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Banco Central e o Enigma Tostines: a Selic vai ou não subir? Veja os destaques do mercado financeiro desta quarta-feira (21)

As ações globais seguem com ritmo mais positivo, com o mercado brasileiro atingindo novas máximas.

Por Matheus Spiess

21 ago 2024, 09:26 - atualizado em 21 ago 2024, 09:26

bolsa de valores estados unidos mercado financeiro

Imagem: Pixabay

Bom dia, pessoal. Continuamos a observar nesta manhã (21) um sentimento mais positivo para as ações globais, depois da correção verificada ontem nas principais praças ocidentais.

Tanto é verdade que, acompanhando o dia de ontem, as ações asiáticas caíram nesta quarta-feira (21), já que a força do iene estimulou uma nova reversão no carry trade, enquanto as perdas na gigante do e-commerce JD.com, que arrastaram para baixo o índice Hang Seng de Hong Kong. Isso aconteceu apesar dos dados de exportação do da Coreia do Sul mostrarem robustez nas exportações de semicondutores.

Hoje, porém, é um novo dia para nós. Os índices europeus sobem, assim como os futuros americanos. Até mesmo os preços das commodities sobem nesta manhã, com alta do barril de petróleo e do minério de ferro (bom para o Brasil nos dois casos).

Na agenda, destaque para a revisão anual do payroll americano, que foi um dos impulsionadores da correção do começo do mês (uma revisão para um número muito mais fraco pode voltar a assustar os investidores, que ainda temem uma recessão nos EUA). No Brasil, além de acompanharmos a dinâmica global, ficamos com os debates fiscal e monetário. A grande dúvida no momento: o BC vai mesmo subir os juros?

A ver…

· 00:51 — Vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?

Ontem, o mercado brasileiro atingiu novas máximas, fechando acima dos 136 mil pontos, impulsionado principalmente pelas ações de commodities e do setor financeiro, em contraste com o desempenho dos mercados internacionais.

Em contrapartida, o dólar teve uma forte alta, aproximando-se novamente de R$ 5,50. Diversos fatores explicam esse movimento: a realização de lucros e o ajuste de posições após as sucessivas valorizações do real, que rapidamente passou de R$ 5,80 para R$ 5,40; a fragilidade das moedas exportadoras no pregão de ontem devido à frustração com a falta de estímulos da China, que optou por não reduzir os juros na terça-feira; e uma nova, embora parcial, reversão do “carry trade” no iene, que se valorizou.

No entanto, talvez a principal explicação resida na incerteza do mercado sobre a possível elevação da Selic. Para muitos, essa incerteza já não existe, dado o que está precificado.

Eu, porém, como já mencionei antes, prefiro adotar uma postura mais cautelosa quando se trata do nosso Banco Central, que tem sido inconsistente em suas comunicações nos últimos anos. De fato, a alta dos juros está em discussão, mas pode ser que os investidores tenham se adiantado demais em relação ao BC.

Isso nos leva à clássica questão Tostines: “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?” Ora, o câmbio se ajustou porque o BC foi duro em suas comunicações, ou o BC não precisará subir os juros porque o câmbio já se ajustou? É uma relação reflexiva.

Naturalmente, há um componente internacional em jogo, relacionado à estabilização da volatilidade associada ao “carry trade” no iene. Ainda assim, o fator doméstico não pode ser ignorado. É possível que, devido a um possível novo erro de comunicação, o Banco Central tenha exagerado em seu conservadorismo?

Talvez, mas como o próprio Roberto Campos Neto afirmou, a autoridade monetária tende a ser excessivamente hawkish ou dovish aos olhos dos agentes de mercado. Existem, de fato, razões que justificariam uma eventual alta dos juros: a inflação está no limite superior da meta do BC, distante dos 3%, a atividade econômica permanece aquecida (podemos crescer 2,5%), o desemprego está em seu nível mais baixo em muitos anos, e as expectativas de inflação ainda estão desancoradas. Contudo, pode ser que o Banco Central tenha criado uma armadilha para si mesmo: o mercado pode reagir negativamente caso não haja uma nova alta na Selic.

Ainda acredito que o atual patamar dos juros é elevado o suficiente e que, especialmente devido à possível queda dos juros nos Estados Unidos, uma Selic em 10,5% seria adequada. Não havia necessidade de alterar esse cenário. No entanto, devido à comunicação do Banco Central e à ansiedade dos agentes de mercado, passamos de uma expectativa de juros elevados por mais tempo para juros potencialmente mais altos por um período mais curto.

A estratégia agora parece ser aumentar os juros para depois reduzi-los de forma mais acentuada, possivelmente em 2025. Um investimento. Inclusive, isso talvez já tenha sido discutido com o próprio presidente Lula

Melhor subir agora e deixar a responsabilidade para Roberto Campos Neto, para que seu sucessor possa cortar a Selic e ser visto como herói em 2026, ano de eleições. Seja como for, se de fato houver um aumento dos juros, conforme está precificado na curva, que seja um ajuste modesto, de no máximo duas altas de 25 ou 50 pontos base. A queda dos juros nos EUA nos daria suporte nesse cenário.

· 01:59 — Ajuste de política

As discussões fiscais também estão em alta. Ontem, durante um evento do BTG Pactual, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que a proposta orçamentária de 2025, que será entregue na próxima semana, incluirá novas medidas de geração de receitas, além de abordar a revisão de gastos. No entanto, o governo continua a demonstrar uma falta de criatividade na resolução do problema fiscal (embora seja criativo em encontrar novas formas de arrecadação — cortar gastos, por outro lado, continua sendo uma dificuldade).

Ninguém espera que o problema estrutural do orçamento brasileiro seja resolvido durante este mandato, mas havia esperança de que, após o recesso legislativo, houvesse algum esforço inovador. Infelizmente, nada mudou. Continuamos com as mesmas estratégias. É verdade que as novas medidas de arrecadação terão menor intensidade em comparação ao ano passado, mas isso precisa ser contextualizado na conjuntura política atual, onde o Congresso não está disposto a aceitar novos impostos. Medidas relacionadas às despesas também são essenciais.

Dois outros pontos merecem destaque. Primeiro, Senado, Câmara, STF e ministros do governo Lula chegaram a um acordo que estabelece novos critérios para garantir maior transparência, rastreabilidade e correção nos repasses de dinheiro público através das emendas parlamentares. Embora seja um avanço, essa formalização pode consolidar ainda mais um mecanismo que muitos consideram pouco ortodoxo (para dizer o mínimo) nas negociações com os parlamentares, oferecendo um alívio ao governo.

Em segundo lugar, o Senado aprovou simbolicamente o Projeto de Lei da Desoneração após um acordo entre o governo e a oposição. Junto com o texto, foram incluídas medidas de compensação que devem gerar entre R$ 25 bilhões e R$ 26 bilhões para cobrir os custos de 2024. É importante observar que outras alternativas precisarão ser encontradas para os próximos anos, já que a transição completa da desoneração só ocorrerá em 2027. Pelo menos, um tema importante foi resolvido.

· 02:45 — Uma leve correção: faz parte do jogo

Nos Estados Unidos, o S&P 500 interrompeu uma sequência de oito dias consecutivos de alta ontem, encerrando a sessão de forma tranquila, mas com uma leve queda. O índice permanece apenas 1,2% abaixo do recorde alcançado em 16 de julho.

O Nasdaq Composite também quebrou sua sequência de oito dias de ganhos. Há uma crescente expectativa em torno do Simpósio de Política Monetária de Jackson Hole, em Wyoming, que começa amanhã e contará com o discurso de Jerome Powell na sexta-feira. Curiosidade: essa conferência anual é organizada pelo Federal Reserve de Kansas City desde 1978 e foi transferida para Jackson Hole, Wyoming, em 1982.

É natural que o evento ganhe um peso maior neste momento, com o corte de juros em setembro se aproximando. Na agenda de hoje, enquanto aguardamos o início do simpósio, vale a pena acompanhar a revisão dos dados de folha de pagamento não agrícola do ano passado. O mercado está particularmente atento ao mercado de trabalho, e essas revisões provavelmente serão negativas. Embora isso não altere fundamentalmente a economia, uma revisão muito significativa pode reacender os temores dos investidores sobre uma recessão severa nos EUA.

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· 03:37 — A trajetória depois do primeiro corte

Além da revisão do payroll, hoje também será divulgada a ata da última reunião de política monetária do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC). Embora não se esperem grandes novidades sobre a perspectiva das taxas de juros, o documento ainda é relevante.

A principal questão em torno da ata e do simpósio em Jackson Hole é: o que acontecerá após setembro? Após dois anos de progresso rumo à meta de inflação anual de 2% do Federal Reserve e diante da necessidade de se antecipar a um mercado de trabalho em possível declínio, os formuladores de políticas estão começando a considerar a possibilidade de reduzir as taxas de juros mais cedo ou mais tarde.

É provável que o presidente do Fed, Jerome Powell, reforce na sexta-feira que as decisões do Fed continuarão a ser guiadas pelos dados, ao mesmo tempo em que reafirma a postura moderada dos membros do Fed. O mercado de trabalho, em particular, deve receber uma atenção ainda maior em seu discurso.

Os relatórios de emprego e inflação de agosto, que serão divulgados no início de setembro, serão os últimos grandes obstáculos de dados econômicos antes da reunião do Fed nos dias 17 e 18 de setembro. Eu espero um corte de 25 pontos-base nesta reunião. Junto com a decisão, será apresentado o gráfico de pontos que revela as projeções das autoridades do comitê sobre as taxas de juros. Esse gráfico nos dará uma ideia de se o Fed antecipa mais um ou dois cortes ainda em 2024.

Os mercados futuros estão apostando em um ciclo de flexibilização mais agressivo, mas eu prefiro um movimento de queda mais gradual e cauteloso. O rumo do ciclo de cortes dependerá da razão pela qual o Fed decidir cortar as taxas: será para resgatar a economia de uma recessão ou simplesmente para normalizar as taxas que se tornaram excessivamente restritivas?

· 04:23 — O que os olhos não veem, o coração sente

As bolsas de valores da China suspenderam a divulgação de dados em tempo real sobre fluxos de fundos estrangeiros, retirando do mercado um indicador crucial de sentimento, justamente em um momento em que investidores internacionais têm sido consistentemente vendedores líquidos de ações chinesas. A saída de estrangeiros do mercado de ações chinês, que tem um valor de mercado de US$ 8,3 trilhões, alcançou um patamar negativo no comparativo anual ao final da semana passada.

A redução da transparência tem enfraquecido ainda mais a confiança dos investidores estrangeiros na China, que já havia interrompido a divulgação de dados intradiários sobre fluxos estrangeiros e estimativas em tempo real do valor líquido dos fundos. Com essa falta de transparência, a China corre o risco de registrar sua primeira saída anual de ações em 2024.

· 05:12 — Tome muito cuidado com o seu dinheiro, por favor

O governo Lula está preparando um conjunto de medidas para restringir o acesso a sites de apostas não regulamentados, conhecidos como “bets”, a partir de janeiro de 2025.

A iniciativa envolverá uma colaboração entre plataformas digitais, Banco Central e operadoras de internet, visando garantir que apenas casas de apostas devidamente legalizadas possam operar no Brasil.

Essa ação foi impulsionada por dados alarmantes, que indicam que os brasileiros perderam quase R$ 24 bilhões em apostas nos últimos 12 meses, conforme estudo do Itaú com base em informações do Banco Central. O crescimento desse problema requer uma intervenção urgente…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.