“Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha…
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.”
Os economistas, e aqui também me refiro aos analistas/financistas, são parnasianos. Pra mim, são eles – não Bilac, autor das linhas acima – os verdadeiros poetas das estrelas. Vivem no mundo da Lua. Adoram construções criativas, formais e matematizadas, apoiadas no modelo da escola racional e de seu homo economicus, em detrimento da máxima que deveria nos guiar: precisamos ganhar dinheiro, não adivinhar o número do próximo Caged.
Talvez seja curioso que a resposta modernista a Nel mezzo del camin (o poema de abertura de hoje) seja a famosa brincadeira de Drummond: “No meio do caminho, tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.” Não há dúvida de que isso tem muito mais a cara de Brasil.
Por que desistimos de investigar a ação humana e nos debruçamos sobre a construção platônica do homo economicus? A mim, sempre interessou muito mais a forma como interpretamos a realidade e lhe damos uma configuração aparentemente lógica e coerente do que a realidade em si, que sequer sabemos se existe sozinha. O tal valor intrínseco defendido pelos value investors, na verdade, depende dos olhos do observador, de tal sorte que perde imediatamente seu caráter intrínseco (próprio, inapartável, indissociável) para tornar-se extrínseco.
Como o cérebro cria significado? Como capturamos diferentes fragmentos do mundo e os colocamos juntos para formar uma construção coerente da realidade? Como alimentamos nossa memória de modo a fazer uma narrativa subsequente da nossa vida? Como o entendimento de uma pessoa muda com o contexto em que vê um determinado fenômeno?
Em linhas gerais, essas foram as perguntas que fundamentalmente colocaram os psicólogos da Gestalt em oposição aos behavioristas. E também aquelas que atraíram Daniel Kahneman, posteriormente agraciado com prêmio Nobel de Economia, às Finanças Comportamentais. Se, naquela época, Skinner e seus discípulos insistiam em estudar o comportamento dos ratos, os economistas não faziam outra coisa senão estudar também um outro animal, o homo economicus, que nada ter a ver comigo ou com você.
As coisas são mesmo paradoxais.
A Economia deveria ser a ciência que estuda o comportamento dos agentes econômicos. Ela, porém, estuda um bicho que não age na realidade. Ele apenas faz cálculos matemáticos perfeitos, incorpora ao preço dos ativos toda a informação disponível e não comete erros sistemáticos.
Com isso, ignora que, no Brasil, eventos raros acontecem todo dia. Aqui, não há uma única pedra no meio do caminho. São vários obstáculos na via. Mais do que isso, são vários caminhos possíveis. E várias interpretações para cada um dos caminhos.
Você pode interpretar a derrota da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais como um sinal das dificuldades de se caminhar com a agenda liberal e com as necessárias reformas estruturais. Eu respeito e admito essa possibilidade. Minha visão, porém, é diferente. Nessas de mudança gestáltica, o ângulo daqui sugere apenas um cochilo do governo e, mais uma vez, o caráter modernista e macunaímico do PMDB. Foi a articulação nefasta de Renan Calheiros que barrou a aprovação.
As derrotas, contudo, impostas pelo próprio partido do governo talvez sejam controladas e de pouco efeito prático. Importa mesmo o plenário e ali o jogo pode ser outro. Por enquanto, agradamos a torcida e a mulher, claro, no caso de Eduardo Amorim – o futuro do País lhe impacta menos do que dormir no sofá. Pondero também que o pequeno susto serve para acordar o governo, retirar a sensação de jogo ganho, que pode evitar surpresa no momento que realmente importa. O que mais me preocupa é sempre a falta de volatilidade, a percepção de que está tudo calmo. Se você entra no jogo desligado, a chance de tomar um gol é muito maior.
Com a crítica acima ao PMDB, não se pretende retirar a responsabilidade dos tucanos. Com o voto contrário de Eduardo Amorim – ele nunca me convenceu; sempre achei que o mérito daquela Copa do Brasil de 1995 era do Marcelinho -, o PSDB, que ameaçou abandonar o governo para ficar com as reformas, abandonou as reformas para ficar com o governo.
O partido que se colocava como o bastião da agenda liberal vota contra a reforma que flexibilizaria o mercado de trabalho. E a esquerda, do alto da sua demagogia hipócrita, supostamente se coloca ao lado do trabalhador com o discurso de preservar direitos, enquanto, na verdade, apenas ajuda a manter 14 milhões de pessoas desempregadas. O discurso é tão burro que Humberto Costa chegou a dizer que essa era a maior derrota do governo Temer – ora, se essa é a maior derrota, a oposição realmente é pífia, pois o movimento na Comissão de Assuntos Sociais tem zero efeito prático.
Gostaria ainda de pontuar outras duas divergências de interpretação. A primeira sobre o fato estilizado que ainda permeia relatórios de analistas e reportagem na imprensa pseudoespecializada, de que os mercados se mostram muito calmos desde a delação da J&F – o Ibovespa cai quase 10% desde então e o dólar subiu cerca de 7%. Em dólar, portanto, o investidor estrangeiro em ações no Brasil perdeu quase 20% em um mês, diante de patamares já deprimidos historicamente para o Ibovespa em dólares, enquanto as bolsas internacionais renovam recordes sucessivamente.
O outro elemento se refere à alta dos juros futuros por conta de aversão a risco ligada a emergentes diante do bear market adentrado pelos preços do petróleo – Petrobras tem respondido à queda da commodity no exterior, fruto de preocupações com excesso de oferta, com reajustes para baixo no preço da gasolina. Se vier mais um movimento nesse sentido, pode ajudar à manutenção do ritmo de queda da Selic na próxima reunião do Copom, o que forçaria um ajuste importante em toda curva, hoje cética quanto à possibilidade de o juro básico ir abaixo de 9% e por lá se manter por bastante tempo.