Você é convidado para aquele churrasco em Mongaguá, regado a muita Itaipava e cigarrinhos do capeta para abrir o apetite. A turma vai comemorar o batizado do filho do seu cunhado.
Sensibilizado pelo irresistível convite – e pela impossibilidade objetiva de recusar (ou terá de dormir no sofá pelas próximas 47 semanas) -, você consulta a previsão do tempo.
Se há certeza de Sol, separa os óculos escuros e a sunga ou o biquini. Certos do tempo bom, vamos curtir o verão na instância de Monga.
Se há variadas possibilidades (Sol, tempo nublado, garoa fina e tempestade), você se prepara para tudo. Faz uma mala giga com óculos escuros, sunga, sobretudo, guarda-chuvas – alguns levariam cachecol ou, quem sabe até, um xale.
Diante da ampliação do leque de cenários possíveis de ocorrência, você responde também ampliando sua caixa de ferramentas. Se há incerteza, devemos estar abertos a respostas apropriadas para cada um das possibilidades à frente, sem comprometimento a priori com óculos escuros ou guarda-chuvas apenas. É um imperativo lógico. Um cenário, uma resposta objetiva. Vários cenários, várias possibilidades de resposta.
Guarde a metáfora. Ela pode ajudar a entender o argumento de que o Copom, ao comprometer-se com um ritmo menor de corte da taxa Selic em sua próxima reunião, incorreu não somente num erro técnico, mas também feriu a lógica formal.
Apenas para relembrar a questão factual e permitir caminhar mais facilmente com a exposição: na noite da última quarta-feira, o Copom reduziu a taxa Selic em 100 pontos-base e afirmou, explicitamente, até numa sinceridade e num comprometimento ex-ante um pouco além do usual para a ortodoxia da política monetária, que deve diminuir o ritmo de cortes no juro básico, diante do aumento das incertezas, sobretudo na esfera fiscal. Era uma referência clara à deterioração do ambiente para as reformas após a delação da JBS.
Há, claro, três possibilidades sobre o choque associado àquela fatídica e nojenta gravação: i) ele é inflacionário; ii) ele é neutro; e iii) ele é deflacionário.
Pessoalmente, entendo que ele seja deflacionário. Afirmo isso porque a incipiente recuperação da economia vista no primeiro trimestre encontra dificuldades adicionais agora. A elevação da incerteza atrasa decisões de investimento e de consumo, o que flerta com a convivência de um hiato do produto ainda maior.
Ainda que não seja grande, há outro efeito imediato do evento, ligado ao efeito-riqueza. Ele costuma ser menor no Brasil do que em outros países, mas existe. Com a deterioração do preço dos ativos, principalmente na renda fixa (o que pode ter assustado e surpreendido muita gente), cai o patrimônio das famílias, ceteris paribus, reforçando de novo a ideia do hiato do produto.
Tudo permeado por um ambiente em que a inflação está no chão, com indicadores, a cada dia, surpreendendo positivamente – hoje foi a vez do IPC-Fipe, com deflação de 0,05%. E expectativas de inflação que permanecem bem ancoradas, a despeito de uma incremental deterioração, sem prejudicar o argumento.
Do ponto de vista prático, dado o mergulho da inflação em ritmo superior à queda da Selic, o Banco Central impõe um aperto monetário, pois observamos um incremento do juro real, aquele que efetivamente influencia a decisão dos agentes econômicos.
Cumpre ainda dizer que as commodities têm registrado queda no exterior nas últimas semanas, notadamente as metálicas e o petróleo. Isso enseja prognóstico de IGPs menores, com desdobramentos subsequentes para os IPCs. O fato de a Petrobras seguir mais de perto os preços internacionais já pode representar imediato efeito sobre os preços na ponta.
Como contra-argumentos principais, aparecem: i) a preocupação com o comportamento da taxa de câmbio, cuja eventual desvalorização catalisaria, via repasse cambial, aumento da inflação; ii) a elevação do juro neutro por conta da cobrança de maior prêmio diante do imbróglio institucional; e iii) a credibilidade do Banco Central poderia estar em xeque; e iv) as reformas estariam agora em risco e o principal componente inflacionário brasileiro é justamente fiscal.
Podemos rebater um a ano. Embora tenha subido, a taxa de câmbio permanece muito bem comportada. Claro que tudo pode mudar nos próximos 45 minutos. Mas a realidade hoje é essa. O câmbio não parece, neste momento, impor qualquer risco inflacionário aos patamares atuais, principalmente quando ponderamos pela perspectiva histórica de que o pass through cambial costuma ser menor em momentos de elevado hiato do produto.
Quanto ao segundo ponto, ainda que a taxa de juro neutra possa ter aumentado graças ao ilustríssimo Sr Joesley (muito obrigado!), ainda estamos muito longe dela. Poderíamos seguir cortando a Selic ao mesmo ritmo por algumas reuniões antes de atingir essa criação platônica chamada “taxa de juro neutra”, mesmo que ela tenha aumentado.
Sobre iii), sequer consigo imaginar como a credibilidade do Banco Central, supostamente a principal responsável para a queda da inflação nos últimos meses segundo alguns doutores, poderia ser afetada pelo simples não comprometimento a priori com um determinado ritmo à frente. Ao contrário, a política monetária estritamente ortodoxa dificilmente (para não dizer “quase nunca”) se compromete ex-ante com um determinado tamanho de futuro corte de juro.
Quanto ao último ponte, de fato, é aquele de minha maior preocupação. Sem as reformas fiscais, a dívida explode, os investidores exigem mais juros para estar em ativos brasileiros e, provavelmente, a inflação explode, exercendo uma espécie de “calote branco”, corroendo as dívidas.
Mas também não temos convicção de que a pauta de reformas foi abandonada. Ao contrário, mesmo que combalidas e atrasadas, elas ainda são meu cenário base. E mesmo se assim não for, o impacto imediato sobre a inflação desse elemento não é expressivo, tampouco é provável que seja capaz de sobrepujar todos os outros elementos supracitados.
Esse panorama parece reforçar a ideia de que o choque, em termos líquidos, acaba sendo deflacionário. Eu admito, porém, que possa estar errado. De fato, há bons argumentos para defender a tese contrária, principalmente sob a ótica fiscal. A questão é impossível de ser escrita na pedra neste momento, dado o cenário de incerteza.
Agora, se a incerteza e o leque de possibilidades à frente aumentou, por que havemos de nos comprometer com uma resposta específica? Vários cenários e uma só ferramenta? Por que isso?
A frase: “Em função do cenário básico e do atual balanço de riscos, o Copom entende que uma redução moderada do ritmo de flexibilização monetária em relação ao ritmo adotado hoje deve se mostrar adequada em sua próxima reunião” não poderia ser substituída por “Em função do cenário básico e do atual balanço de riscos, o Copom entende que será necessária uma avaliação do ambiente até sua próxima reunião para decidir sobre o ritmo da flexibilização monetária daqui pra frente”?
Ou então: “Em função do cenário básico e do atual balanço de riscos, o Copom entende que uma eventual redução moderada do ritmo de flexibilização monetária em relação ao ritmo adotado hoje pode se mostrar adequada em sua próxima reunião.” A simples introdução da palavra “eventual” preservaria graus de liberdade do Banco Central, permitindo-o, sem constrangimentos, manter o ritmo atual caso o choque, de fato, se prove deflacionário.
Aqueles mais afeitos a elucubrações talvez apontem que a mensagem explícita do Banco Central vem justamente para mostrar a importância das reformas e atuar como uma espécie de moeda de troca. “Se querem ver o juro caindo, então aprovem as reformas.” Pode até ser, mas esses me perdoem, pois isso está fora da alçada do Banco Central.
Se há uma parte boa nisso tudo, é que poderemos ganhar dinheiro com a oportunidade aberta. Hoje, a curva de juros supõe 9 por cento de taxa Selic ao final de 2017 e 10,25 por cento em dezembro de 2018. Há muito prêmio a ser capturado ai. O call mais simples e lucrativo hoje parece ser comprar prefixados em torno de 2019/20.
Como diria meu amigo André Kiss, com o perdão de minha falta de patriotismo neste momento, “se cê fô vê, pá nóis, foi até mió.”