preços parecem já terem feito pico, o que deixa os mercados mais confortáveis. A ata mais dura do BCE de ontem, portanto, pode ser diluída hoje ao longo do pregão. Resta acompanhar as falas de autoridades monetárias.
Um abraço,
Matheus Spiess