Eu me conheço suficientemente bem para duvidar de mim mesmo.
Também duvido de interpretações alheias que pretendem-se certeiras e simplistas.
Ontem, li assim, ipsis litteris:
“A volatilidade vem cedendo rapidamente, o que oferece maior grau de certeza.”
Não vou aqui narrar mais uma vez a parábola de peru de Natal de Bertrand Russell, porque ninguém aguenta mais. Talvez eu pudesse perguntar qual era a volatilidade das torres gêmeas às vésperas do 11 de setembro de 2001, da indústria de Fukushima no momento imediatamente anterior ao fatídico maremoto, da favela em que morava Baiano no filme Tropa de Elite logo antes da súbita chegada de Capitão Nascimento. Qualquer situação capaz de descrever a calmaria antes da tempestade. A volatilidade comprime, todos tomam risco e intempestivamente ela explode, pegando geral de surpresa, quando estavam mais posicionados, atraídos pela equivocada percepção de baixo risco.
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O mais surpreendente é que as pessoas não aprendem. Não precisamos ir muito longe. Até a quarta-feira anterior ao vazamento do tal áudio do Joesley, a volatilidade era baixíssima e unidirecional. Então, veio a delação da JBS e varreu todo mundo. Todo mundo entregou as calças na quinta-feira surpreendido com o súbito aumento da vol e fez o quê? Nada. Continuou acreditando que a baixa volatilidade pra frente significava maior grau de certeza – não faz nem um mês que tivemos uma lição pragmática e poderosa de que não funciona assim. Uma das definições de loucura é repetir o mesmo procedimento e esperar um resultado diferente.
Às vezes, eu penso que todos são loucos por essas bandas. Veja se não são:
i. Nosso Banco Central reage a um aumento da incerteza com o compromisso de uma única resposta certa – e depois tenta amenizar na ata;
ii. A ação no TSE que pode derrubar o presidente Michel Temer – claramente uma medida de oposição – foi iniciada pelo PSDB, hoje um dos principais partidos da situação e, pragmaticamente, a própria sustentação do governo;
iii. A renda fixa é o lugar onde se busca ganho de capital, enquanto a Bolsa é hoje destino dos ávidos por yield;
iv. A maior corretora independente do Brasil, ou seja, não ligada a bancos, tem como um de seus principais acionistas o maior banco privado brasileiro;
v. O ministro da Fazenda, o bastião das reformas, da ética e da moral, defendido por onde anda, em especial na Faria Lima e no Leblon, era há poucos meses chairman da J&F.
O Brasil me lembra as mulheres de Brás Cubas, em especial Eugênia, que era bonita, mas tinha um pequeno defeito físico: era ligeiramente coxa. Eu me pergunto: por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita? Já o Congresso me remete à Marcela, que amou o protagonista por 15 meses e 11 contos de réis.
Talvez louco seja eu mesmo. Sei lá, mais provável que seja. Somente os heróis do mercado financeiro podem medir a incerteza, quantificando-a brilhantemente por meio da volatilidade.
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Eu, que me encanto diariamente pela lógica e pela intuição, enquanto me derreto de saudades por ambas quando venho trabalhar, ainda estou em busca do heroísmo genuíno. Essa expressão é título de um dos textos mais bonitos que já li na vida, do André Lara Resende – fiquei feliz por descobrir que ele mesmo mantém um carinho diferenciado pela obra, por ali reconhecer algo verdadeiramente especial.
Até a revolução francesa, o “plano superior” servia-nos como referência ética e moral. Estava claro quem era nosso herói. Deus ditava as regras a serem perseguidas e a nós bastaria “walk the line”, seguir a linha traçada pelo que vinha imposto de cima.
Com a luz da razão chegando com a onda iluminista, matamos a prerrogativa. Ficamos sem a referência ética e moral, pois não colocamos nada no lugar anteriormente ocupado pela ditadura do plano superior. Estamos até hoje procurando por heróis, em vez de simplesmente reconhecer que eles não existem. A verdadeira referência ética e moral só existe dentro de nós mesmos. Somos nós quem a fazemos, nessa caminhada meio gauche – pessoalmente eu prefiro Lou Reed e seu “take a walk on the wild side”; hoje é um bom dia para isso, aliás sempre é.
Conforme lembra Eduardo Giannetti, com o brilhantismo de sempre, elegemos outros deuses na era moderna, pós-moderna, pós-graduada ou sei lá o que. A ciência, a tecnologia e o dinheiro foram tentativas criadas de preencher o espaço vazio. Eles, porém, são insuficientes para ocupar nosso vazio existencial. Esse segue dependente de outras coisas.
Em outras palavras, devemos desistir dos heróis. O grande heroísmo no mercado de capitais brasileiro está em reconhecer que não há herói algum. Um dos gestores de ações que eu mais admiro na vida é o André Ribeiro, da Brasil Capital, porque seu maior brilhantismo está em reconhecer que brilhantismo conta pouco – ele mesmo não se diz brilhante, embora o histórico de seu fundo insista em dizer o contrário.
Se você procura um arquétipo em Bolsa, o herói não é o mais adequado. O herói é, na verdade, fraco, afobado, luta sozinho e às vezes até morre no final – o Wolverine mesmo morreu no Logan; desculpe o spoiler mas aquilo partiu meu coração.
Considere o sábio. Ele é paciente e sereno. Essas são as virtudes que você precisa ter quando o momento é altamente incerto, exatamente como o atual. Isso não tem absolutamente nada a ver com volatilidade.
Veja como o governo, aos trancos e barrancos, segue caminhando com a pauta de reformas. Ontem, a reforma trabalhista foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos. Cresce o discurso de que alguns partidos podem formalmente desembarcar do governo, mas manterem seu apoio às reformas. E é isso que interessa.
Ao mesmo tempo, começa a se formar um consenso nas expectativas de que o TSE deve absolver o presidente Michel Temer, o que talvez dê força também à tese de absolvição das reformas. A Previdência parecia impossível há alguns dias; agora ela já é contemplada novamente entre as possibilidades. Talvez o resultado do TSE fortaleça isso.
Se estendida, a recuperação da economia também pode retirar a pressão das ruas pelo “Fora, Temer”. Veja que hoje o IGP-DI apontou nova deflação, de 0,51 por cento – embora menos intensa do que o esperado, ainda sugere um cenário de preços sob controle, pavimentando a via para reduções adicionais da taxa Selic, provavelmente para baixo de 9 por cento ao ano. Note também que a OCDE acaba de revisar para cima suas projeções para o crescimento do PIB brasileiro neste ano – de 0 para 0,7 por cento.
Mais uma vez, a paciência, a diligência e a disciplina tendem a ser recompensadas ao final do processo. Reitero a convicção de que estamos num long trend de alta para os ativos brasileiros, com sustos, barreiras, desconfianças, desespero, choro e ranger de dentes no meio do caminho.