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Distantes memórias

“Nota-se que o embate do governo federal contra a autoridade monetária não é novidade […]”.

Por Caio Mesquita

18 fev 2023, 08:45 - atualizado em 23 fev 2023, 08:50

Memorias
Imagem: Freepik

“O ministro da Fazenda declarou na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado que a política econômica do país “não vai mudar, não pode mudar e não deve mudar”, mas informações obtidas pelo Congresso em Foco junto a interlocutores do ministro garantem que em pelo menos um ponto ele começa a pensar em mudanças: na taxa de juros.

Em relação à taxa de juros, o ministro não está em total sintonia com o presidente do Banco Central. O ministro avalia que o Banco Central já poderia ter adotado um cronograma de redução da taxa de juros básica da economia. No Congresso, alguns integrantes da base governista com trânsito junto ao Ministério da Fazenda já comentam essa divergência.

Por enquanto, essa diferença entre o ministro e o presidente do Banco Central é um segredo para boa parte do governo Lula, sendo um tema discreto em alguns gabinetes do Ministério da Fazenda e na diretoria do Banco Central. Oficialmente, a assessoria de imprensa do presidente do Banco Central se recusa a fazer comentários sobre esse assunto. Já o Ministério da Fazenda sequer retornou aos telefonemas do Congresso em Foco.”

A nota acima foi publicada em 11 de julho de 2005, na sessão Congresso em Foco do UOL.
Omiti propositalmente o nome dos então ministros da Fazenda e presidente do Banco Central, respectivamente Antonio Palocci e Henrique Meirelles.

Nota-se que o embate do governo federal contra a autoridade monetária não é novidade, muito pelo contrário.
Uma breve pesquisa mostra que criticar a condução da política monetária é frequente e comum.

Até em países com economia desenvolvida, onde a independência dos bancos centrais é institucionalmente inquestionável, chefes do executivo vira e mexe apontam para a alta taxa de juros como causa das dificuldades econômicas que enfrentam.

Nos Estados Unidos, Donald Trump foi bastante vocal em criticar a lentidão do Fed em reduzir a taxa de juros, imputando ao banco central americano a responsabilidade pela deterioração dos indicadores econômicos.

Joe Biden, é bem verdade, não tem atacado diretamente a atuação do Fed, apesar da significativa elevação na taxa dos Fed Funds.

Por outro lado, representantes do seu partido, especialmente os posicionados mais à esquerda do espectro político, como a senadora Elizabeth Warren e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, fazem campanha aberta contra o aperto monetário promovido por Jerome Powell.

Por aqui, o tema dos juros e da atuação do Banco Central segue quente, exigindo extrema habilidade política de Roberto Campos Neto que, até o momento, tem evitado confrontos desgastantes.

Há uma enorme confusão e até mesmo ignorância ao redor do tema, já que poucos parecem entender que somente a taxa de juros diária, o antigo overnight, é definida pelo Banco Central, que apenas cumpre o mandato de atingir uma meta de inflação definida por um outro ente, o Conselho Monetário Nacional (CMN).

Mesmo dentre aqueles que realmente entendem do tema, há bastante espaço para debate como pudemos presenciar nos painéis de discussão do evento promovido pelo Banco BTG Pactual, o CEO Conference.

Enquanto pela manhã, três dos principais gestores de recursos do Brasil, Luis Stuhlberger, Rogério Xavier e André Jakurski, concordavam sobre a necessidade de se rever a atual meta de inflação, à tarde, os economistas do BTG, Tiago Berriel, Eduardo Loyo e Mansueto Almeida, alertavam para os riscos decorrentes da perda de credibilidade advindos de tal revisão.

No mesmo evento, tivemos a chance de ouvir o ministro Fernando Haddad declarar suas intenções sobre a condução da pasta.

Confesso que tive uma boa impressão, talvez porque minha expectativa fosse mínima, dado seu histórico político simpático à causa socialista.

Salvo algumas declarações mais do que questionáveis, dizendo que Lula havia conseguido erradicar a fome do País, por exemplo, Haddad mostrou uma postura bastante construtiva e pragmática, diferente daquela que seu chefe vem adotando.

Antes das eleições, boa parte do mercado acreditava em um Lula, caso eleito, encaminhando a economia de maneira responsável. Essa possibilidade do chamado Lula I estava no radar de muitos, eu inclusive.

Cabe aqui a reflexão sobre quem era realmente esse Lula em seu primeiro mandato. Ficamos marcados pela lembrança da chamada “Carta aos Brasileiros”, achando que o então presidente adotou essa postura razoável e conciliatória durante a primeira fase de seu governo.

Talvez, porém, estejamos enganados pela nossa frágil memória e esse Lula I nunca tenha existido.

Não estou dizendo que a condução da economia não tenha sido exitosa.  Pelo contrário, os resultados da dupla Palocci/Meirelles foram amplamente positivos, e os números comprovam.

Não necessariamente, porém, o caminho foi suave, livre de solavancos.  

Lula, apaixonado pela sua própria voz, nutre gosto pela verborragia. Sua retórica de sindicalista dos anos 70 é seu natural modo de expressão.

Naturalmente, o mercado estremece a cada declaração agressiva, endereçada para agradar sua base histórica.

Talvez, devamos aceitar o conselho que nos deu Fernando Haddad no evento do BTG que, ao anunciar a antecipação do arcabouço fiscal para o mês que vem, nos convidou a afastar-nos dos ruídos e focar no que realmente importa.

A ver.

Deixo você agora com os destaques da semana.

Boa leitura e um abraço,

Sobre o autor

Caio Mesquita

CEO da Empiricus