“Pai, como faz o drible do Zidane?”
A pergunta me recebeu na manhã de sábado, quando fui pegar o JP na casa da mãe para passarmos o final de semana.
“Pega a bola lá que o papai te mostra.”
Confesso: foi desafiador. Minha única semelhança com o Zidane é a calvice. Ah, lembrei de uma outra também, mas deixa essa pra lá. Zagueiro esforçado, mostrei da forma que pude o drible em que se caminha por cima da bola.
“Faz de novo?”
Ok, de novo.
“Pronto. Agora vamos?”
“Vamos.”
“Dá um beijo na mãe.”
Passadas 24 horas, cumprindo com o cronograma tradicional, ontem fui pegá-lo novamente – ele dorme em casa às segundas-feiras. Quando caminhava para cumprimentá-lo com um beijo, fui subitamente interrompido:
“Pai, ó… é assim?”
Lá foi ele executar bonitinho o tal drible. Controlou a bola com o “pé bom”, pisou sobre ela com o mesmo pé direito, virou-se noventa graus e, enquanto descia o pé direito para o chão, ergueu a canhota, colocando-a sobre a redonda e rodando sobre ela feito um peão. Saiu do outro lado com o giro completinho.
Obviamente, o movimento não teve a mesma plástica nem a velocidade do Zizu, mas a essência estava ali. Ele viu o drible por duas vezes e, pronto, pode executá-lo.
Como não se apaixonar?
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Corujices à parte, aquilo foi particularmente emocionante porque encontrou ressonância dentro de mim. Vi a mais pura e impressionante capacidade de aprendizado, demonstrada na prática, de forma tácita, sem fórmulas ou equações. Observação, atenção, processamento, repetição e execução.
Pra mim, o que verdadeiramente distingue as pessoas, em especial no mercado financeiro, é a capacidade de aprendizado. Fiquei especialmente satisfeito ao conversar com o Roberto Sallouti, presidente do Conselho do Graded (e também CEO do BTG, mas isso é menos importante para os fins aqui pretendidos), e descobrir que a educação de ponta hoje caminha justamente para focar no fomento à capacidade de aprender, em vez de empurrar fórmulas, teoremas e tabuadas decoradas aos alunos.
Os mercados financeiros a cada dia vão lhe mostrar uma situação nova em que pouco adiantará recorrer à experiência pregressa. Você precisa estar pronto para adaptar-se àquilo que é inédito, para decidir sob um panorama absolutamente novo, de ser resiliente sobre o inesperado.
A cada dia, deve-se estar preparado para aprender sobre uma nova empresa, um novo setor, uma nova estrutura de investimento. Diante de cada contexto nascente, usar a experiência anterior para aprender como agir diante do novo, em vez de simplesmente aplicar rigorosamente o mesmo método antigo, que, por definição, estará ultrapassado.
Ninguém está pronto. Essa é uma constante travessia, em que estamos sempre aprendendo. Qual a informação mais importante? Aquela que você está estudando no exato momento ou no próximo. Cerque-se de pessoas com a mesma atitude – se há um ponto positivo de a Empiricus ter crescido um pouquinho é que hoje podemos conversar com muita gente boa e isso facilita enormemente o trabalho. A interlocução com pessoas mais competentes e inteligentes que você é uma via bastante profícua para o aprendizado.
Se eu não estiver em movimento intelectualmente, me sinto apodrecendo. Se você para de crescer, você morre, resumiria Phil Knight – isso vale para o âmbito empresarial e também intelectual.
No momento, tenho me dedicado à inteligência artificial e seus impactos sobre a indústria financeira. Chega a ser curioso pois, neste momento, o texto assume quase uma espécie de metalinguagem. A ciência e a engenharia de produzir máquinas inteligentes assenta-se justamente na ideia de que se aprende a partir de uma situação origina e produz-se um resultado à frente gerado a partir desse aprendizado.
Nunca fui muito ligado a tecnologia. Entretanto, pra mim, o mundo agora caminha para isso – ao menos esse mundo aqui das finanças. Cada vez mais, vejo uma menor interferência humana, com o robo advisor ocupando boa parte da figura da gestão de ativos. Ele aprende seu perfil a partir de suas respostas e de seu próprio comportamento.
Em pouco tempo, algum aplicativo deve surgir funcionando como um grande marketplace em seu celular, em que você vai poder, com um clique, identificar em qual corretora está ofertada aquela LCI com taxa mais atrativa, qual cobra a menor corretagem, em que plataforma estão seus fundos de investimento favorito.
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Esse talvez seja o caminho para resolvermos um histórico conflito do mercado financeiro, em que os vendedores (gerentes e/ou agentes autônomos) são comissionados pela venda de determinados produtos. Por mais que isso tenha melhorado destacadamente nos últimos anos e haja agentes autônomos muito competentes e bem intencionados, a estrutura do incentivo é montada errada – e está no livro mais trivial de Economia: as pessoas respondem a incentivos.
Se o sujeito ganha 5 de comissão para vender um determinado produto e 2 para vender um outro, então ele vai claramente tentar empurrar-lhe o de maior comissionamento, que não necessariamente é o melhor para o cliente.
Veja que lá fora o mercado já caminhou nesse sentido. A Schwab tem em sua filosofia: “liguei para a gente, porque nenhum de nossos vendedores vai ligar para empurrar produtos”. É bem diferente de tentativas de vender um determinado fundo com discurso de que “este gestor nunca perde” ou o fingimento de que um certo fundo tem gestão de um grande gestor, quando não tem.
Embora a XP esteja hoje bem à frente das demais corretoras independentes brasileiras (de fato, está, com todos os méritos), nesse ponto específico o modelo da Easy, sem agentes autônomos, é mais alinhado ao interesse do investidor, pois nela impera o conceito do self-direct, em que o próprio investidor decide o que comprar.
Infelizmente, nem todo mundo entendeu ainda. A própria XP, que eu admiro profundamente, planeja continuar crescendo com a mesma estratégia pautada em agentes autônomos – e nenhuma menção a um bom research (eu me pergunto como pode haver boas ideias de investimento sem uma boa pesquisa). Genial e BTG Pactual também pretendem plugar em si alguns agentes autônomos, inclusive alguns egressos da XP.