Bom dia, pessoal. Lá fora, os mercados asiáticos fecharam em baixa nesta quarta-feira, acompanhando os sinais amplamente negativos dos mercados globais durante o pregão de ontem, com os investidores reagindo ao testemunho do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, perante o Comitê Bancário do Senado. Como sabíamos que aconteceria, Powell chamou a atenção para o fato de que as taxas de juros provavelmente permanecerão mais altas por mais tempo do que o esperado. O motivo? A inflação continua elevada e a economia ainda mostra sinais de robustez.
Os dados históricos advertem fortemente as autoridades contra o afrouxamento prematuro da política monetária, o que impede uma queda do juro no exterior ainda neste ano. Nesta manhã, os mercados ocidentais estão bem mistos, com um tom predominantemente negativo na Europa e uma tímida tentativa de recuperação nos futuros americanos. O presidente do Fed voltará a falar hoje e pode reforçar a fala dura de ontem, provocando novo estresse no mercado — os investidores antecipam uma alta de 50 pontos-base na próxima reunião, o que acredito ser improvável.
A ver…
· 00:51 — Para piorar a situação…
No Brasil, seguindo a mesma tendência internacional, que também pesou sobre os mercados emergentes, os ativos voltaram a sofrer. No radar dos investidores, temos a expectativa pelo novo arcabouço fiscal, já nas mãos dos demais ministérios da ala econômica do governo, podendo ser formalmente apresentado nos próximos dias. Ontem, a reunião entre Haddad e Campos Neto caiu bem sobre os mercados, que esperam harmonia entre o Poder Executivo e o Banco Central.
Para piorar a situação, no entanto, ventila-se que o governo estuda uma elevação no reajuste dos servidores, de 7,8% para 9%. Não há como ignorar o impacto nas contas públicas, principalmente se houver benefícios adicionais, como auxílio-creche, podendo voltar a pressionar a curva de juros, que relaxou nos últimos dias na espera pela nova regra que substituirá o teto de gastos públicos. Pelo menos, para melhorar o humor, as negociações com a China visando a liberação de carne bovina já estão na reta final.
· 01:38 — O testemunho
Nos EUA, os ativos sofreram depois do testemunho do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que soou mais agressivo do que os investidores esperavam. Powell disse que vai aumentar as taxas de juros várias vezes nos próximos meses e que estaria preparado para acelerar novamente seu ritmo de aperto, se necessário, o que ainda entendo como improvável, mesmo que possível. Como consequência, as taxas de juros de 2 anos ultrapassaram os 5% pela primeira vez desde 2008 e a curva de juros mostrou forte inversão, movimento que costuma preceder fortes recessões.
A realidade é dura, com o mercado passando a esperar taxas terminais de juros na faixa de 5,5% a 6%, com uma probabilidade elevada de alta de 50 pontos-base no próximo Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês), o que ainda entendo como menos provável — faria mais sentido manter o ritmo de 25 pontos de ajuste, mesmo que por mais tempo. O presidente do Fed voltará a falar hoje, desta vez ao Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos EUA. Paralelamente, ainda temos o Livro Bege do banco central americano, que pode trazer mais presságio econômicos.
· 02:35 — O PIB europeu
No velho continente, o PIB final do quarto trimestre da Zona do Euro frustrou as expectativas do mercado, mostrando uma revisão para alta de 1,8% na comparação anual, diferente do 1,9% esperado (na comparação mensal, o PIB ficou estável). Apesar de importante, a revisão não deve ter tanto efeito sobre o mercado, que está mais preocupado com as falas de autoridades monetárias do dia, não só nos EUA, mas na própria Europa também, com Christine Lagarde, presidente do BCE, falando hoje.
Além do dado acima descrito, contamos igualmente com os números da produção industrial alemã, que foi entregue melhor do que o projetado, e das vendas no varejo, que caíram um pouco menos do que o esperado em janeiro. A atividade alemã é chave para entender a robustez econômica europeia, podendo servir de parâmetro para o que vai acontecer nos demais países da Zona do Euro. Será importante verificarmos resiliência adicional da economia da região, apesar da alta dos juros.
· 03:23 — Dança das cadeiras
A China está prestes a ver sua maior reorganização de formuladores de política econômica em décadas. Entre os funcionários que deixaram o cargo estão nomes importantes como o primeiro-ministro Li Keqiang, o vice-primeiro-ministro Liu He, que liderou as negociações comerciais com os EUA, e o chefe do banco central Yi Gang. Seus substitutos, a serem anunciados nas próximas semanas durante o Congresso Nacional do Povo da China, deverão ser menos experientes internacionalmente e com menos credenciais acadêmicas, se destacando principalmente por seus laços estreitos com o presidente Xi Jinping, que aumenta seu poder a cada dia.
Essa perspectiva vem gerando ansiedade internacional de que a nova formação se revelaria ser muito mais simpatizantes de Xi, movimento que levaria a China ainda mais à intervenção estatal e às tensões com os EUA e seus aliados. Contudo, há uma visão alternativa: a confiança de Xi, a experiência diante do complexo sistema político chinês e uma abordagem pragmática para a formulação de políticas podem ser mais importantes no contexto atual. Se for esse o caso, a nova equipe pode estar em melhor posição do que seus antecessores para avançar nas dolorosas reformas, como aumentar a idade de aposentadoria, por exemplo.
Criar estabilidade em meio à necessidade de tantas reformas será o grande desafio para o presidente Xi nos próximos anos. Os primeiros sinais de crescimento desde que as restrições da política de zero-Covid foram suspensas surpreenderam agradavelmente os investidores e podem ajudar a restaurar a fé na economia do país. Manter esse ímpeto é fundamental para o governo chinês, que enfrenta um público cada vez mais cético e tem de lidar até mesmo com protestos esporádicos sobre as consequências de sua gestão pandêmica.
· 04:47 — O problema das projeções econômicas
Praticamente desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020, a comunidade de economistas tem estado continuamente errada sobre o caminho da economia, inflação e política monetária. O mais recente erro coletivo foi subestimar a força e robustez do mercado de trabalho e do crescimento econômico após um ano de forte aperto na política monetária, em especial nos EUA.
As caudas longas do estímulo fiscal, por exemplo, sustentaram a economia por muito mais tempo do que se esperava. A poupança maior do que se esperava do consumidor e um mercado de trabalho em expansão alimentaram a demanda por viagens, restaurantes e outros serviços, onde os gastos ainda têm espaço para crescer. Acontece que anos de baixas taxas de juros transformaram a dinâmica da dívida para a esmagadora maioria das famílias americanas, deixando-as amplamente protegidas, por meio de hipotecas de taxa fixa, dos impactos da principal ferramenta de aperto do Federal Reserve.
O resultado é uma economia que ainda não reagiu totalmente às ferramentas de política destinadas a desacelerar a inflação, que historicamente forçaram uma recessão. Tanto é verdade que a recente onda de dados econômicos positivos alimentou as esperanças de um cenário sem recessão. Ainda assim, uma perspectiva mais realista é menos benigna: as taxas de juros provavelmente permanecerão mais altas por mais tempo para conter o crescimento dos preços, provavelmente forçando pelo menos uma leve desaceleração ao longo do caminho.
Um abraço,
Matheus Spiess