As ações da Eletrobras (ELET3; ELET6) têm sofrido nos últimos dias com um combo de notícias que o mercado interpretou como negativas. Em agosto, ELET6 acumula queda de -12,7% até o fechamento da última quinta-feira (18).
A primeira notícia ruim foi a renúncia do então CEO da companhia, Wilson Ferreira Júnior, na noite de segunda (14). O executivo é querido pelo mercado e foi peça importante para a privatização e reestruturação da empresa.
Segundo o analista Ruy Hungria, da Empiricus Research, quando Ferreira Júnior foi chamado ao cargo, em 2016, a empresa enfrentava uma situação delicada, com dívidas elevadas e subsidiárias dando prejuízos bilionários.
“Ele foi o responsável por fazer essa limpeza e isso foi muito importante para a Eletrobras, que não só voltou para o azul como também foi preparada para o processo de privatização. Se hoje a Eletrobras é uma empresa privada, tem muito a ver com os esforços e a competência do Wilson”.
Pelo bom retrospecto do executivo, é natural a preocupação do mercado com a renúncia, principalmente em um momento em que o Governo Federal contesta a privatização da Eletrobras.
“O grande medo do mercado é que essa troca no comando tenha sido uma questão puramente política e que o governo tenha mudado a seu gosto a gestão para que a Eletrobras volte de alguma maneira a privilegiar os interesses do Estado e não dos acionistas”, afirmou Ruy.
O ex-presidente do Conselho de Administração da Eletrobras, Ivan de Souza Monteiro, foi chamado para ocupar o lugar de Wilson Ferreira Júnior.
O mercado também gosta do nome do executivo, que já foi CEO da Petrobras, CFO do Banco do Brasil e chairman do Credit Suisse. No entanto, foi mesmo a preocupação com as interferências políticas que derrubou as ações da elétrica.
Interferência política ou desgaste com o conselho?
Na opinião do analista, embora não seja possível conhecer os bastidores, as últimas notícias dão conta de que a renúncia de Ferreira Júnior tem muito mais a ver com uma questão de desgaste do ex-CEO com o Conselho de Administração da companhia do que uma ingerência do Governo Federal.
Se for o caso, a notícia seria muito menos preocupante do que boa parte do mercado tem interpretado.
“Quando a companhia era estatal, não tinha acionistas de referência para prestar contas, não tinha que ter um relacionamento tão próximo do conselho porque as decisões eram de uma certa forma centralizadas na figura do CEO. Não tinha um interesse muito grande em uma celeridade de transformação, turnaround, resultados melhores e tudo mais”
“Isso muda muito numa Eletrobras privatizada. Agora precisa prestar conta para acionistas grandes, de referência, que querem ver uma evolução rápida. Apesar da evolução nos últimos trimestres, tem sido um turnaround mais lento do que a gente esperava ver na época da privatização”, avaliou Ruy.
Ivan Monteiro como CEO da Eletrobras: o que esperar?
Neste contexto, o nome de Ivan Monteiro pode ser melhor para mediar essa relação com o conselho e o governo, acredita o analista.
“O Ivan tem um trânsito político melhor e uma experiência mais longa com companhias estatais. Seria ótimo se o CEO da Eletrobras pudesse apenas sentar e lutar pelas melhorias operacionais da companhia, só que não é tão simples”.
É importante lembrar que, apesar de privatizada, o Estado ainda é o maior acionista da Eletrobras e, por isso, essa relação se faz necessária. “Ter um relacionamento com o governo não quer dizer deixar interferir na companhia. Mas também não existe um cenário no qual você só pode se concentrar na questão operacional numa empresa com uma participação tão grande do Estado”.
Ruy Hungria, inclusive, vê a possibilidade de Ivan Monteiro conseguir encontrar um meio termo entre os interesses do governo e dos acionistas, de modo que o cenário não prejudique a companhia. A vontade do Estado é de aumentar sua participação no conselho, o que, de fato, seria ruim para as ações.
“Há uma discussão que a Eletrobras pode antecipar uma parte das contribuições dela para reduzir as tarifas de energia elétrica. Talvez isso possa neutralizar um pouco do anseio do governo de querer aumentar a participação. O governo sairia ganhando por baratear a conta de energia e a Eletrobras porque não cede ao aumento de participação nos votos. Por isso precisa ter alguém com um trânsito político melhor”, avalia.
PGR Augusto Aras emitiu parecer favorável ao aumento do poder do governo na Eletrobras
É justamente neste ponto que entra a segunda notícia interpretada como negativa pelo mercado. O procurador-geral da República, Augusto Aras, emitiu um parecer favorável na última quarta-feira (16) ao aumento do poder da União nos votos da empresa.
“Dá para entender porque o mercado está preocupado com isso, você está rasgando um contrato que assinou no ano passado. Mas ainda vejo como pequena a chance disso acontecer. Apesar do parecer do Aras, a gente precisa da decisão do STF. Acho muito cedo para falar que isso vai acontecer por causa do parecer da procuradoria geral, mas é algo que temos que acompanhar”.
Como se não bastasse, um apagão atingiu parte do Brasil na última terça-feira (15) e o nome da Eletrobras veio à tona. Para Ruy, esse evento é menos preocupante para a companhia, embora dê mais combustível para que o governo critique a privatização.
“Dá combustível, apesar de ser completamente leviano, porque a Eletrobras é hoje uma empresa muito melhor do que era há 5 ou 10 anos. Se continuasse estatal, muito provavelmente começaríamos a ter mais apagões por conta da falta de investimento que a companhia vinha tendo nos últimos anos. A privatização não trouxe só recursos, mas uma capacidade de investimento para melhorar esse desempenho operacional e reduzir ainda mais as chances de eventos como esse”.
ELET6: recomendação de compra
Por fim, o analista manteve a recomendação de compra das ações da Eletrobras (ELET6). O papel é recomendado na série Vacas Leiteiras, da Empiricus Research, que foca na geração de renda através de dividendos.
Ele acredita que, apesar do saldo das tantas notícias ruins em pouco tempo ser negativo, a reação das ações foi negativamente desmedida.
“Na minha visão os fundamentos pioraram muito menos que o preço das ações. Ainda vemos muita evolução para ser entregue depois da privatização e isso já vem acontecendo desde o ano passado. Talvez com a maior afinidade do Ivan com o conselho podemos ver uma aceleração dessas melhorias operacionais e financeiras. Além disso, a companhia negocia por múltiplos legais e um dividend yield que deve aumentar muito nos próximos anos”, finaliza Ruy.
Confira a entrevista completa de Ruy Hungria no Giro do Mercado: