Investimentos

Por onde eu começo?

Podem me chamar de pessimista ou negativista, mas acho que deve-se começar pelo que pode dar errado.

Por Felipe Miranda

16 maio 2017, 10:16

Normalmente, é assim: a pessoa, seja ela leiga ou profissional sofisticado, tem um dinheiro para investir. Não importa muito se é grana própria ou administração de recursos de terceiros. Funciona da mesma forma. Ela procura estudar/antever o cenário provável à frente – pode ser na esfera macroeconômica ou no âmbito dos fluxos de caixa das empresas – e, sendo esse favorável àquela oportunidade de investimento, decide aplicar seus recursos. Vasculham chances de lucro para decidir onde investir. Sem tempo a perder, só querem saber do que pode dar certo.

Eu penso diferente. Acho que deve-se começar pelo que pode dar errado. Podem me chamar de pessimista ou negativista. Eu não ligo. Já fui coisa muito pior. No passado, foi acusado até de ser um economista – para minha mãe, nunca contei; a versão oficial é muito mais benigna: digo que toco piano num bordel.

“Start looking from the tail”, diz Nassim Taleb. Ou seja, inicie a tomada de decisão dos seus investimentos olhando para a cauda negativa, pelo que pode dar super errado. Não no sentido de prever exatamente qual será o evento desfavorável. Mas assumindo qualquer desastre capaz de lhe impor perdas além daquelas que você tipicamente toleraria.

Parece um pouco paranóico. E, de fato, é. Mas isso é bom. Essa obsessão pela possibilidade de tragédia vai exigir de você conviver com uma boa reserva de emergência, uma elevada posição de caixa, alguma exposição aos portos seguros tradicionais como dólar, iene, franco suíço, ouro, e/ou, de forma um pouco mais sofisticada, comprar puts (opções de venda) fora do dinheiro – não se assuste com essa última alternativa; ela é mais simples do que parece e se você ainda se sente desconfortável com a prática, precisa ler este material.

Fique com a abordagem que mais lhe convier entre as supracitadas. Apenas adote alguma delas de modo a endereçar sua paranoia. O processo de investimento e construção de patrimônio não é uma regata. Ao contrário, é uma maratona cujo objetivo é apenas chegar. Talvez nem tenha uma linha de chegada. Você apenas precisa continuar correndo. No meio do caminho, haverá vários momentos em que a dor virá visitá-lo impondo dificuldades aparentemente intransponíveis. A partir dali, provavelmente ela será uma companheira fiel e inseparável. Apenas não pare.

Você não pode morrer (financeiramente) no meio do percurso. Depois que é eliminado do jogo, simplesmente não volta – a construção de patrimônio passa por um processo de histerese e é path dependent (a ordem dos fatores altera o produto). Ganhar 10 milhões e depois perder 2 milhões é diferente da ordem inversa. Se você começa devendo 2 milhões, provavelmente nunca chegará a ter 10 milhões.

É justamente a paranoia de que algo pode dar errado que vai lhe permitir atravessar a maior das tempestades. Elas existem e chegam para nos perturbar quando menos esperamos. Assim, a ideia é sempre esperar por elas. É por ai que você deve começar. Somente depois de estarmos preparados para uma eventual catástrofe, podemos pensar no que pode dar certo.

E o que pode dar errado hoje?

Uma recuperação aquém do esperado da economia brasileira.

Isso preocupa? Claro que sim. Mas muda pouco em termos de alocação. Se assim for, é juro muito para baixo. E ganhamos no pré e na posição em Bolsa, que vai se beneficiar da migração em direção à renda variável mesmo sem tanto crescimento de top line (empresas muito mais enxutas hoje e todo mundo ainda subalocado em ações).

O que mais?

Cenário externo, com valuations esticados para algumas bolsas e, principalmente, risco-China, que me parece uma bomba relógio. Ok, ok, você vai dizer que parece uma bomba relógio desde 2004 – no que eu concordo. Mas uma hora explode. E, para isso, temos nossas puts sobre ações de empresas cíclicas globais, capazes de se multiplicar numa eventual explosão daquela ogiva. Podemos não sair perfeitamente incólumes, mas ao menos atravessaremos a tempestade vivos. No meio do tiroteio, é isso que importa.

Tirando o que está ruim, tudo bem. Previdência parece encaminhada, com Rodrigo Maia sugerindo votação ainda em maio – talvez escorregue para início de junho, mas confiança na aprovação é crescente. Isso pode ser suficiente para aceleração do ciclo de cortes da Selic ainda neste mês. Depois que Itaú mudou o call para 1,25 ponto na próxima reunião, virou consenso – se virar também consenso os 7,5% esperados por Mário Mesquita ao final do ano, ai vai ser bonito de se ver. Que faz sentido, faz.

Mercados iniciam a terça-feira estendendo otimismo dos dias anteriores. Ibovespa Futuro sobe 0,4 por cento, enquanto dólar cai 0,3 por cento contra o real, após Banco Central confirmar rolagem integral de swaps cambiais para junho.

Juros futuros são exceção no comportamento benigno e registram, predominantemente, ligeira alta, basicamente em ajuste depois de longa sequência de queda. IGP-10 trouxe nova surpresa ao recuar 1,10 por cento, contra estimativas de -1 por cento. IPC-S atendeu as expectativas ao anotar alta de 0,3 por cento. Dados do Caged completam agenda doméstica.

Nos EUA, temos relatório da AIE sobre petróleo, produção industrial e construção de moradias iniciadas no mês passado. PIB atrai atenção na Europa, bem como Balança Comercial na Zona do Euro e inflação ao consumidor no Reino Unido.

Dólar se enfraquece pela quinta sessão consecutiva e marca menor nível em seis meses contra o euro, depois de Washington Post noticiar que Donald Trump teria compartilhado informações sensíveis com chanceler e embaixador russo. Metais interrompem rali dos últimos dias e caem.

PS.: peço licença para sair brevemente do tema estrito de investimentos financeiros. Para minha satisfação pessoal, hoje a qualidade dos relatórios da Empiricus é reconhecida pelo dentista do Mato Grosso até, de fato, o maior investidor individual de ações do Brasil. Há algo, porém, que algumas pessoas talvez não saibam. A Empresa – eu posso falar isso com desprendimento porque o mérito não é meu, mas integralmente da equipe comandada pelo Roberto Altenhofen e pelo André Kiss – é reconhecida como um case de marketing digital mesmo nos círculos mais de ponta sobre o tema, incluindo ai Google e Facebook. Só estou falando a respeito porque hoje foi o dia do lançamento do Workshop de marketing digital do Érico Rocha, com um sucesso incrível e que, certamente, pode ser útil a empreendedores da área ou mesmo meros interessados. O projeto é muito legal, com uma lista de interessados enorme. Se você perdeu, fica aqui o convite para assistir ao evento,

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.