A Eletrobras (ELET6) é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, com 43,8 gigawatts (GW) de capacidade instalada, sendo responsável por 22% da capacidade nacional, e 73,4 mil km de linhas de transmissão, 38% do sistema interligado nacional (SIN).
Além disso, a companhia tem o seu braço de comercialização/trading, que contou com 5,8 GW médios de energia vendida no mercado livre nos últimos 12 meses.
Em junho do ano passado, a Eletrobras concluiu o seu processo de privatização com uma oferta de R$ 33,7 bilhões para reduzir o tamanho da posição da União Federal e seus órgãos, que passaram de 69% da empresa para 42%, atualmente.
Contudo, apesar da participação ainda elevada, foi criada uma regra no estatuto da nova companhia privada que limita o poder votante de cada acionista nas assembleias a 10%, tirando o controle do Estado (e de qualquer outro acionista).
Composição acionária atual (Ações Ordinárias – ON)
Geração: energia para o Brasil inteiro
No segmento de geração, 94% da capacidade total instalada são de fontes hidrelétricas, 4% térmicas e 2% eólicas.
É de longe a maior geradora do país e está distribuída por todo o território nacional, com as suas 47 plantas hidrelétricas, 9 térmicas, 43 eólicas e 1 solar.
Desses empreendimentos, 68% são de propriedade integral da Eletrobras, 30% realizados por meio de Sociedades de Propósito Específico (SPE) e 2% de empreendimentos em propriedade compartilhada.
Em termos de faturamento, a Geração trouxe R$ 26,3 bilhões para a companhia nos últimos 12 meses, sendo a mais representativa dentro do resultado consolidado, com 60%.
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Transmissão: Eletrobras tem a malha mais extensa do país
A Eletrobras é a empresa mais importante para a sustentação do sistema energético brasileiro. Suas linhas de transmissão, distribuídas em todo o país, somam mais de 73 mil km de extensão, representando 38% de toda a malha nacional.
Depois da vertical de Geração, o segmento de Transmissão é o mais relevante para o faturamento da Eletrobras. Suas receitas nos últimos 12 meses findos em setembro somaram R$ 17 bilhões, equivalente a 38% da receita bruta consolidada (assim, geração e transmissão são juntas responsáveis por 98% do total).
Uma década de transformações e novas narrativas
Essa posição dominante em termos de market share em geração e transmissão só foi conquistada graças ao controle estatal, já que o governo utilizou a Eletrobras para desenvolver boa parte da infraestrutura elétrica do país a partir dos anos 1960.
Mas o governo viria a cobrar caro por essa “ajudinha” mais tarde. A Medida Provisória 579 (MP 579) de 2012, conhecida como o “11 de setembro do Setor Elétrico brasileiro”, destruiu as finanças da empresa.
Em troca da renovação antecipada de algumas usinas hidrelétricas, a companhia aceitou vender energia a preço de custo, o que ficou conhecido como Regime de Cotas (ou cotização). A perda de receita em troca da renovação também aconteceu com vários de seus ativos de transmissão.
O resultado foi uma redução de quase R$ 6 bilhões na receita anual em 2013 na comparação com dois anos antes — uma redução de 19% no período —, e o início de uma era de prejuízos gigantescos para a companhia.
Uma curiosidade pode surgir: por que a Eletrobras se sujeitou a essa condição?
Alvo de interferências políticas interessadas na redução forçada de tarifas de energia elétrica, ela simplesmente não teve escolha.
O fato é que a perda de receitas e os prejuízos bilionários levaram a Eletrobras a uma situação praticamente insustentável de endividamento — 6 vezes dívida líquida/Ebitda em 2016. Um nível crítico, já que as companhias do setor costumam trabalhar com um limite de 3 vezes dívida líquida/Ebitda.
A situação só começou a melhorar em 2016, com a chegada de Wilson Ferreira Júnior, que presidiu a companhia até agosto deste ano, e o fim das interferências políticas sobre a companhia, que contou com a ajuda da Lei das Estatais (que viria a ajudar a Petrobras e o Banco do Brasil também).
Ferreira Júnior iniciou uma profunda limpeza na companhia. Seis distribuidoras que davam prejuízos bilionários ano após ano foram vendidas (praticamente dadas, em alguns casos).
As Sociedades de Propósito Específico (SPEs), que pareciam ter como propósito específico apenas inchar o quadro de funcionários e perder dinheiro, foram vendidas ou fechadas (ainda restam 68, mas o objetivo é chegar em 31 até o 2T24).
Além disso, a companhia contava com um quadro extremamente inchado de funcionários e mais de 1.500 diretores, um problema que também começou a ser endereçado com a chegada de Wilson Ferreira Júnior. O executivo realizou uma bela redução nas despesas gerenciáveis, conhecidas no setor elétrico pela sigla PMSO (Pessoas, Materiais, Serviços de Terceiros e Outros).
Fonte: Eletrobras e Empiricus
E o resultado foi uma ótima evolução dos resultados operacionais.
Mas calma, porque vai ficar muito melhor.
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O que vem por aí
A evolução até aqui é notável, mas os resultados, lucros e dividendos devem seguir aumentando ainda apoiados pela privatização, por conta das diversas melhorias que teremos sem as amarras estatais.
Já mostramos que a Eletrobras reduziu drasticamente seu quadro de funcionários, o que ajudou bastante os resultados. Mas a verdade é que ela continua bastante ineficiente na comparação com os pares.
Sobre isso, algumas comparações sugerem grande espaço para melhora de resultados. A primeira, é o indicador número de funcionários/capacidade instalada. Mesmo após o enxugamento dos últimos anos, a Eletrobras ainda tem cerca de 0,27 empregado por MW, enquanto a Engie e a Auren (antiga CESP) têm menos de 0,15 empregado/MW.
Funcionários / Capacidade Instalada
Com base nos benchmarks do mercado, a companhia divulgou no seu investor day deste ano uma redução potencial do seu PMSO até 2026 de 42% em relação ao que terminou em 2022, levando para R$ 5 bilhões.
Fonte: Eletrobras
Claro que cada empresa tem as suas particularidades, mas o caso da Auren é particularmente emblemático e mostra como é possível a Eletrobras chegar lá. Privatizada em 2018, quando possuía uma estrutura de mais de 0,3 funcionário/MW, a Auren conseguiu cortar pela metade esse indicador. Os gastos administrativos, de pessoal, terceirizados, materiais e aluguéis despencaram -46% dois anos após a privatização.
Dentre todas as possibilidades de criação de valor pós-privatização, esta nos parece (e está sendo) a mais concreta e relevante, por não depender de condições de mercado, hidrologia e nem de decisões judiciais.
Mas temos muitas outras frentes.
Processo de descotização: autonomia é rei
Lembra da tal cotização, que fez a companhia perder receitas em 2012-2013 e provocou todos aqueles problemas?
A partir deste ano, ela começou a ser revertida com os recursos provenientes da privatização. Cerca de R$ 26 bilhões da oferta, que diluiu a União e tornou a Eletrobras uma companhia privada, será utilizado justamente para a “descotização” e a renovação daquelas usinas.
De 2023 até 2027, a companhia poderá descotizar anualmente 1,3 GW médios de energia até atingir 6,7 GW médios em 2027, quando todo o seu parque gerador poderá vender pelo preço de mercado.
A criação de valor aqui vai depender da capacidade de comercialização dessa “nova energia”, bem como das condições de mercado, como o crescimento do PIB e da hidrologia, por exemplo.
É aí que entra um dos desafios enfrentados não só pela companhia, mas por todas as geradoras. Por conta da sobreoferta de energia atual, os preços de curto prazo no mercado livre de energia encontram-se tão baixos, que até os contratos cotizados da Eletrobras — comercializados a preço de custo (~R$ 80/MWh hoje) — são mais atrativos. Para contratos mais longos, o preço é superior, mas ainda bem distante do registrado nos últimos anos.
Assim, essa parcela de energia que a Eletrobras está conseguindo descotizar, vem ficando descontratada na expectativa de a companhia conseguir contratos melhores quando os preços se recuperarem.
A grande pergunta é se esse cenário é estrutural ou conjuntural. Vai passar ou os preços de energia serão estruturalmente mais baixos?
No ponto em que estamos, acreditamos que a assimetria é positiva para as geradoras — em especial para a Eletrobras devido ao processo de descotização —, pois o espaço para piorar o cenário parece bastante limitado: reservatórios estão nos maiores níveis desde 2012 e a expansão do segmento de energias renováveis vem desacelerando após o boom do último ano.
De toda forma, apesar dos preços relativamente menos atrativos no mercado de energia, não enxergamos nenhum downside na descotização, muito pelo contrário. O mercado é dinâmico e, o simples fato da Eletrobras passar a ter autonomia para fechar seus próprios contratos, é um ganho enorme da privatização para a companhia no médio/longo prazo.
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Oportunidade de investimentos em transmissão
Boa parte das linhas de transmissão da Eletrobras (muitas renovadas na MP-579) estão bastante depreciados, mas com vários anos até o vencimento das concessões. A companhia já planeja um investimento relevante nestes ativos, visando expandir a sua receita anual permitida (RAP). A CTEEP (TRPL4) tem feito isso com sucesso nos últimos anos e, como parâmetro, tem conseguido um ratio Capex/RAP de 14,7%.
Ainda, se a Eletrobras conseguir fechar contratos mais atrativos de energia com a parcela descotizada, a maior geração de caixa trazida pela redução de custos poderá ser utilizada também para esse fim.
Mas a privatização tem potencial de trazer ainda mais valor além do operacional. Há muito valor a ser destravado relacionados à eficiência fiscal, resolução de litígios, melhora de balanço e na política de dividendos.
Outras alavancas de Eletrobras
A falta de capacidade e agilidade em resolver processos ao longo das últimas décadas, especialmente os relacionados aos Empréstimos Compulsórios, fez as contingências contra a companhia aumentarem como uma bola de neve.
Contudo, os avanços alcançados no último ano já foram notáveis e ainda há muito a ser capturado. Sem as amarras estatais, os processos tendem a ser resolvidos de maneira muito mais ágil, podendo inclusive contar com equipes jurídicas de primeiro nível e totalmente dedicadas, o que era inviável antes.
O estoque de R$ 19 bilhões ainda é um risco importante, mas ao mesmo tempo pode se transformar em enorme alívio para os acionistas, caso a gestão consiga manter o desempenho dos últimos trimestres com a redução desses litígios. Uma evolução desses processos nos próximos trimestres vai ajudar a reduzir não só os passivos, como também a percepção de risco sobre a companhia.
Se por um lado a MP-579 quase destruiu a Eletrobras, por outro os prejuízos criaram créditos fiscais de R$ 15 bilhões, mas grande parte precisa de uma reorganização corporativa para ser recuperado (criação de subsidiárias operacionais na holding, empréstimos entre subsidiárias etc.), o que também era praticamente impossível antes da privatização. Com um valor de mercado de pouco mais de R$ 100 bilhões, esses são números relevantes para a companhia.
Riscos de Eletrobras
São dois principais: execução e preços de energia. Em relação ao primeiro, como mostramos ao longo da tese, a redução de despesas e ganhos de eficiência na operação é o principal desafio da Eletrobras. A companhia ainda está bem aquém de outros players do setor de energia em diversos indicadores operacionais. Há muita produtividade a ser destravada, mesmo após os avanços importantes iniciados em 2016.
Os preços de energia, conforme também já pontuamos, é um desafio importante para a perenidade financeira da Eletrobras. Contudo, esse é um fator que afetaria toda a cadeia de utilities, uma vez que o baixo retorno na venda de energia tiraria investimentos da matriz de geração energética. Caso os preços continuem baixos no médio prazo, não nos surpreenderia ver incentivos governamentais para aumentar novamente os retornos das companhias de geração e evitar subinvestimentos no setor.
Valuation
Nos preços atuais, vemos a Eletrobras negociando a 6 vezes seu valor da firma sobre o Ebitda (EV/Ebitda) para 2024 e 5 vezes para 2025, a mais barata entre os seus pares mais próximos.
Assumindo premissas conservadoras em nosso modelo em relação à redução de despesas da Eletrobras e aos preços de energia ao longo dos próximos anos, encontramos uma taxa interna de retorno (TIR) de 13% para a companhia — uma das mais atrativas do setor — e um preço-alvo de R$ 60 para ELET6.