O que você acharia se eu oferecesse um carro combinando a alta potência de um Porsche 911 com o consumo de combustível de um popular 1.0?
E que tal uma feijoada completa com a quantidade de calorias de um peito de frango grelhado?
Ou ainda, como você veria um condomínio de luxo, com academia top, quadras de tênis e poliesportivas, piscina aquecida, spa, segurança 24 horas, tudo isso pela taxa condominial de um conjunto habitacional?
Bom demais para ser verdade?
Você provavelmente reagiria desconfiado, coçando a cabeça tentando localizar a pegadinha da oferta.
Um dos mais populares produtos de investimento, amplamente oferecido e distribuído nas plataformas conflitadas do modelo 2.0, é uma daquelas esmolas grandes que deveriam gerar desconfiança nos santos investidores. Diante dos mais de R$ 20 bilhões que já foram captados dentro dessa modalidade, e dos 300 mil investidores individuais que aplicaram suas economias, parece que muitos ainda acreditam no conto da carochinha.
Trato aqui dos Certificados de Operações Estruturadas (COEs), instrumentos de investimento amplamente disponíveis nas plataformas e que fazem a alegria das corretoras e dos assessores, dada sua alta lucratividade para quem os distribui.
A estratégia de marketing do produto é simples e poderosa, pois combina as duas principais forças emocionais que movimentam os mercados: a ganância e o medo.
Da mesma forma que sonhamos com um carro potente, mas nos preocupa o seu alto consumo, o fascínio pela chance de ganhos com ações vencedoras é contido pela possibilidade de perdas na renda variável.
Essa contraposição é especialmente presente na cabeça dos brasileiros que percorrem o processo de migração para o mercado de capitais. Acostumada à segurança dos ganhos da renda fixa, a grande maioria ainda vê a Bolsa como um cassino, onde só os ricos e/ou profissionais ganham.
Os COEs foram desenhados para “resolver” esse problema, pois combinam proteção de capital com a possibilidade de ganhar por meio de estratégias de renda variável.
“Invista em uma cesta de ações com alto potencial de valorização sem risco de prejuízo”. Como resistir?
Um estudo recente realizado por pesquisadores da FGV liderados pelo professor Bruno Giovannetti demonstra que os COEs são bons somente para quem os vende.
Após analisar uma amostra de 284 COEs disponíveis no mercado, os pesquisadores descobriram que sua imensa maioria (252) tinha um retorno esperado abaixo da taxa livre de risco.
Ademais, os 32 COEs com rentabilidade esperada acima da renda fixa carregavam estratégias de alta volatilidade, muitas vezes não condizentes com o retorno oferecido.
Para completar, COEs são instrumentos de longo prazo desprovidos de mercado secundário, portanto sem liquidez. Caso o investidor necessite dos recursos de volta antes do vencimento, terá que aceitar os termos de recompra de quem os vendeu. Há casos de desconto de 50% do capital investido para aqueles que precisam sair antes.
Na realidade, como o nome já adianta, os COEs são estruturas financeiras complexas que normalmente incorporam derivativos. Diferentemente dos fundos, cujas taxas e comissões são apresentadas explicitamente, os COEs têm custos embutidos que passam despercebidos, especialmente ao investidor individual.
Naturalmente, o seu assessor de investimentos terá outros argumentos para defender essa “roubada”, como os COEs foram classificados pelos pesquisadores da FGV.
Departamentos de produtos das plataformas de investimentos são excelentes em preparar materiais e treinamentos que apoiem o esforço de vendas, especialmente dos produtos mais rentáveis.
Além disso, você não encontrará críticas aos COEs vindo da boca de influenciadores e analistas que gravitam no entorno dessas plataformas.
O jogo do conflito de interesses é bem jogado.