Nos Estados Unidos e em diversos países da Europa, os endowments acadêmicos – fundos patrimoniais ou filantrópicos constituídos a partir de doações de pessoas físicas e empresas, são muito comuns e arrecadam grandes volumes de recursos para gerar impacto social. Eles apoiam o empreendedorismo, pesquisas, projetos e a melhoria da qualidade do ensino. Além disso, disseminam a cultura da doação.
No Brasil, esse movimento é incipiente, ainda são poucas iniciativas desse tipo em um país imenso.
No entanto, uma das que se destacam é a Sempre FEA, associação fundada por ex-alunos da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP), que possui um fundo patrimonial destinado a apoiar projetos de alunos, professores, funcionários e entidades representativas dessas categorias.
O objetivo dos seus fundadores, ex-alunos da FEA, sempre foi retribuir de alguma forma à comunidade o aprendizado proporcionado pela instituição pública, perpetuando a formação de bons profissionais.
“Muitas pessoas têm histórias semelhantes, do quanto a FEA fez diferença na vida delas. Entendemos que é um grande privilégio estudar em uma universidade pública gratuita de qualidade e queremos que outras gerações tenham essa oportunidade”, diz Andrea Andrezo, CEO e cofundadora da Sempre FEA.
A FEA-USP já formou muitos expoentes da política, do mercado financeiro e do empresariado brasileiro. É um celeiro de líderes de unicórnios brasileiros. Personalidades como Cristina Junqueira, cofundadora da Nubank; Renato Freitas, cofundador da 99 e Guilherme Bonifácio, cofundador do iFood se formaram na Universidade.
Felipe Miranda e Rodolfo Amstalden, cofundadores da Empiricus, também estudaram lá.
Segundo Andrea, a associação atua de forma totalmente independente e sem qualquer vínculo formal com a FEA. “O dinheiro arrecadado é diretamente entregue a alunos e professores, vinculado aos projetos”, explica.
Por dentro da Sempre FEA
Criada em outubro de 2019, a Sempre FEA tem atualmente mais de 200 voluntários e 130 doadores. A associação já arrecadou mais de R$ 5 milhões em doações.
A gestão do fundo de endowment visa preservar perpetuamente os valores doados e apoiar projetos de finalidades previamente definidas. O financiamento dos projetos, portanto, é realizado a partir de uma pequena parcela do montante. E o objetivo desta iniciativa é que, no futuro, os aportes financeiros se deem apenas pelo rendimento dos recursos doados.
Andrea conta que conheceu de perto o endowment quando estudou na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Ela relembra que, na época, se encantou com “a cultura da doação e a importância disso para o desenvolvimento das universidades dos Estados Unidos”.
O interessante é que os frutos gerados por esse modelo não são colhidos apenas por alunos e professores apoiados, mas também por doadores e voluntários. Além de possibilitar a retribuição ao ensino que tiveram, a iniciativa ainda promove reencontro de colegas de classe e, claro, novos encontros — o famoso networking.
Andrea relembra que não apenas ex-alunos da FEA podem se tornar voluntários e doadores, mas todos os que se identificarem com a iniciativa. Ela aponta que aqueles que sonham em impulsionar a educação e a inovação no Brasil devem “buscar protagonismo nesse processo”. Esse é o mindset da Sempre FEA.
Por meio de um primeiro edital em setembro do ano passado, 23 projetos foram selecionados para receberem apoio financeiro. No total, foram 34 inscrições e o processo seletivo foi transparente – foi, inclusive, transmitido no YouTube.
“Mas nosso objetivo, não é apenas entregar o dinheiro na mão dos alunos e professores. Visto a diversidade de pessoas que há no grupo, a ideia é dar a mentoria, ajudar também na execução de todas as fases dos projetos”, ressalta Andrea.
Sempre FEA a favor da diversidade
Na Universidade de São Paulo, assim como em diversas outras instituições espalhadas pelo país, têm sido adotadas medidas que visam reduzir a desigualdade no acesso ao ensino superior público. As cotas para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas e para pretos, pardos e indígenas são alguns exemplos.
Nessa linha, outra missão da Sempre FEA é contribuir para esse processo.“É chocante quando a gente vê os números de como a faculdade não tinha diversidade há alguns anos. Aqui na Sempre FEA, a diversidade é um dos nossos pilares”, afirma Andrea.
Na visão dela, as cotas não são suficientes para sanar a desigualdade e promover inclusão de forma efetiva. “Temos incentivado projetos de diversidade e inclusão porque não é simplesmente trazer o aluno, mas ajudá-lo a fazer a faculdade da melhor forma possível e depois dar acesso ao mercado de trabalho”, comenta a CEO da Sempre FEA.
Andrea Andrezo, CEO da Sempre FEA (Foto: Andrea Andrezo)
Dentre os 23 projetos selecionados no primeiro edital, há uma seção inteiramente voltada para “Inclusão e Equidade”. Além disso, diversas das iniciativas que estão alocadas em outras seções têm como objetivo promover esses princípios.
A Associação de Negros FEAnos (ANFEA) é classificada como projeto de “Inclusão e Equidade” e, dentre as inciativas selecionadas, é a que vem recebendo maiores recursos. Ela apoia carreira de jovens negros a partir de três pilares: formação por meio de workshops de soft skills, bolsas de estudos para língua inglesa e um programa de mentorias.
“Temos três mentores que são ex-alunos negros e que estão trabalhando muito ativamente. Esse projeto é emocionante, pois vemos toda a empolgação e o envolvimento dos alunos da ANFEA, além desse encontro de gerações”, conta a cofundadora da SempreFEA.
Outros destaques entre os projetos que compõem essa seção são os cursos preparatórios para vestibulares. Um deles é o Cursinho da FEA, criado há 20 anos e já estabelecido. Há também o Nubo, que trabalha com um modelo “novo”, de maneira digital. “Os alunos recebem as aulas por WhatsApp. São cinco videoaulas. Então, é um projeto que pode ter um alcance muito maior”, completa Andrea.
Empreendedorismo, excelência acadêmica e extensão
Ainda há outras três seções de projetos selecionados: “Empreendedorismo”, “Excelência Acadêmica” e “Extensão Universitária”. Na primeira, há iniciativas como o “Poder de Escolha, Escolha Empreender”, que irá ministrar cursos de formação de educação financeira para empreendedoras em situação de vulnerabilidade social.
Outro projeto de “Empreendedorismo” destacado por Andrea é o “Desenvolvimento de Ecossistema de Empreendedorismo FEAno”. A ideia tem origem em uma disciplina da FEA, na qual o trabalho final dos estudantes é estruturar um projeto de startup, que é avaliado e classificado por profissionais do mercado.
A Sempre FEA concederá apoio financeiro às iniciativas que obtiverem melhor avaliação. “É interessante porque o valor é simbólico, R$ 5 mil para cada projeto de startup, mas aí entra a questão da mentoria. Quem está dando a mentoria é o Guilherme Bonifácio, um dos fundadores do iFood, um dos unicórnios brasileiros”, explica Andrea.
O iFood é apenas um dos muitos unicórnios brasileiros que foram fundados por Feanos (Imagem: rafapress / Shutterstock.com)
Já em “Excelência Universitária”, se destaca um projeto que trabalhará ESG (sigla que se refere à boas práticas ambientais, sociais e de governança). A iniciativa “Tópicos Emergentes em Negócios e ESG” visa desenvolver estudos de casos que serão compilados em um ebook para ser distribuído gratuitamente para o público geral. Mais uma vez, a parte mais importante são as pessoas da Sempre FEA que têm experiência com ESG no mercado e vão colaborar.
Por fim, vale ressaltar o “Além da Atlética”, projeto da atlética da FEA que faz parte da seção “Extensão Universitária”. Essa iniciativa, no entanto, poderia ser também um projeto de “Inclusão e Equidade” porque seu objetivo é auxiliar alunos que querem ser atletas, mas não possuem condições financeiras para tal.
Andrea acredita que a prática esportiva é importante para a formação profissional. Ela menciona uma voluntária da Sempre FEA que atualmente trabalha na sede da Nike nos Estados Unidos, Dafna Blaschkauer, atualmente diretora global de produtos digitais. Segundo a presidente, a vivência da voluntária como atleta universitária de tênis lhe foi decisiva no mercado de trabalho.
Para além dos projetos apoiados
Além de apostar no potencial de todos os 23 projetos selecionados, a Sempre FEA desenvolve o Centro de Carreiras. Essa iniciativa é dividida em três pilares: “Lab de Carreiras”, “Desenvolvimento” e “Mentoria”.
O “Lab de Carreiras”, inclusive, já está com inscrições abertas. Ele promoverá workshops e podcasts com profissionais que fazem parte da Sempre FEA e trabalham em diferentes áreas: mercado financeiro, marketing, governo, educação, terceiro setor etc. Andrea explica que o objetivo é estimular “um processo mais ativo de busca da carreira”.
Já os treinamentos, que serão lançados em breve, funcionarão da seguinte forma: os alunos receberão uma formação gratuita por seis meses, com assuntos que sejam gaps na faculdade, por exemplo, soft skills. Na sequência, terão a oportunidade de viver um estágio de verão, de dois meses, em uma das empresas parceiras da Sempre FEA.
Por fim, já no segundo semestre, começará o programa de mentorias. Como demonstra toda a essência da Sempre FEA, o intuito é potencializar a carreira do aluno a partir da interação com ex-alunos da FEA.
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