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Ressaca pós-carnaval: mercado paga o preço por ter ‘bebido demais’ nas expectativas do Fed

Falhas na comunicação do Fed deixaram expectativa por redução nas taxas de juro em março, o que não deve acontecer

Por Matheus Spiess

15 fev 2024, 09:16 - atualizado em 15 fev 2024, 09:17

Jerome Powell Fed Mercado
Imagem: Divulgação/Fed

Bom dia, pessoal. Há algum tempo, tenho comentado sobre a crescente impaciência dos mercados financeiros. Investidores têm adotado uma visão de curto prazo, reagindo instantaneamente às últimas notícias e dedicando uma atenção excessiva às dinâmicas macroeconômicas – uma característica do nosso tempo. Essa tendência tem o efeito de intensificar as respostas aos indicadores econômicos e de preços, que são frequentemente voláteis.

A semana recente ilustrou perfeitamente essa dinâmica, marcada pela assimilação de dados inflacionários nos EUA que superaram as previsões. Para nós, essa situação se assemelha a uma ressaca pós-Carnaval, onde se paga o preço por ter “bebido demais” nas expectativas do Federal Reserve.

Além disso, desde meados de março, temos observado um ajuste na inquietação do mercado, exacerbado por falhas na comunicação do Fed, que acabaram por complicar o panorama (apesar da enfática declaração de sua postura reativa aos indicadores). Ao encerrar 2023, o Fed havia sinalizado uma potencial redução nas taxas de juro para março de 2024, incitando um otimismo generalizado.

Contudo, relatórios subsequentes de emprego e inflação, superiores às expectativas, colocaram em xeque essa direção, forçando o mercado a descartar a expectativa de cortes em março e a reajustar suas previsões para meados ou finais de junho. Neste momento, tanto os mercados europeus quanto os futuros nos EUA buscam se recuperar das quedas observadas na terça-feira, enquanto os mercados asiáticos abertos registraram desempenhos positivos.

A ver…

· 00:56 — Por incrível que pareça, o feriado acabou amortecendo o choque

No Brasil, a repercussão nos mercados locais teria sido significativamente mais negativa caso a bolsa estivesse operando normalmente na terça-feira ou se o pregão de ontem fosse completo, em vez de apenas parcial. Graças à recuperação dos mercados americanos no dia anterior e à falta de novidades significativas no cenário interno, o Ibovespa conseguiu se sustentar acima dos 127 mil pontos. Isso não significa que a ressaca pós-Carnaval não tenha sido desagradável; apenas ressalta que já enfrentamos momentos mais turbulentos. No contexto nacional, a agenda política e econômica permanece relativamente tranquila até a próxima semana, quando se espera que Brasília retome as discussões sobre questões fiscais com mais intensidade. Recentemente, chamou a atenção a mudança na estratégia de articulação política para Rui Costa da Casa Civil, substituindo Alexandre Padilha, em meio a desentendimentos com o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Esta realocação estratégica busca facilitar as negociações do governo com o Congresso, especialmente em torno do impasse sobre o financiamento de emendas parlamentares. Este movimento pode ser um sinal de que o Executivo busca fortalecer sua posição, embora ainda esteja lidando com desafios significativos, semelhantes aos enfrentados no ano passado. Adicionalmente, a equipe econômica enfrenta o desafio de negociar reajustes salariais e benefícios, com o espectro de greves generalizadas à vista. Os servidores do Executivo reivindicam aumentos de até 34% até 2026, enquanto o governo propõe um limite de 19%, também distribuído até 2026, mas sem previsão de ajustes para este ano no orçamento. Essa pressão adicional aumenta as tensões sobre a curva de juros, sinalizando mais um capítulo na complexa dinâmica fiscal do país.

· 01:49 — Um susto

Nos Estados Unidos, a menor queda do que a antecipada no índice de preços ao consumidor de janeiro, em comparação ao mês anterior, e o aumento inesperado do núcleo da inflação, que desconsidera os preços voláteis de alimentos e combustíveis, destacam o desafio persistente que o Federal Reserve enfrenta na fase final de sua luta contra a inflação. Este panorama resultou em uma taxa de inflação anualizada de 3,1% em janeiro, contradizendo a expectativa geral de Wall Street de que o Fed reduziria as taxas de juros em março. A reação imediata foi uma elevação no rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA com vencimento em dois anos para 4,65%. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, expressou surpresa com a resposta exagerada dos mercados na terça-feira, indicando uma dinâmica de mercado distorcida.

As ações, após uma recuperação parcial do choque inicial, apontam para uma possível continuidade da recuperação. Esse movimento reflete a persistência da esperança de mercado em uma aterragem econômica suave e na perspectiva de cortes nas taxas de juros em um futuro não tão distante. O foco se volta agora para os dados econômicos que surgirão entre março e maio, os quais definirão se o primeiro corte de juros ocorrerá em maio ou junho. Um adiamento para junho implicaria a necessidade de mais ajustes pelo mercado. No calendário econômico de hoje, as vendas no varejo de janeiro se destacam; resultados acima das expectativas podem pressionar a curva de juros novamente, testando a resiliência do mercado a novas surpresas inflacionárias.

· 02:35 — Isso que eu chamo de investimento

Sam Altman, o visionário CEO da OpenAI, responsável pelo desenvolvimento do ChatGPT, está em busca de soluções para ampliar a capacidade de produção de semicondutores, fundamentais para o avanço da inteligência artificial. A limitação atual enfrentada por Altman e sua equipe é a escassez de chips avançados, cuja fabricação é conhecida por ser um processo demorado, dispendioso e dominado por um restrito grupo de fabricantes especializados, como AMD, Intel e Nvidia, que além de poucos, vendem seus produtos a preços elevados. Com a intenção de superar esses obstáculos, Altman propõe a criação de semicondutores próprios, um projeto ambicioso para o qual ele estima a necessidade de um investimento astronômico na ordem de US$ 7 trilhões.

Este valor não apenas excede em muito o investimento atual do governo dos EUA no setor de semicondutores, mas também supera largamente o tamanho do mercado global de chips, que registrou vendas de US$ 527 bilhões no último ano, com expectativas de atingir US$ 1 trilhão apenas na próxima década. O objetivo de Altman é mitigar os gargalos de produção que a OpenAI enfrenta, necessitando de um poder computacional massivo para desenvolver suas tecnologias de IA, demanda que as atuais capacidades da indústria não conseguem satisfazer. Com gigantes tecnológicos como Alphabet e Meta intensificando suas operações no campo da IA, a escassez de semicondutores tende a se agravar. A realização de tal empreitada requereria recursos financeiros provenientes de uma ampla variedade de investidores, incluindo possivelmente nações com as quais os Estados Unidos prefeririam manter distância, destacando os aspectos geopolíticos intrínsecos à corrida global por semicondutores.

· 03:27 — As falas de Donald Trump

Caso Donald Trump reassuma a presidência, ele pode enfraquecer os laços dos Estados Unidos com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e pressionar a Ucrânia para iniciar negociações de paz com a Rússia, alinhando-se assim aos interesses expressos pelo presidente russo, Vladimir Putin, em uma recente entrevista concedida ao jornalista americano Tucker Carlson. Trump tem intensificado suas críticas à OTAN, ameaçando incentivar a Rússia a desafiar os países membros que falham em investir o mínimo de 2% de seu PIB em defesa, um marco atingido por apenas 11 dos 30 países membros no último ano, entre eles os EUA, Reino Unido e os países bálticos, além da Finlândia, recém-incorporada.

Esta postura coincide com as preocupações da Dinamarca sobre o aumento acelerado da produção militar russa, sugerindo a possibilidade de futuros conflitos. A abordagem de Trump em relação à OTAN e suas implicações para a segurança global são esperadas para ser um ponto de destaque nas discussões da Conferência Anual de Segurança de Munique. Além disso, a retórica de Trump tem se tornado progressivamente agressiva em relação à China, aumentando a ansiedade do mercado. À medida que a eleição americana se aproxima, e as análises de mercado começarem a considerar os potenciais impactos desses desenvolvimentos a partir do segundo trimestre, espera-se que a volatilidade seja um reflexo direto dessa conjuntura.

· 04:11 — A fragilidade das economias tradicionais

Hoje, o Japão e o Reino Unido foram oficialmente reconhecidos como estando em recessão, destacando uma realidade econômica desafiadora que diverge significativamente da experiência dos Estados Unidos. Entre as nações economicamente vulneráveis está a Alemanha, atualmente enfrentando severas dificuldades, particularmente afetada pelo declínio global no setor manufatureiro. Este cenário tem provocado questionamentos a respeito da viabilidade a longo prazo do modelo econômico alemão, especialmente à luz desta estagnação prolongada, que sugere que a era da Alemanha como uma potência industrial líder pode estar se aproximando do fim.

A ausência de gás natural a preços acessíveis da Rússia, combinada com a diminuição da demanda por parte da China, coloca muitas empresas alemãs diante de decisões críticas: cortar investimentos ou considerar a saída do mercado. A transformação do mercado de trabalho na Alemanha é ilustrada pela criação de empregos, com nove em cada dez novas vagas surgindo no setor de serviços no ano passado, indicando um potencial movimento em direção à desindustrialização. As ramificações políticas dessa transição já são palpáveis, com o governo lutando contra baixos índices de aprovação enquanto enfrenta o crescimento de movimentos partidários radicais. A situação na Alemanha reflete os desafios mais amplos enfrentados pela economia europeia.

· 05:04 — Os caminhos do dólar

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Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.