Completamos 15 anos de vida agora em novembro. Já somos mocinhos! Ou, como depõem os cabelos brancos e, pior ainda, a ausência deles, já não somos mais mocinhos. Temos grande confiança de estarmos só começando. “Day One”, sempre. Mas, já podemos dizer: até aqui, foi uma bela jornada. E que timaço o nosso.
Nada poderia ter sido feito sem a ajuda da sorte. Sem ela, não se atravessa a rua. Também houve muito trabalho, claro. Mas, sem dúvida, foi a reunião de um conjunto formidável de pessoas, alinhadas numa visão de mundo e numa série de princípios, que nos permitiu chegar aqui.
Nesse período, fundamos três indústrias no Brasil. Começamos o research para pessoa física de maneira independente, introduzimos o marketing digital no mercado de capitais, acoplamos uma plataforma de investimentos a essa empresa originalmente de conteúdo. Mantivemos dois portais de notícias entre os mais relevantes do jornalismo econômico e financeiro do país, depois de termos sido sócios (no passado) de “O Antagonista”. Escrevi três livros que entraram para a lista de mais vendidos. Publicamos vários artigos em jornais e revistas de grande circulação. Fizemos eventos voltados ao varejo de nível semelhante àqueles anteriormente feitos apenas para investidores institucionais. Trouxemos para falar com nossos clientes: dois presidentes da República (FHC e Temer), dois prêmios Nobel de Economia (Daniel Kahneman e Richard Thaler), vários ministros da Fazenda e banqueiros centrais e uma coleção de filósofos, economistas, pensadores e atores.
No auge da pandemia, promovemos uma apresentação da peça “A Alma Imoral” no formato drive-in no Jockey e depois trouxemos a Fernanda Torres aqui no teatro B-32 para fazer aquela baiana encantadora e desbocada de “A casa dos budas ditosos”. Essas foram duas situações realmente especiais. Históricas, me permitiria dizer. A esquerda poderia (e deveria) gostar de empresário. A Faria Lima poderia (e deveria) gostar de arte.
Ah, claro, também erramos muito. Fizemos uma série de bobagens. Algumas delas, inclusive, indesculpáveis — a maior parte delas vindas de mim mesmo. Mas, no dia seguinte, estávamos de novo aqui, às 7h25 da manhã, trabalhando duro para levar às pessoas físicas ideias de investimento tão boas ou até melhores do que aquelas antes restritas ao público institucional.
Talvez essa tenha sido a maior lição ensinada pela vida dura de 15 anos: o vencedor não é o sujeito sem erros, tropeços ou atitudes vexatórias. Não estou dizendo um ou outro pequeno vacilo. Estou falando de grandes máculas mesmo. “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana. Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia. Que contasse, não uma violência, mas uma covardia.” O grande campeão é o sujeito que acaba de sofrer uma grande vergonha e, pouco tempo depois, está ali novamente de pé, pronto para uma nova luta, de cabeça erguida e bufando como um touro indomável à espera do momento de entrar na arena. Ele erra, erra, erra e continua. Pode atravessar a Sibéria, quase morrer de frio por meses, talvez anos, e seguir como um louco desacreditado arando uma terra infértil.
Nesses 15 anos, aprendi muito com as dinâmicas de mercado, as frustrações e dificuldades de empreender no Brasil, as pessoas inimagináveis que sequer sonhava em conhecer e, acima de tudo, os erros que cometi. Adoraria ter tido a sabedoria de aprender com os erros dos outros. Seria muito menos doloroso. A verdade, porém, é que não tenho essa tal sabedoria e precisei errar por mim mesmo. Talvez você seja muito mais esperto e possa aprender a partir dos meus equívocos. É por isso que resolvi dividir algumas coisas com você hoje. Espero mesmo que lhes seja útil.
Lá vão elas:
- Por mais dedicado e diligente que você possa ser, os ciclos de mercado serão sempre mais intensos, súbitos e aleatórios do que sua imaginação pode contemplar. Nunca subestime os malefícios da alavancagem e das restrições de liquidez.
- O longo prazo demora. Muito mais do que todos nós gostaríamos.
- Longo prazo é legal e costuma ser o único horizonte temporal possível para materialização de teses de investimento. No entanto, é muito mais difícil falar sobre ele se você não tem dinheiro ou sua empresa não gera caixa. Se o sujeito está com fome ou se a empresa tem uma amortização de dívida para pagar, só há o curto prazo. Muitas vezes, “longo prazo” é só um papo de gente rica e/ou platônica.
- O clichê “não há negócio ou contrato bom com gente ruim” é mesmo verdadeiro. A pessoa mal intencionada vai roubá-lo uma hora ou outra. Você pode e deve manter a guarda alta, mas é inevitável. Somos treinados naquilo que Malcolm Gladwell chama de “default to truth”. O cenário inicial é mesmo de confiar nas pessoas e nas situações. O inverso disso tornaria a vida inviável e paralisante. A paranoia pode até ser útil, mas há limites para isso.
- Nunca brigue com um porco, por mais certo que você esteja. Ele vai arrastá-lo para a lama, igualando a coisa e abalando sua higiene, muitas vezes de forma definitiva ou algo perto disso.
- Não se regozije com o sucesso. Muitas pessoas vão se aproximar de você e enaltecê-lo nos anos bons. Mas serão também os primeiros a abandoná-lo e defenestrá-lo no primeiro tropeço. Você é tão bom quanto seu último trade.
- O mundo é muito mais aleatório do que nós gostaríamos de conceber.
- Nietzsche estava certo: a razão é uma grande emoção, é o desejo de controle. As pessoas amam a baixa volatilidade, porque isso transmite a falsa sensação de que as coisas estão controladas. O viés existe, mas só no outro. Por mais que você tente ensinar isso às pessoas, elas não vão aprender. É quase como uma paixão pelo político de estimação. Você pode explicar. O ouvinte vai continuar apaixonado.
- Se a pessoa citou Deus ou alguma pseudociência numa tese de investimento ou para fechar um negócio, as chances são altas de dar errado. O ceticismo e o espírito científico são uma filosofia de vida. Se ele não tem essa abordagem no dia a dia, dificilmente vai escolher bem negócios, coisas, cônjuges ou empresas. Passam décadas e o mundo continua assombrado pelos demônios. Não dá pra ser cético e ter rigor metodológico apenas num determinado campo. É como ser corintiano metade do tempo. Não existe.
- O Brasil é cartorial, macunaímico, patrimonialista, medíocre, corrupto, machista e oligopolista.
- O Brasil é assustadoramente cíclico. Seus ativos financeiros também. Enquanto isso, as pessoas adoram confundir ciclos passageiros e situações circunstanciais com mortes naturais. Já mataram a renda fixa, o ouro, o bitcoin (várias vezes). Agora estão tentando assassinar os multimercados e as ações. A partir de 2026 (mais tardar), será exatamente o contrário.
- Não há amigos na Faria Lima. Um e outro são apenas exceções que comprovam a regra. Sendo mais rigoroso, pode até haver amizade, desde que vocês não concorram pelo mesmo bônus ou a mesma fatia do partnership. Se você está indo um pouco pior do que seu amigo, ele ainda vai gostar de você. Mude essa condição para experimentar mais bônus e menos um amigo.
- A meritocracia é um conceito incrível, mas sua definição foi totalmente corrompida. Ela se confunde com resultado, que muitas vezes decorre da sorte e da aleatoriedade. Nesse caso, nada tem a ver com competência e processo sistemático. Além disso, meritocracia requer igualdade das condições de partida. Liberal no Brasil é aquele que: defende a meritocracia desde que herde dinheiro do pai e uma doação Legacy numa Ivy League, além, claro, de ser aquele que se preocupa com a sexualidade do coleguinha e fiscaliza boçalmente o que cada um coloca pra dentro dos narizes, dos pulmões e das próprias veias, ainda que ele mesmo se entupa de Ritalina e Venvanse, e de um pequeno ciclo de Gh com clembuterol, porque, afinal, ninguém é de ferro.
- As pessoas vão defenestrar suas inovações. Se elas derem certo, em dois anos os críticos vão copiá-las.
- Erudição, lealdade, ética do trabalho, empatia e espírito científico não vão render um real a mais no bônus deste ano. Mas serão fundamentais para construir relações duradouras e uma carreira realmente consistente e vencedora a longo prazo.
- Ninguém está nem aí pra você. As pessoas não conseguem enxergar além do próprio umbigo e dos próprios boletos. A polêmica, o erro, a exposição ou o escândalo da vez parecem insuperáveis, mas a mácula será esquecida depois do primeiro final de semana. Somos todos um grande escândalo. Leve-se menos a sério e faça as coisas com amor e honestidade intelectual.
- Há duas formas de medir o valor de um homem: pelos seus inimigos e pelo tanto de verdade que ele pode tolerar.
- Bertrand Russell estava correto ao dizer que os idiotas estão cheios de certezas e os inteligentes recheados de dúvidas.
- Não há vida saudável (no aspecto mais amplo do adjetivo) sem dinheiro. Sem os boletos pagos, nada feito. Ao mesmo tempo, as coisas que realmente fazem a vida valer a pena não estão cotadas em Bolsa, nem em artigos de luxo.
- Há uma enorme assimetria de informação em favor dos amigos do Rei. Em vez de combatermos o problema, institucionalizamos o insider trading no Brasil, a partir do “quente/frio” que alguns gestores fazem com departamentos de RI antes de seus resultados ou em reuniões privadas em palacetes acarpetados com CEO/CFOs e meia dúzia de grandes assets. O passaporte de entrada se dá pela maior geração de corretagem na mesa.
- Muita coisa melhorou no mercado de capitais nos últimos 30 anos. Não é mais aquele bang-bang, mas os leilões de fechamento de algumas small caps continuam sendo escandalosos. O sujeito poderia ter comprado uma ação há cinco minutos por determinado preço, mas costumeiramente prefere esperar o leilão de fechamento para comprar 5% pra cima. De onde vem o fetiche em comprar mais caro se você pode comprar mais barato? Contém ironia, claro. Os minutos do after market são a forma mais “batom na cueca” de zerar as compras em excesso feitas no leilão de fechamento há poucos minutos. Eles não são marcados na cota e parece que ninguém está vendo.
- A CVM tem espetaculares servidores e processos internos. Mas ficou subdimensionada com congelamento de planos de carreira, salários e contratações. O mercado multiplicou por 10x e seu headcount continuou o mesmo. Ninguém faz milagre, por melhor que seja (e de fato é) seu corpo técnico. Se queremos um mercado mais justo e desenvolvido, precisamos de mais recursos para o regulador.
- Uma decisão sempre precisará ser julgada condicionada às informações disponíveis naquele momento, vislumbrando a distribuição de probabilidade de eventos prospectivos. Julgar com o benefício do retrovisor não vale. Infelizmente, nem 1% das pessoas do mercado pensa assim.
- A ditadura do argumento é ótima para premiar os treinados, formal ou tacitamente, na arte da retórica. Apenas nela.
- O mercado é absolutamente carente de capacidade de abstração e noções de epistemologia, mesmo entre seus maiores investidores, embora ele nunca vá admitir isso.
- Liderados não gostam de micromanagement, nem de ter uma relação ditada sobre o quê e como fazer. Faça-os se engajar obsessivamente em torno de um conceito e uma visão. Deixe-os trabalhar livremente a partir daí.
- Autocrítica é uma habilidade subvalorizada tanto em líderes quanto em liderados, mas principalmente entre os primeiros. Eles não estão preparados para essa conversa, por definição.
- Pessoas que levam decisões importantes para a esfera colegiada muitas vezes querem apenas tergiversar sobre a responsabilidade de decidir, embora se escorem na perspectiva de liderança horizontal ou valorização do ambiente democrático.
- A pessoa física pode investir muito melhor do que o institucional, pois tem muito mais flexibilidade, não presta conta a ninguém e sofre menos restrições de liquidez — ativos menos líquidos são justamente aqueles com maior possibilidade de subapreçamento, pois aqui existe menor eficiência de mercado. Além disso, há um conjunto de regras tributárias e isenções a seu favor. Use-o a seu favor.
- Se você teve uma ideia que julga boa e tem capacidade para executá-la, apenas siga em frente, de maneira obstinada, quase doentia. Ninguém acreditava no research independente no Brasil.
Obrigado a todos que estiveram conosco nesses 15 anos. Estamos prontos para os próximos 30.