O que você pensaria se mais um presidente caísse e, mesmo assim, aprovássemos as reformas fiscais, ainda que um pouco atrasadas e com, na margem, concessões adicionais?
Obviamente, me refiro estritamente ao escopo dos mercados/investimentos. Tenho verdadeiro interesse por suas críticas ao País, à falta de uma ética do trabalho, ao caráter macunaímico dos políticos e, sim, também da população que adora um direito e se esquece da contrapartida dos deveres, à cultura da corrupção e por ai vai. Mas podemos discuti-las numa mesa de bar. Gosto do negroni do Boca de Ouro, ali em Pinheiros.
Não há apreço algum pela figura do presidente Michel Temer. A importância está na evolução das reformas. E se elas forem aprovadas mesmo depois de cair mais um presidente, a tese em favor da reconstrução do País volta mais forte. O que mais faltaria? O que de pior poderia acontecer?
Estamos exatamente diante do teste do modelo. A mera hipótese (de renascimento do País) está sendo confrontada com a antítese (explosão fiscal) da forma mais cruel possível e, ao que parece, caminha para sair vencedora. Ao menos até agora, claro. Estamos vivendo uma aceleração do Plano de Metas: 50 anos em cinco horas; tudo pode mudar subitamente – quando me perguntam aqui “o que vamos escrever amanhã?”, eu tendo respondido (mesmo!): “até amanhã há, pelo menos, um ano e meio”.
Quando a antítese confronta a tese e sai perdedora, a síntese se forma. E, por definição, há síntese há de ser mais forte do que a tese.
O bull market passa necessariamente por correções, por testes, barreiras, momentos de incredulidade, cisnes das mais variadas matizes, incertezas, sustos, volatilidade, etc. Todos eles, quando se materializam, parece insuperáveis. Mas se superamos obstáculos aparentemente intransponíveis, saímos mais confiantes no futuro. Cada vez que retrocedemos, voltamos mais fortes. Caia sete vezes, levante oito.
Lembro do one hit band The Mighty Mighty Boss Tone em, claro, seu one hit The Impression That I Get: “I’m not a coward, I’ve just never been tested. I’d like to think that if I was I would pass.” Enquanto não é testado, você pode até achar que conseguiria passar. A certeza mesmo só vem depois do teste e de sua superação.
O cenário mais provável que vem se consolidando – de novo: ao menos até agora; são 8h52 da manhã no momento em que bato na tecla 8 – é de uma transição negociada e consensual, provavelmente depois da cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, capaz de dar consecução às reformas trabalhista (mais fácil) e da previdência (mais difícil; chances maiores de que aprovemos subsequente à deposição de Temer uma espécie de minirreforma, com idade mínima e que garante cumprimento do teto de gastos no curtíssimo prazo – é isso que interessa agora; em 2019, voltaríamos à pauta da Previdência, com maior profundidade, abrangência e amplitude).
A isso se soma o ambiente externo em que os prêmios de risco estão bastante comprimidos. Há uma grande complacência no apreçamento dos ativos financeiros em âmbito global e negligência de riscos, o que faz com que investidores estrangeiros enxergam o copo meio cheio por aqui (e todos sabemos que seria perfeitamente factível vê-lo meio vazio – decapitar dois presidentes em um ano é coisa de Game of Thrones, não de House of Cards).
Claro que, lá na frente, tudo vai acabar como sempre acaba. Dê o nome que quiser ao evento: Minsky Moment, em referência ao economista Hyman Minsky, ciclos de boom and bust de George Soros, ou qualquer outro de seu gosto pessoal. Anos e anos de excesso de liquidez, estímulos excessivos à tomada de risco e muito crédito (principalmente na China) cobrarão seu preço. Mas isso não parece ser coisa para agora. O ambiente externo tem se mantido bastante favorável a equities e a mercados emergentes em geral. É gringo quem forma preço.
A combinação dos dois fatores (cenário internacional positivo e superação do teste do modelo) pavimenta a via para o cumprimento daquela que tem sido nossa tese estrutural: viveremos um bull market de 3-5 anos, daqueles capazes de multiplicar seu capital por 7x. Poucos sabem exatamente o que é isso. Mas todos os poucos que sabem e o aproveitaram tiveram estômago para tolerar a volatilidade, mantiveram-se fiéis a seus métodos e suas convicções e, no meio do caminho, morreram de medo de que não daria certo, mas não cederam.
Antes de ir às questões mais cotidianas, gostaria de aproveitar a recuperação (mais rápida e intensa do que todos supunham) dos mercados nos últimos dias para pedir-lhe, de forma gentil e humilde, para se lembrar de três coisas. Minha sensação pessoal é de que elas podem lhe ser úteis na próxima crise:
1- Não se superestime. Não me superestime. Não superestime seu gestor de investimentos. Nenhum de nós pode prever movimentos súbitos do mercado, como o ocorrido na quinta-feira. Mesmo o mais genial dos gestores é falível. Tenha sempre um portfólio diversificado e seguros em sua carteira – normalmente, você vai perder dinheiro com os seguros, mas a primeira vez em que usar a UTI dará graças a Deus por ter sido roubado pelas seguradoras por tanto tempo. Não acredite demais em teses de investimento. Elas podem se desmanchar subitamente à primeira surpresa. A linha entre o falso e o verdadeiro é mais tênue do que imaginamos e seu cérebro vai sempre tentar lhe convencer de que há retidão, previsibilidade, controle sobre as coisas – essa falsa sensação de que existe um padrão e um sentido nos dá conforto.
2- Tome cuidado com stops. Da mesma forma com que ninguém previu o banho de sangue da quinta-feira, todos foram incapazes de prever a rapidez e a magnitude da volta. Se você stopou suas posições, possivelmente deu início da uma corrida atrás do rabo e, agora, não volta nunca mais. Era melhor se proteger antes do que stopar. Acima de qualquer outra coisa, por favor, não entre em pânico. Olhe com afastamento o processo. Grace under fire. É isso que separa os meninos dos homens (vale também as versões para mulheres, gays, lésbicas, simpatizantes, transexuais, travestis, bissexuais, pan-sexuais e qualquer outra variação que eu desconheço, mas mesmo assim admiro profundamente).
3- Leia Eclesiastes: abaixo do céu, tudo é vaidade. Quando as coisas estão bem, há uma tentação gigantesca de se achar um gênio – provavelmente, é só um bull market. Mas ainda que você seja um gênio, há vários outros gênios por ai – o maior gênio brasileiro caiu 2,7 por cento na quinta-feira, ok? Quando suas posições vão subindo e subindo, você tende a ser empurrada para mais tomada de risco, para uma sobrealocação em coisas que cair súbita e vertiginosamente. Belisque-se diariamente. Aproveite momentos de volatilidade baixa para comprar seguros – eles estarão mais baratos nessas horas. Se sua carteira de ações estava subindo 20 por cento até a quarta-feira da semana passada, por que raios você não topou gastar 0,5 ponto percentual do portfólio para, supostamente, “queimar” em puts fora do dinheiro? Subir 19,5 por cento estaria ruim para você? Se tivesse feito isso, com alguma tranquilidade, poderia ter visto sua carteira de ações caindo somente 2,5 por cento na quinta, ainda com ganhos brutais. Mas se você não topa os seguros, por favor, ao menos acredite nisso: termo, alavancagem, vendido em vol e timing the market são expressões proibidas.