Bom dia, pessoal. Lá fora, os mercados da Ásia e do Pacífico tiveram um desempenho misto nesta quinta-feira, mas predominantemente negativo, com os investidores digerindo as atas divulgadas ontem pelo Federal Reserve dos EUA, que mostraram que os membros ainda estão comprometidos em combater a inflação com o aumento de juros — houve decisão de política monetária na Coréia do Sul e feriado no Japão.
Na Europa, a manhã também não está muito bem definida, mas os mercados tentam se recuperar depois do susto dos últimos dois dias. O mesmo pode ser verificado nos futuros americanos, enquanto os investidores aguardam a segunda leitura para o PIB do quarto trimestre nos EUA. O contexto de mais aperto monetário e de provável recessão nas economias centrais é negativo para os países emergentes, como o Brasil.
A ver…
· 00:38 — As perspectivas brasileiras nasceram para sofrer
Por aqui, voltamos do feriado com um tom bastante negativo sobre o mercado, que fazia catch-up com os ativos internacionais (a tragédia no litoral norte de São Paulo, o caso Americanos e o caso de vaca louca registrado no Brasil também atrapalham). Ao mesmo tempo, não só seguimos com a temporada de resultados corporativos, como também tivemos mais comprovações de que as últimas discussões sobre mudança da autonomia do BC e da meta de inflação deterioraram as expectativas dos investidores.
O relatório Focus, que compila as projeções do mercado para a economia brasileira, mostrou aprofundamento das perspectivas negativas para a inflação no Brasil, o que é prejudicial para a noção de queda dos juros, um dos gatilhos mais poderosos para destravar valor para as ações, como aconteceu no ciclo entre 2016 e 2019. Isso é ruim para os ativos financeiros, para a curva de juros e para o câmbio, que poderia estar abaixo de R$ 5,00 não fosse a perda de tempo gerada por esses atritos.
· 01:28 — A bendita ata do Fed
Nos EUA, o S&P 500 caiu pela quarta sessão consecutiva, em um dia dominado pelas últimas notícias sobre o Federal Reserve. A autoridade monetária divulgou a ata da última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto, encerrada em 1º de fevereiro, quando o FOMC optou por elevar sua taxa básica de juros em 25 pontos-base, para uma meta entre 4,50% e 4,75%. De lá para cá, as perspectivas para a inflação e atividade econômica americana prejudicaram a continuidade da apreciação dos ativos.
Não era necessariamente uma notícia nova, mas mesmo assim deixou claro que as autoridades estão determinadas a reduzir a inflação e estarão em sintonia com os dados econômicos que chegam aos poucos. Em outras palavras, a divulgação da ata dá aos investidores mais informações sobre como os membros do comitê podem estar pensando sobre os dados econômicos mais fortes, ao reconhecerem o risco de não fazer o suficiente para controlar a inflação (as coisas não mudam do dia para a noite).
Complementarmente, hoje teremos a segunda estimativa do produto interno bruto do quarto trimestre, com previsões de crescimento de 2,5% pela taxa anual ajustada sazonalmente. Eventuais surpresas podem ter efeito direto na próxima reunião do FOMC, a ser realizada nos dias 21 e 22 de março, o que teria desdobramentos claros não só para os ativos americanos, mas também para o mercado financeiro global, inclusive para o Brasil, bastante sensível ao nível de atividade mundial.
· 02:39 — E a Europa?
Nesta quinta-feira, na Europa, contamos com a digestão dos dados de inflação da Zona do Euro, que registraram queda na comparação mensal, em linha com o esperado. Mesmo com o dado sinalizando uma desaceleração dos preços, o BCE deverá manter o ritmo do aperto no bloco econômico, de modo a evitar um segundo topo da inflação.
Enquanto isso, no Reino Unido, os investidores se debruçam sobre a pesquisa de vendas no varejo (comércio de distribuição). Como sabemos e já discutimos algumas vezes, a economia britânica vem se tornando cada vez mais um ponto vulnerável e sensível entre as economias centrais, ficando consideravelmente para trás dos EUA.
· 03:11 — A era do Capex
Pode parecer distante, mas serve bem para ilustrar um ponto que venho desenhando há algum tempo. Do outro lado do Pacífico, as despesas de capital (Capex) da Austrália atingem o maior nível em 7 anos no quarto trimestre, lideradas por gastos no setor de alimentação e acomodação.
O Capex chegou a 35 bilhões de dólares australianos (ou US$ 23,9 bilhões), tendo subido 2,2% no quarto trimestre, superando as previsões de um aumento de 1,3%. Adicionalmente, o relatório estimou que as empresas planejam investir mais de US$ 100 bilhões até junho. O número chama atenção.
Isso mostra um pouco o movimento que deveremos ter ao longo dos próximos anos, quando o mundo passar por um boom de Capex por conta da regionalização do comércio (“reshoring”). A implicação natural é a de que viveremos em um mundo de maior inflação e, consequentemente, mais juros.
· 04:02 — A dívida dos emergentes
Com alguma frequência, chamamos atenção para o nível de endividamento global, algo crítico a ser acompanhado de perto pelas lideranças mundiais ao longo dos próximos anos. Pois bem, ontem tivemos a atualização dos dados oficiais de endividamento dos países pelo Instituto Internacional de Finanças (IIF), associado ao Banco Mundial, e o número merece um cuidado especial.
A dívida total dos países emergentes cresceu 2,1% em 2022, para novo recorde de US$ 98,2 trilhões, enquanto a dívida dos países desenvolvidos encolheu 2,8%, a US$ 200,8 trilhões. Com isso, a dívida global teve uma retração de 1,3%, a US$ 299 trilhões, na primeira baixa desde 2015. A queda do consolidado é positiva, de fato, mas ainda temos muito o que fazer, principalmente com os custos das dívidas em ascensão.
Os mercados emergentes, dotados de estruturas econômicas mais sensíveis, merecem dedicação adicional, com Rússia, Cingapura, Índia, México e Vietnã impulsionando o crescimento da dívida dos países. Pelo menos o Brasil foi na contramão, com queda de 4,5% da dívida, para US$ 211,8 bilhões — o montante considera a dívida do governo, das empresas não financeiras, do setor financeiro e famílias.
Num universo em que os juros ficaram elevados por mais tempo, de maneira diferente de como aconteceu nos últimos 10 anos, principalmente desde a crise de 2008, a atenção ao endividamento será cada vez maior. Não será mais tolerado baderna com dinheiro como foi no passado recente. Entramos em uma era na qual o dinheiro fácil estará escasso de maneira crescente.
Um abraço,
Matheus Spiess