Os mercados acabam de fazer uma de suas coisas favoritas: frustrar consensos.
Já vivemos três anos neste 2023 e, a julgar pelo jeitão da caminhada, talvez ainda tenhamos mais uns 12 meses até o final do ano.
Em janeiro, era um pessimismo completo. Então, veio uma aproximação de Haddad a Roberto Campos Neto, sob o pano de fundo do afastamento da recessão global iminente, e vivemos um grande otimismo entre abril e julho. Aí chegou o cachorro louco. A gosto de Deus (ou do diabo, sei lá), voltou o clima tétrico.
Quando todos esperavam impactos imediatos do início do ciclo de afrouxamento monetário sobre os ativos de risco no Brasil, com arcabouço fiscal aprovado e reforma tributária andando, enfrentamos a mais longeva sequência de quedas do Ibovespa em toda série histórica (pelo menos entre as disponíveis pra nós) e entramos em setembro quase com saudades do trágico agosto (por enquanto, é claro) — se não fosse pela disparada de Petrobras no ano, a situação do Ibovespa seria bem pior; estamos infelizes e não sabemos.
O breve bull market das ações brasileiras já teria chegado ao fim?
Não foi exatamente pouca coisa o que aconteceu desde agosto. Essa preocupação com as taxas de juro de mercado nos países desenvolvidos, sobretudo nos EUA, é coisa séria. O déficit fiscal nos EUA é grande — a necessidade de financiamento do setor público caminha para algo próximo a 8%. As expectativas de inflação caem em ritmo lento e grandes compradores globais de Treasuries estão reduzindo sua exposição, mediante aquilo que se convencionou chamar de “dollar weaponization” — desde que os EUA resolveram usar o dólar como arma geopolítica ao congelar as reservas russas, os coleguinhas chineses decidiram se preocupar. O Japão flexibilizou o controle de sua curva de juros e a Arábia Saudita também tem diminuído seu estoque de Treasuries.
Ao mesmo tempo, a China deu sinais sucessivos de um ritmo menor de crescimento, enquanto os EUA continuam com uma expansão razoável — preocupação a mais para emergentes e alocação global.
E, no Brasil, ficou clara a dificuldade de fechar o orçamento de 2024, o que catalisou uma fúria por receitas tributárias, com suas típicas consequências microeconômicas e impactos sobre os lucros corporativos.
Apesar do (de)mérito de cada uma dessas questões e de ainda ser provável bastante volatilidade de curto prazo, principalmente se considerarmos a tradicionalmente ruim sazonalidade do mês de setembro, parece haver bons argumentos para sustentar se tratar de um período ruim dentro de uma trajetória estrutural de recuperação para os ativos de risco brasileiro.
Howard Marks, talvez tacitamente e de maneira não deliberada, nos ensina uma coisa interessante. Ele tem um livro muito bacana, chamado “A coisa mais importante”. O título é uma brincadeira consigo mesmo. Ele conta que, em seus maravilhosos memorandos escritos ao longo do tempo, usou, em situações diversas, algo como “a coisa mais importante em investimentos é…”. O livro reúne todas essas coisas mais importantes em 23 capítulos, sendo que cada capítulo trata de “uma coisa mais importante” diferente.
O mesmo Howard, no entanto, tem um outro livro legal, de nome “Dominando os ciclos de mercado.” Ora, então eu penso: se há um livro de 23 coisas mais importantes e outro livro inteiro tratando só dos ciclos de mercado, então a coisa mais importante mesmo deve ser o próprio ciclo de mercado!
O ciclo de mercado funciona quase como uma lei gravitacional. E quem manda no ciclo é, fundamentalmente, o comportamento das taxas de juro. Essa taxa de juro apenas começa a cair no Brasil agora. Talvez ainda mais relevante: embora a Selic já tenha tido sua primeira queda, o juro real, na verdade, ainda está aumentando, porque a inflação saiu de 9% para 4,5% e o juro nominal teve uma mudança apenas marginal. Nos EUA, por sua vez, ainda que tenhamos essa discussão circunstancial de uma elevação a mais ou não no juro básico até o final do ano, estamos claramente na fase de ajuste fino. Daqui a um ano, é provável que o Fed já tenha iniciado seu ciclo de cortes na taxa básica. E, por aqui, a Selic pode estar rondando 10% ao ano.
Como muito bem resumiu Walter Maciel, CEO da AZ Quest: “Em mais de 30 anos de carreira, quando não tem uma recessão ou crise severa, em ciclos de corte de juros há uma forte valorização dos ativos de risco.”
Tudo isso num momento em que os ativos brasileiros negociam em níveis de preço atraentes. No elementar Preço sobre Lucro, o Ibovespa negocia hoje abaixo de 8x, contra uma média histórica na casa dos 11x. Em ciclos de queda da Selic, há espaço para re-rating (reavaliação para cima dos múltiplos) e também para aumento dos lucros, porque a atividade costuma reagir (mais receitas e mais lucros para as empresas) e as despesas financeiras caem.
Em paralelo, na margem, a China emite sinais de que, embora passe longe de uma situação pujante, também não está colapsando. Ela é um dos principais importadores da maior parte de commodities e os preços das matérias-primas, no geral, vão muito bem, obrigado. Apesar de não ter feito um grande pacote fiscal como muitos gostariam, o país acumula uma série de pequenos estímulos monetários e fiscais que vão se somando e acabando estancando a sangria — agora mesmo acabamos de ver liberação para as seguradoras comprarem mais ações.
Internamente, a situação fiscal, de fato, não é boa e dificilmente cumpriremos a meta de zerar o déficit primário em 2024. Mas a realidade objetiva é que boa parte do mundo, incluindo os países desenvolvidos, enfrentam desafios fiscais desde que foi dada uma licença geral para gastar na pandemia. Se “somos todos keynesianos agora” (mais uma vez), a conta chega depois. Há uma certa complacência global com descumprimentos de metas fiscais. Se não houver explosão e chegarmos perto do objetivo anunciado, o mercado vai acabar tolerando e sublimando isso no médio prazo.
Sendo pragmático, o arcabouço fiscal impede uma trajetória do tipo Argentina, crescer despesas em termos reais a 2,5% já é uma baita conquista diante de um governo de esquerda (os anos petistas trouxeram incremento médio de 6,5%) e não haver retrocessos nas reformas realizadas desde o governo Temer permite que colhamos os frutos dessa caminhada liberalizante e mais fiscalista dos últimos seis anos.
Claro que mesmo os bull markets mais longevos e poderosos enfrentam percalços no meio do caminho, com quedas de 20%, 30%, 40%, até 50% — depois, isso vira um pequeno lapso no gráfico de longo prazo (embora seja um terror enquanto passamos por ele). Aliás, a definição de uma trajetória de alta requer topos e fundos (sim, e fundos!) ascendentes. Precisamos passar por correções até para testar o modelo. Em meio aos ciclos mais estruturais, há pequenos ciclos de mercado e também psicológicos mais desfavoráveis — agora mesmo estamos passando por um pico de estresse e pessimismo generalizado.
Alguns se desesperam, outros vão às compras para se apropriar das barganhas. A mais recente carta do fundo Verde oferece uma síntese útil: “o fundo está com exposição neutra em bolsa global, e aproveitou a piora recente para voltar a expandir sua alocação em bolsa brasileira.”
Somente nessas horas que você consegue comprar de altíssima qualidade a preços descontados. Ninguém precisa (nem deve) inventar a roda. Cosan, Localiza, Equatorial, Eneva, BTG, Iguatemi. Tudo isso está aí em promoção.