“O Brasil é o grande potencial vencedor da reconfiguração que está acontecendo no mundo“, afirmou o diplomata e economista Marcos Troyjo, ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como Banco dos BRICS.
Troyjo foi o segundo convidado de uma série de lives em celebração aos 14 anos da Empiricus.
Em conversa com Felipe Miranda, co-fundador da casa, o economista abordou diversos temas, como a nova conjuntura global, a guerra Israel-Hamas, o impacto nas commodities energéticas, as situações da China e da Argentina, além de como o Brasil pode se aproveitar desta reconfiguração que se apresenta (assista na íntegra neste link ou no vídeo no início do texto).
Economia global entra em ‘nova temporada’
Segundo Troyjo, a economia global está entrando em uma nova fase – a terceira desde o fim da União Soviética.
Na primeira, houve um período de grande entusiasmo com as três principais ideias vinculadas ao ocidente: democracia representativa, estado de direito e economia de mercado.
“Ali entramos numa temporada de globalização profunda, com vários episódios interessantes: a ascensão dramática da China, o fim da Cortina de Ferro, emergência de países da Europa Central e um capítulo triste, que é mais uma década desperdiçada pela América Latina”, apontou.
De acordo com Troyjo, essa temporada acabou na crise do subprime, que levou à grande recessão em 2008.
Na sequência, veio o risco da desglobalização, com elementos de geopolítica, como o 11 de setembro e a guerra ao terror, e a emergência da China, uma potência com capacidade de desafiar a predominância dos Estados Unidos. “Isso representou uma mudança importante no mundo”.
Agora, Troyjo defende que estamos entrando na terceira “temporada”, em que as decisões de natureza econômica levam em consideração parâmetros de segurança geopolítica.
“Toda essa discussão de decisões e estratégias econômicas, de como você desenha a cadeia de produção, quem são seus parceiros preferenciais, de onde você vai posicionar os diferentes elos de uma rede de construção de valor, vão ser parametrizados por essa disputa, essa concorrência geopolítica e geoeconômica maior”, definiu Troyjo.
Os Estados Unidos, por exemplo, vêm realocando sua cadeia de produção. Essa dinâmica, conhecida como nearshoring, fez com que o México e o Canadá ultrapassassem a China como os principais fornecedores de mercadoria para os EUA.
“Near não significa apenas proximidade geográfica. O nearshoring é no sentido de estar mais perto de um ambiente de negócios que favorece a neoindustrialização”, explicou.
Como e por que o Brasil pode se beneficiar dessa nova dinâmica?
Em meio a essa reorganização, que chama de “geoeconosegurança”, Troyjo vê o Brasil em posição privilegiada. “É um mundo muito perigoso, complexo, mas cuja a atual ordenação pode favorecer o Brasil”.
O economista vê uma série de reformas estruturais ao longo dos últimos sete anos que favoreceram o ambiente local e a percepção dos agentes internacionais com relação ao Brasil. Dentre elas, o Troyjo citou:
- As reformas trabalhistas;
- Teto de gastos;
- Melhoria de governança nas estatais;
- Reforma da previdência;
- Marco do saneamento;
- Independência do BC;
- Conclusão do acordo Mercosul-União Europeia.
Se o cenário interno, ao menos até o momento, apresenta avanços, a conjuntura externa pode ser favorável por diversos fatores, além da reorganização das capitais manufatureiras já comentada.
Um deles é o crescimento da China: “O que a China crescerá na margem nos próximos 10 anos, no acumulado, é superior ao atual PIB nominal do Japão. Imagine o que isso significa para a possibilidade do Brasil continuar acumulando gigantescos superávits comerciais, entre outras coisas, por conta da relação econômica bilateral com a China”.
O acréscimo líquido estimado de 2 bilhões na população mundial nos próximos 25 anos também pode ser capturado pelo Brasil por meio da demanda por alimentos e energia.
“Esse aumento vem da Índia, do Paquistão, marginalmente dos EUA, e de outros seis países da África subsariana. Projete o que isso significa do ponto de vista de demanda por alimentos e por energia”, apontou.
Transição energética e ‘superciclo’ de commodities
Aliado a isso, o economista destaca a transição energética, que também coloca o Brasil numa posição importante.
“Que outro país tem essa combinação de óleo em águas profundas, com uma experiência consolidada e importante de utilização de biocombustíveis no estoque veicular? Com incidência de sol, que dá janela bacana para o fotovoltaico, com ventos”.
Ele ainda complementa: “Tem palavras que estão em todo lugar: segurança energética e alimentar. Na segurança alimentar o elemento mais essencial é água, e o Brasil é um vale da água”.
Nesse contexto de transição energética, Troyjo lembra que o mundo passou por um período sem grandes investimentos na produção de petróleo “por questões ambientais ou por imaginar que a transição para uma economia mais verde aconteceria mais rápido do que se poderia supor”.
Isso, aliado às recentes crises humanitárias, com as guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas, tem empurrado o preço do petróleo para cima.
“Como não tivemos esse ciclo de capex [investimentos na produção de petróleo], ele provavelmente virá e a tendência é que nesse sentido o valor das commodities energéticas fique lá em cima durante muito tempo”.
Não é novidade que, historicamente, períodos de alta das commodities favorecem o Brasil.
Os riscos para o Brasil
Para Troyjo, embora o Brasil esteja privilegiado na nova configuração, é importante que o país aproveite essa janela que se abriu sem retroceder nos avanços conquistados nos últimos anos.
O economista vê os investidores e parceiros estrangeiros com “um ponto de interrogação” com relação ao novo governo, que tem uma visão menos voltada à economia de mercado.
“É como se houvesse em operação um campo magnético de repulsa e um de atração. No de repulsa, existem dúvidas que expulsam o interesse. Agora, por outro lado, tem coisas muito poderosas na conjunção entre o momento internacional e as vantagens do Brasil, que são fortes demais”.
O economista frisa que o país precisa, além de não retroceder, fazer “algumas coisas que parecem ser óbvias, mas não são”.
“Hoje a carga tributária do Brasil é 35% do PIB. No México representa 23%, na Índia, 19% e na China, 21%. Quando você vai pensar em qual desses tabuleiros colocar a peça, essas coisas são levadas em consideração. Também não é apenas um tema de proporção, mas da velocidade com que você faz negócios e cumpre com suas obrigações fiscais e tributárias”.
“O Brasil tem toda a chance, só não podemos errar muito. Nesses instantes em que décadas são decididas em semanas e meses, o impacto do que se faz agora é muito importante”. Marcos Troyjo