Na última sexta-feira (30), o maior leilão de transmissão dos últimos 5 anos agitou as empresas do setor elétrico da Bolsa. Na ocasião, nove lotes foram arrematados e os investimentos estimados em R$ 15,7 bilhões.
As ofertas totalizaram 6.184 km em linhas de transmissão e 400 MVA em capacidade transformação para subestações, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Os ativos negociados estão localizados em sete estados: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe
Dois fatores chamaram a atenção no leilão: primeiro, o protagonismo de empresas pequenas, não listadas na B3 e com pouca experiência na área. O Consórcio Gênesis, Rialma e Celeo, por exemplo, arremataram os lotes 1, 2 e 6, respectivamente, que eram os maiores da licitação.
O segundo fator é o deságio médio elevado, de 50,97%. Isso significa que as empresas aceitaram receber menos por aqueles ativos para ganhar o leilão.
“Às vezes o vencedor aceita receber tão pouco que não é suficiente para remunerar os investimentos feitos e os riscos. Por outro lado, às vezes o deságio, apesar de grande, dependendo das premissas que a companhia utilizou, ainda pode gerar valor”, explica o especialista em empresas do setor elétrico da Empiricus Research, Ruy Hungria.
Para o analista, a competitividade do leilão foi uma surpresa. “No final, vimos alguns lotes até viáveis, mas alguns com deságios nos quais não vemos viabilidade e nem retorno para os vencedores”.
Transmissão é o ‘filé mignon’ do setor elétrico, mas momento pede cautela
A agressividade das companhias em busca de vencer os lotes do leilão também pode ser creditado à atratividade do setor de transmissão. Apesar do investimento inicial relativamente alto, o segmento tem um fluxo de caixa previsível e não depende nem do preço nem do volume de energia.
“A partir do momento que a linha está funcionando, você tem direito a uma receita com contrato de 30 a 35 anos ajustado pela inflação. É o filé mignon do setor de energia elétrica”, aponta Ruy.
A competitividade pelos lotes cresceu, principalmente, a partir de 2018, quando o setor de transmissão passou a ter uma regulação mais forte e melhorou a situação para os investidores. No entanto, naquela época a taxa de juro era muito abaixo da praticada hoje e combinava com um apetite maior por parte das empresas.
Mas agora, o cenário é outro. Com a Selic saltando de 2% para 14% em cerca de 16 meses e problemas com os bancos médios nos EUA trazendo receio com relação ao crédito, o momento parecia ser “menos propício para aventureiros e mais para empresas que conhecem o segmento e têm disciplina de capital”, na visão de Ruy.
“Essas companhias tendem a oferecer lances menos agressivos, o que reduz o deságio do leilão. Não foi o que aconteceu, e, em parte, isso está relacionado à melhora relevante que tivemos no mercado nas últimas 8 semanas, com a expectativa de queda na Selic e de uma melhora no mercado de crédito”.
Ainda assim, o analista não vê motivos para tanta agressividade de players desconhecidos. O maior deságio do leilão ficou na casa dos 66%, um número considerado muito alto.
“Um vencedor aceitou uma receita de 1 ⁄ 3 do que o governo propôs. Lógico que não dá para a gente antecipar e falar que esse lote não será viável, que a linha não será construída, mas com esse nível de deságio, ainda mais para um player que não é de dentro do setor, o mercado tem entendido que existe o risco dessa linha não sair”, aponta.
O caso, na visão do analista, pode servir de alerta para o setor e para o governo nos próximos leilões. Em dezembro de 2023 e em março de 2024 estão previstos outros dois leilões, com cerca de R$ 35 bilhões de capex total.
Empresas do setor elétrico que mais subiram depois do leilão de transmissão não arremataram nenhum lote
Pelos fatores apresentados, nem sempre vencer o leilão significa algo positivo para as empresas. A agressividade na hora de arrematar os lances pode sair caro, literalmente, já que os retornos são espremidos ou até mesmo inexistentes.
Não por acaso, as maiores altas do setor elétrico nos últimos dias foram de empresas que não venceram nenhum lote.
“A Neoenergia, que tinha um histórico agressivo de leilão, subiu quase 7% na sexta-feira pelo simples fato de não ter ganho nenhum lote. As ofertas que ela fez foram prudentes, conservadoras, e a empresa foi premiada por isso”, observa o analista.
Além da Neoenergia (NEOE3), Alupar (ALUP11) e Taesa (TAEE11) também apresentaram altas pelo mesmo motivo.
Das companhias listadas, Eletrobras (ELET3; ELET6), Transmissão Paulista (TRPL4) e Engie Brasil (EGIE3) venceram lotes com deságio relevante, mas com retornos maiores que a NTN-B.
Para a Empiricus Research, Alupar (ALUP11) é a melhor do setor
Para Ruy, a Alupar é referência no quesito disciplina na hora de alocar recursos. A companhia não ganha um lote de leilão de transmissão desde 2017, por não ver atratividade nos retornos dada a forte competitividade.
“A Alupar não depende de leilão. Se não ganhar nenhum neste ano ou no próximo, vai passar por um processo de menor necessidade de investimento, ao mesmo tempo em que as linhas que ela arrematou há seis anos começam a entrar em operação”.
Com o início da operação, a tendência é que a companhia passe por um processo de maior geração de caixa, além de uma maior distribuição de dividendos por conta do baixo nível de investimentos.
“Hoje, a Alupar tem um dividend yield menor do que a Taesa e a Transmissão Paulista, e por isso muitos investidores excluem a ação ao fazer o filtro. Entendo que é uma empresa que deve começar a entrar no radar dos investidores quando distribuir mais dividendos, que é o que tende a acontecer”, finaliza Ruy.
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Veja a entrevista completa de Ruy Hungria no Giro do Mercado: