Times
Day One

Como Napoleão perdeu a guerra

“Do sublime ao ridículo é só um passo.” Dizem que a frase é de Napoleão. Bom, segundo a internet, ele disse tanta coisa que talvez essa daí não seja mesmo dele. 

Por Felipe Miranda

23 mar 2021, 01:13

 
“Do sublime ao ridículo é só um passo.” Dizem que a frase é de Napoleão. Bom, segundo a internet, ele disse tanta coisa que talvez essa daí não seja mesmo dele. 
 
Não importa tanto, tampouco devemos nos preocupar com essa transposição súbita entre a glória e a dor. Não há o que temer. “Somos todos um grande escândalo”, como resumiu James Hillman (essa é dele mesmo!). O ridículo é parte de nosso valor intrínseco. Desvantagens competitivas do homem. Ou seriam vantagens? Sei lá…
 
A parte interessante dessa história, por vezes negligenciada talvez por conta do fim trágico do conhecido imperador, é que a volta também vale. Podemos ir rapidamente do ridículo ao sublime. 
 
Os cisnes negros são sujeitos de mente aberta, não discriminam entre o negativo e o positivo. É quase uma lei física — afinal, para um evento aleatório não pode haver um único padrão; se houvesse padrão, não seria randômico.
 
E nada como a lembrança de Schopenhauer para nos alertar da via de mão dupla dessa dinâmica: “Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” A verdade ridicularizada vira sublime pouco tempo depois.
 
Como já dito aqui, o mercado está muito temático. Até a semana passada, só se falava em reflation trade. Com o pacote de estímulos fiscais vigoroso recém-aprovado nos EUA, a demanda reprimida da pandemia e a aceleração da vacinação, veríamos um superaquecimento da economia norte-americana. Os juros de mercado subiriam rapidamente, com o yield dos Treasuries de dez anos batendo 2%. Era para comprar commodity e banco. Nada mais andava.
 
Então, a China, ao menos retoricamente, voltou a se preocupar com a poluição em Tangshan; a Nova Zelândia resolveu barrar a especulação imobiliária; Jerome Powell escreveu um editorial manso no WSJ; a vacina da AstraZeneca não se mostrou efetiva contra a nova cepa da África do Sul; e a Europa passou a enfrentar uma nova onda (seria a terceira? Receio ter perdido a conta, desculpe) de Covid-19, com medidas adicionais de isolamento social e lockdown pesado na Alemanha na Páscoa. E lá vai o barril de petróleo abaixo de US$ 60… Back to tech! Vejo só os contratos futuros da Nasdaq em alta contra uma proliferação da tonalidade vermelho-sangue para os demais índices nesta manhã, dando basicamente continuidade ao movimento de ontem, de liderança das ações de tecnologia e alto crescimento.
 
Como transitar por um mercado tão ciclotímico, que alterna euforia e depressão entre setores do dia para a noite?
 
Gestores espertos trouxeram solução interessante: montemos um Barbell Strategy, uma estratégia com dois polos muito bem definidos, pesada em dois extremos. De um lado, as melhores ações de commodities — Vale e Suzano aparecem bem representadas. Do outro, vamos de tech (ou, ao menos, coisas percebidas como tech e de alto crescimento) — a moda sugere Magalu, B3, BTG Pactual, com uma pitadinha de uma cesta composta por coisas tipo Sequoia, Méliuz, Enjoei, Neogrid, Mosaico; alguns arriscam adicionar XP e Stone.
 
Acho interessante, confesso. De um lado, a velha economia. Do outro, a nova. Difícil errar, porque estamos com um pé em cada tempo. Mas, me pergunto: onde estão os cíclicos domésticos? Por que ninguém fala deles? Suspeito terem decretado sua morte de maneira um pouco precipitada.
 
Talvez não seja tanto para agora. O timing é sempre capcioso. As próximas semanas de abril devem ser duríssimas na frente da pandemia. Contudo, a partir de maio as coisas podem melhorar de forma vertiginosa. E tudo que sobe de maneira exponencial, cai da mesma maneira. Com a vacinação penetrando densamente a população acima de 60 anos, hospitalizações e óbitos devem cair bem. Assim, as coisas melhorariam. 
 
No mercado, as reações não acontecem de maneira bem comportada, lineares, bonitinhas. Vale pra cima e pra baixo. O GIC resolve fritar sua posição de Brasil e muita coisa cai 25% em duas semanas. A Capital vende B3 e a ação desaba por dias. Do dia pra noite, evapora 20% do valor de mercado da companhia. Do outro lado, não precisamos ir tão longe. Recupere a performance de alguns shoppings e educacionais no mês de novembro. Teve coisa subindo 60% em três semanas.
 
Por favor, não me entenda mal. Não estou dizendo que vai subir amanhã. Ninguém sabe exatamente quando vai começar a subir. Mas o mercado antecipa as coisas e, então, temos a manifestação concreta da prescrição de Hemingway: “gradually, then suddenly”. As coisas demoram a acontecer, até que acontecem depressa.
 
Chegamos àquela situação em que a única coisa que nos cabe sob value investing clássico é esperar. Arbitrar temporalmente a perspectiva de que uma situação de curto prazo vai durar para sempre, quando sabemos que não é assim. Como muito bem lembrou José Galló na gravação do RadioCash desta semana (recomendação cultural e de investimentos: não perca este episódio, que vai ao ar hoje!), veja o que está acontecendo em Miami. As pessoas estão loucas para ir para uma loja, consumir, viajar, se reunir, ir para bares e restaurantes. Está tudo lotado por lá.
 
Sinto-me como se houvesse um elefante voando na nossa frente e estivéssemos enterrando nossas cabeças em filigranas contratuais, perdendo uma grande oportunidade.
 
Relatório de ontem do Credit Suisse me pareceu preciso em identificar uma oportunidade com os shoppings brasileiros. Na média, os shoppings europeus e norte-americanos sobem 85% desde que a reabertura da economia começou em novembro, superando os benchmarks em cerca de 50%. No mesmo período, os shoppings brasileiros perdem cerca de 15% versus o Ibovespa — é a maior discrepância negativa para o índice em dez anos. Pela primeira vez em três anos, os shoppings brasileiros negociam com desconto frente àqueles dos países desenvolvidos.
 
Há incorporadoras negociando abaixo de 5 vezes lucros projetados para 2022 (caso de Mitre) e outras que vão pagar 10% de dividendo talvez já neste ano (caso de Direcional). Pão de Açúcar vale menos do que a participação em Cnova e em Êxito.
 
No pânico, aberrações acontecem. Quando elas se revertem, sobe 30-40% em um mês. Não dá tempo de comprar. O negócio rasga na sua cabeça antes de você sequer pensar em entrar.
 
No buy and hold, às vezes o mais difícil é saber esperar. É ali que você ganha dinheiro. Voltando a Napoleão, há uma corrente entre os historiadores defensora de que sua derrota na fatídica Batalha de Waterloo se deu pela hesitação em atacar. Quando estiver claro que a pandemia está sendo domada internamente, talvez seja tarde demais para sair da posição defensiva. Parece-me mais razoável sofrer por um mês de volatilidade do que perder uma oportunidade de 50% de lucro.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.