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Investimentos e Populismo

Em seu “Genealogia da Moral”, Friedrich Nietzsche aprofunda-se no estudo dos valores morais, contrastando os atributos clássicos, especificamente as definições de “Bom” e “Mau”, com os valores judaico-cristãos de “Bem” e “Mal”.

Por Caio Mesquita

06 fev 2021, 14:00

Em seu “Genealogia da Moral”, Friedrich Nietzsche aprofunda-se no estudo dos valores morais, contrastando os atributos clássicos, especificamente as definições de “Bom” e “Mau”, com os valores judaico-cristãos de “Bem” e “Mal”.

Dentro na obra, o filósofo alemão batiza a primeira como “moral do senhor” e a segunda como “moral do escravo”.

A moral do senhor congrega os sentimentos considerados aristocráticos, como altivez, coragem e justiça. 

Em contraste com o que sentem os senhores, os escravos baseiam no ressentimento a sua moral, expressados através da inveja, indignação e vingança. Escravos vêm nos senhores os causadores de seu sofrimento e esperam uma reparação futura, compensando as desigualdades presentes. 

Observando a história e os processo políticos, é frequente encontrar exemplos de oportunismo de movimentos populistas em aproveitar a ressentida moral dos escravos para suas narrativas de poder. 

O papo fácil da demonização das elites vem sendo usado fartamente por demagogos de ambos os lados do espectro ideológico 

Lamentavelmente, o populismo é uma praga que transborda o embate político. 

Trazendo a discussão para os tempos atuais, está cada vez mais clara a potência das redes sociais para a disseminação de narrativas que apelam para o “nós contra eles”, supostamente defendendo os que se julgam historicamente explorados sob o jugo de poderosos inescrupulosos.

O universo dos investimentos segue a mesma lógica de um suposto embate entre o povo e as classes dominantes.

Isso não se trata exatamente de algo inédito, já que alguns investidores individuais utilizam a alcunha de “sardinha” há mais de década em fóruns da internet, onde se organizavam para enfrentar os malvados “tubarões”.

O caso GameStop, que contrapôs membros do grupo WallStreetBets versus grandes fundos, parece ser a primeira manifestação relevante do que promete ser uma onda de populismo nos investimentos, comandada por espertos influenciadores. 

A causa tem aparência nobre, vingar toda uma classe desprivilegiada contra elites que dominam e exploram a boa-fé alheia para enriquecer ainda mais do que já são.

Ricos e poderosos, especialmente aqueles cuja fortuna resulta da intermediação financeira, não são exatamente campeões de popularidade. Com exceção de familiares diretos (e olhe lá), financistas de Wall Street encaixam-se bem como representantes daquele “Mal” descrito por Nietzsche.

Típico de um país periférico, o Brasil não demorou para entrar na onda populista. Em poucos dias, um grupo de Telegram foi formado. Denominado Short Squeeze IRB, o grupo conclamava a suas dezenas de milhares de membros comprar ações da resseguradora. Como o próprio nome do grupo indicava (foi renomeado posteriormente), a razão da compra não estava baseada em análises, e sim no afã de enquadrar os tubarões. 

Não entrarei aqui nos aspectos jurídicos do caso. Caso tenha interesse, convido-o a assistir o vídeo preparado pelo Guilherme Cooke, diretor jurídico da Vitreo. Deixo a ele a discussão sobre a existência ou não de manipulação de mercado.

A manipulação para a qual chamo atenção aqui é a dos próprios investidores pessoas físicas. Arrebanhados dentro de um perigoso espírito coletivista, pessoas comuns colocam suas próprias economias em jogo em busca de uma revanche carente de sentido.

Ignorantes que estão sendo manobrados, acreditam participar de um processo de empoderamento, quando, de fato, estão sendo usados por habilidosos espertalhões, que usam o sentimento coletivo em prol de algum benefício próprio.

A história é pródiga em experiências populistas com final trágico. O caso GameStop não parece ter fugido à regra, já que a ação acumula uma desvalorização de cerca de 85% desde seu pico na semana passada. 

O que parecia ser a revolução dos oprimidos terminou sendo mesmo o velho esquema pirâmide, em que os malandros saem antes da trapizonga desmoronar. 

A história se repete.  

Eternamente.

Deixo você agora com os destaques da semana.

Boa leitura e um abraço,
Caio

P.S.: Caso você tenha interesse em saber mais sobre finanças a partir de uma perspectiva feminina, não deixe de assistir a este bate-papo com a Bettina (parte 1 e parte 2). A entrevistadora é ótima!

Sobre o autor

Caio Mesquita

CEO da Empiricus