Quando Zhou Enlai recebeu a visita de Richard Nixon em 1972, foi perguntado sobre os tumultos na França. Em sua resposta, o premiê chinês afirmou ainda ser muito cedo para tirar qualquer conclusão. A frase foi vista como uma demonstração da sabedoria confucionista e da visão de longo prazo da China. Passaram quase duzentos anos e ainda era cedo para concluir algo sobre a Revolução Francesa…
Décadas depois, veio a se saber que não era exatamente isso. O diplomata norte-americano Charles Freeman disse ter havido um mal-entendido na fala de Zhou. O premiê chinês, na verdade, se referia às inquietações de maio de 1968, não àquelas de 1789. Henry Kissinger, em seu brilhante livro sobre a China, também faz uma correção da primeira interpretação.
Seja lá qual das versões é a verdadeira, a original era bem mais legal — talvez por isso tenha demorado tanto para ser corrigida. O tempo das avaliações históricas e dos processos econômico-sociais não é necessariamente cronológico. Curto e longo prazo, transitório ou permanente, perto ou distante pertencem ao olhar do observador e à maré das circunstâncias.
Logo depois da pandemia, quando a inflação veio com tudo, os Bancos Centrais mundiais — ênfase no Fed — caracterizaram aquele fenômeno como transitório. As cadeias globais de suprimento seriam rapidamente reorganizadas, as commodities cairiam e os efeitos dos estímulos arrefeceriam. Em pouco tempo, a inflação seria debelada e voltaríamos a período semelhante àquele da estagnação secular, quando a tecnologia e a demografia provocavam um mundo estruturalmente deflacionário.
Meses se passaram, e a inflação, além de não ceder, acelerou. Foi bem mais alta e persistente do que se imaginava. Os Bancos Centrais revisitaram sua inflação sobre a suposta transitoriedade do fenômeno e pediram formalmente para não mais chamar o processo de passageiro. Iniciaram agressivos processos de aperto monetário na sequência. E foram alvo de críticas pesadas sobre seu erro de avaliação.
Nos últimos meses, a inflação começou a arrefecer. Então, a interpretação predominante foi de que a política monetária, embora tardiamente, funcionou. A economia sente o efeito dos juros mais altos, a demanda agregada cai, a inflação cai. Estaríamos rigorosamente alinhados à ortodoxia.
Será mesmo? Ou incorreríamos aqui na falácia lógica “post hoc, propter hoc”? Ou seja, a inflação teria desacelerado depois da alta do juro, não necessariamente por conta da alta do juro.
Paul Krugman tem uma hipótese alternativa bastante interessante sobre o processo. Em artigo recente no NYT, de nome “Beware Economists Who Won’t Admit They Were Wrong”, o prêmio Nobel de Economia defende a tese de que a inflação, na verdade, era mesmo transitória — ela apenas demorou mais tempo do que se supunha para arrefecer. As disrupções na cadeia foram maiores e mais longevas do que se imaginava, e foram intensificadas com a guerra na Ucrânia. A tal transitoriedade acabou levando anos, em vez de meses, mas estava lá.
Ele argumenta ainda que, na hipótese mais ortodoxa, a inflação teria recuado a partir de um aumento destacado da taxa de desemprego, o que não ocorreu. Estamos falando de uma taxa de desemprego de 4,5%, para uma inflação que potencialmente caminha para 2,5%.
Surpreendentemente, atingimos o tal soft landing, aquela margem estreita em que ninguém, além de Chistopher Waller do Fed, parecia acreditar a priori e que desafiava a tendência histórica (ao longo do tempo, processos desinflacionários costumaram vir acompanhados de recessão nos EUA).
Ao melhor estilo Zhou Enlai (ou fake news sobre Zhou Enlai), acho cedo para afirmar se a tese de Krugman está mesmo certa. Mas há um ponto importante a ser considerado aqui: as forças predominantes da estagnação secular continuam aí, ainda mais intensas do que anteriormente. O mundo só ficou mais tecnológico e a demografia só piorou. A grande questão (para a qual não tenho resposta), portanto, seria: o que pesa mais? De um lado, demografia e tecnologia representam um mundo deflacionário. De outro, near/friend shoring, transição energética e retorno da importância de alguns sindicatos implicariam tendência inflacionária. Qual a força resultante?
Se Krugman estiver certo, o maior risco seria a manutenção de juros elevados nos EUA gerar uma recessão por lá — nesse sentido, os dados do Relatório de Emprego na última sexta e, no geral, a preocupação mais recente com uma economia dos EUA um pouco mais aquecida seriam bons (e não ruins conforme a interpretação de consenso). Se voltarmos ao mundo da estagnação secular (ou algo parecido com isso), o juro será bem mais baixo. Voltaremos ao growth, em detrimento ao value.
A fraqueza de ativos de risco neste início de 2024 poderia ser interessante oportunidade de compra. De uma forma ou de outra, os juros vão cair aqui e lá fora — estamos apenas numa discussão de dosimetria fina. Em sendo o caso, estaríamos discutindo se o ano será marginalmente bom, muito bom ou excelente. Torço pelo último, mas seja lá qual for o caso, a assimetria é convidativa.