Investimentos

Com o orçamento federal em mãos, mercado se volta agora para os dados do PIB

Depois de um orçamento que mais parece peça de ficção, atenção do mercado se volta para os dados do PIB do segundo trimestre

Por Matheus Spiess

01 set 2023, 08:58 - atualizado em 01 set 2023, 08:58

Imagem representando o índice futuro, contrato do mercado financeiro que deriva de um índice de mercado. pib orçamento

Bom dia, pessoal. Nos mercados asiáticos, o encerramento desta sexta-feira foi caracterizado predominantemente por ganhos, em contraste com os sinais negativos provenientes de Wall Street durante a sessão anterior. Isso se deve à contínua percepção de que o Federal Reserve dos Estados Unidos manterá as taxas de juros inalteradas, apesar dos dados que indicam um aumento nos preços ao consumidor nos EUA em julho, em linha com as expectativas dos economistas. Além disso, os investidores parecem relutantes em tomar grandes posições antes do relatório mensal de emprego dos EUA, que será divulgado hoje.

Os mercados europeus também estão em alta nesta manhã, acompanhando o impacto positivo das medidas de apoio à economia implementadas pelo governo chinês. Entre essas medidas estão a redução das taxas hipotecárias para mutuários existentes e cortes nos depósitos para compradores de imóveis. Além do relatório de folhas de pagamento dos EUA, os investidores estão atentos às pesquisas de opinião das empresas europeias. Historicamente, setembro é um mês desafiador para o mercado de ações dos Estados Unidos. De 1928 a 2022, o S&P 500 teve uma média de queda de 1,1% durante este mês. É um aspecto que merece nossa atenção.

A ver…

· 00:55 — Digerindo o PIB do segundo trimestre depois da peça de ficção

O mês de agosto chegou ao fim no Brasil, deixando uma marca negativa no mercado. O Ibovespa, com apenas cinco ganhos ao longo do mês e uma queda acumulada de 5%, foi duramente afetado por uma deterioração na percepção fiscal e pelas tendências globais negativas para ativos de risco. O mercado não enfrentou esses desafios sozinho. Ontem, além disso, surgiram preocupações adicionais com os dados de arrecadação e a apresentação do Projeto de Lei Orçamentária de 2024. Esse projeto segue a meta do arcabouço de atingir um déficit primário zero, apresentando até mesmo um pequeno superávit de R$ 2,8 bilhões. Quase um filme de ficção.

O governo está altamente dependente da receita, o que parece um desafio significativo nas atuais circunstâncias. A arrecadação não está próxima do esperado e o novo projeto de Lei do Carf, que poderia trazer mais de R$ 50 bilhões, é algo que poucos acreditam. Para manter os gastos públicos implementados pelo governo, a Fazenda precisa de R$ 124 bilhões, uma tarefa nada fácil. Além disso, aguardamos os dados do PIB do segundo trimestre, com expectativa de um aumento de 0,30% em relação ao trimestre anterior, após um crescimento de 1,9% no primeiro trimestre. Na base anual, prevê-se um aumento de 2,7%, acumulando 2,4% no primeiro semestre.

A agropecuária, que impulsionou o crescimento no início do ano, provavelmente perderá força na segunda metade, o que deve moderar o ritmo de crescimento econômico. Por outro lado, os setores de serviços devem surpreender, com o apoio do Bolsa Família e do aumento do salário mínimo, enquanto a indústria permanece estagnada. Esses dados de crescimento estão intrinsecamente ligados às preocupações fiscais, uma vez que uma atividade econômica menor torna mais difícil a obtenção de receitas, especialmente provenientes de novas medidas.

· 01:46 — O dado mais importante da semana

Nos Estados Unidos, o mês de agosto não se revelou favorável para os mercados financeiros. O Dow Jones Industrial Average, o S&P 500 e o Nasdaq Composite registraram quedas de 2,4%, 1,8% e 2,2%, respectivamente, ao longo do mês, apesar do seu desempenho positivo na semana passada. Embora essas quedas acumuladas sejam significativas, é importante notar que representam uma melhoria em relação aos seus pontos mais baixos no início do mês. Naquela época, o Dow e o S&P haviam caído 4,1% e 4,8%, o que teria marcado o pior agosto desde 2015, enquanto o Nasdaq havia registrado uma queda de 7,4%, sugerindo o pior agosto desde 2001.

No que diz respeito aos dados econômicos divulgados ontem, destaca-se a medida de inflação preferida pela Reserva Federal para o mês de julho. Esse comunicado confirmou as tendências observadas no Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que é divulgado no início de cada mês. O núcleo do Índice de Preços de Despesas de Consumo Pessoal (PCE, na sigla em inglês) aumentou 4,2% em relação ao mesmo período do ano anterior, em conformidade com as expectativas. É importante notar que esse aumento foi em grande parte influenciado pelo efeito de base, uma tendência que também tem sido observada no índice de preços no consumidor no Brasil (IPCA).

Quanto à agenda futura, aguarda-se com expectativa o conhecido relatório de folhas de pagamento não-agrícolas (payroll). As previsões apontam para um ganho de 170 mil empregos em agosto, representando uma ligeira desaceleração em comparação com o mês anterior. A taxa de desemprego deverá permanecer estável em 3,5%, enquanto o rendimento médio por hora deverá aumentar 0,3% em relação ao mês anterior, em comparação com um aumento de 0,4% observado em julho.

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· 02:33 — Algum estímulo no horizonte

Na China, durante o último mês, observamos a emergência de deflação, o que implica em uma redução generalizada dos preços. Essa deflação se manifesta nos preços ao consumidor, nos preços ao produtor e nas exportações. Para a economia global, a queda nos preços de exportação chineses é particularmente relevante, considerando que a China é a maior fabricante do mundo. Vale ressaltar que a relação entre os preços de exportação da China e a inflação global é um tanto complexa. Na realidade, a influência da China sobre a inflação global é mais provavelmente resultado de seu papel como um grande consumidor de matérias-primas, o que afeta os preços globais dessas commodities. Portanto, qualquer desaceleração na economia chinesa é motivo de preocupação, pois pode ter um impacto significativo nos preços globais das matérias-primas.

O governo chinês anunciou medidas para permitir que suas principais cidades reduzam os pagamentos exigidos dos compradores de casas e incentivou os credores a diminuírem as taxas hipotecárias para os mutuários existentes. Essas ações são parte dos esforços para conter a queda no mercado imobiliário residencial do país. Foi estabelecido que o pagamento inicial mínimo em todo o país será uniformemente definido em 20% para compradores de primeira viagem e 30% para compradores que já adquiriram propriedades. Os cortes nas taxas hipotecárias serão negociados diretamente entre bancos e clientes. Pequim espera que taxas hipotecárias mais baixas e requisitos de pagamento inicial reduzidos estimulem a demanda por habitação. No entanto, nem todos estão convencidos de que essas medidas sejam suficientes para revitalizar uma economia em desaceleração.

· 03:17 — Inteligência artificial e custos trabalhistas

A ascensão da inteligência artificial (IA) está impulsionando uma transformação significativa, com cerca de 300 milhões de empregos em tempo integral em todo o mundo em risco de serem perdidos ou reduzidos devido a esse avanço tecnológico. Isso se reflete nos notáveis desempenhos das ações de empresas como a fabricante norte-americana de chips Nvidia, que registrou um aumento de mais de 240% este ano. A Alphabet viu suas ações subirem mais de 50%, enquanto a Microsoft teve um aumento de mais de 30%. Esses números não são coincidência: eles refletem o aumento do interesse e dos investimentos em empresas relacionadas à IA.

No entanto, a questão fundamental é o que realmente significa investir em uma empresa de IA. Alguns argumentam que é um investimento em inovação e produtividade, enquanto outros veem isso como uma substituição de empregos por tecnologia avançada. Atualmente, aproximadamente dois terços dos americanos estão preocupados com a possibilidade de a IA tomar seus empregos, especialmente porque cerca de um quinto de todos os trabalhadores dos EUA têm empregos em que as principais atividades podem ser substituídas ou auxiliadas pela IA.

Uma realidade incontestável é que a mão de obra humana é cara e está se tornando ainda mais cara. Os custos trabalhistas aumentaram cerca de 9% na comparação mensal e agora representam cerca de 13% das receitas, em média. Dado que esses custos provavelmente não diminuirão em breve, a IA surge como uma solução para reduzir despesas. Menos dependência de trabalhadores humanos implica, essencialmente, em margens de lucro mais elevadas.

· 04:09 — Geopolítica engasgada

Há um ano, Pequim e Moscou estavam buscando uma nova ordem mundial, mas atualmente suas economias parecem estar enfrentando uma rápida desaceleração. A China está testemunhando quedas nas exportações, na atividade industrial e nos preços dos imóveis. Além disso, decidiu deixar de divulgar a crescente taxa de desemprego juvenil do país. Enquanto isso, a Rússia, sob sanções, enfrenta uma crise de dívida e uma espiral deflacionista, além do impacto das receitas de exportação baseadas em matérias-primas em colapso e gastos militares substanciais.

Embora ambas as nações estejam lidando com desafios econômicos significativos, suas respostas são distintas. Recentemente, a China optou por reduzir uma série de taxas de juros diretoras para estimular sua economia e reavivar o crescimento e o investimento. Essa decisão foi uma resposta aos problemas do setor imobiliário, exemplificados pela falta de pagamentos da Country Garden Holdings, uma das maiores incorporadoras imobiliárias da China, em um setor que representa um quarto da atividade econômica global.

Por outro lado, o banco central da Rússia tomou medidas drásticas ao aumentar as taxas em 3,5 pontos percentuais em uma reunião de emergência, elevando sua taxa básica para 12%. Isso foi motivado pelo receio de pressões inflacionárias que poderiam afetar a economia russa.

As perspectivas sombrias indicam que a China pode não atingir sua meta de crescimento anual do PIB de 5% este ano, enquanto lida com seus desafios econômicos. A principal preocupação é o contágio financeiro crescente e os problemas de dívida que abrangem desde as autoridades locais até o governo central. A redução da demanda interna está afetando as receitas fiscais, e a fraqueza nas finanças pode limitar a capacidade de Pequim de utilizar ferramentas fiscais para apoiar a economia.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.