Investimentos

O fim de mais uma jaboticaba?

Eu não esperaria o William Bonner anunciar um novo recorde para o Ibovespa para me posicionar mais pesadamente.

Por Felipe Miranda

15 maio 2017, 10:55

Você investiria num título do Tesouro brasileiro que lhe oferecesse remuneração idêntica à de um título do Tesouro norte-americano? A racionalidade econômica sugere que não. Se há uma percepção de risco superior sobre a solvência soberana brasileira, o investidor deve exigir um retorno adicional para comprar os títulos de Pindorama. O quanto mais é o chamado risco-país. Trivial.

Sobre isso, deve-se considerar também o fato de estarmos em moedas diferentes. O retorno do título dos EUA está em dólares e, a priori, o retorno dos papéis brasileiros emitidos aqui dentro, em reais. Logo, para a comparação ficar justa, precisamos adicionar a expectativa de desvalorização cambial, tipicamente associada no longo prazo ao diferencial de inflação entre os países.

Sendo mais preciso, para se estar em reais, uma moeda exótica, os investidores requerem um prêmio de risco adicional. Desculpem o palavrão: tecnicamente, a taxa de câmbio brasileira segue uma distribuição leptocúrtica e assimétrica à direita. Em português, isso quer dizer que retornos muitos distantes da média acontecem com certa frequência, e as desvalorizações, em módulo, costumam ser mais abruptas do que as apreciações. É por isso que ninguém quer estar em reais e exige-se um tantinho a mais de retorno para se estar na moeda brasileira – esse tantinho a mais é o chamado prêmio de risco cambial. Eu mesmo tenho um mestrado no tema, em que identifico a existência sistemática desse componente. Talvez por esse viés pessoal, evite recomendar posições vendidas em dólar contra o real, sempre me sentindo mais confortável em sugerir exposição ativa em moeda forte.

Quando as condições sistêmicas vão bem (o mundo e/ou o Brasil e seus mercados crescem com vigor), o real paga muito bem. E quando as coisas vão mal, o real paga muito mal. O problema de uma moeda assim é que, quando as coisas vão mal, é justamente quando você precisa do dinheiro. E, então, no ápice do seu desalento, a moeda lhe paga mal. Todos fogem de uma moeda assim.

Podemos desenvolver o mesmo tipo de raciocínio para a relação Bolsa x renda fixa. Sendo as ações percebidas como mais arriscadas frente aos títulos de renda fixa – muito embora eu pudesse listas aqui algumas situações especiais em que a renda variável seria mais segura do que a fixa, deixemos isso para um outro momento -, o investidor só iria para a Bolsa se essa lhe pagasse um pouco mais do que a renda fixa, obedecendo à relação canônica entre risco e retorno. Esse é o chamado equity risk premium (ERP) ou prêmio de risco de mercado.

Há três formas mais tradicionais de se calcular esse negócio. A primeira é pela abordagem retrospectiva. Você compara os retornos históricos da Bolsa contra a renda fixa e identifica um excesso de retorno, que é justamente o ERP. Outra é por meio das estimativas de fluxos futuros para bolsa e renda fixa, com um instrumental prospectivo. E a terceira vem através de um survey (pesquisa) junto a financistas, em que se pergunta para analistas, gestores, CFOs e afins quanto exigem de retorno excedente para deixar a renda fixa e migrar para a Bolsa.

Com efeito, isso se mede com frequência no mundo todo e se observa, no geral, um prêmio de risco de mercado positivo ao longo do tempo. Ainda ninguém conseguiu modelar esse negócio, ou seja, descobrir exatamente quais variáveis o determinam, quando ele cresce, quando ele cai.

Mais recentemente, Robert Barro fez um esforço interessante, ligando o comportamento do prêmio de risco de mercado à existência de eventos raros na respectiva série, aqui definidos como ocorrências dois desvios-padrão distantes da média. Em outras palavras, com o medo de ser surpreendido por uma súbita e intensa variação negativa, o investidor cobra um pouco mais para comprar Bolsa. Só para ser rigoroso: embora o mérito dessa ideia seja normalmente atribuído a Robert Barro, ela já havia aparecido em artigo de 1988 de Rietz, mas como esse vinha de uma universidade considerada menor, a publicação não encontrou a ressonância merecida (a academia também tem seus vieses e sua política própria).

Isso acontece no mundo inteiro. O Brasil, claro, gosta de ser o diferentão. Curiosamente, o prêmio de risco de mercado por essas bandas é negativo. Ou seja, no longo prazo, Bolsa paga – ou, ao menos, pagou até aqui – menos do que a renda fixa. É algo curioso e que inclusive fere a relação típica de mais risco, mais retorno.

Levando a dinâmica ao limite, a racionalidade econômica sugeriria que o investidor não deveria ter nada de Bolsa no Brasil, e concentrar-se exclusivamente em renda fixa.

Há várias explicações possíveis ao tema. Uma série de tentativas, nenhuma efetiva de endereçar o problema. Minha suspeita é bastante trivial: sendo o juro historicamente escorchante, nada bate (batia) o CDI mesmo. Se o seu adversário é muito forte, não há como superá-lo. Pra mim, é tão simples quanto isso.

Se a tese estiver certa, possivelmente teremos uma boa notícia e a subversão da lógica histórica. Finalmente, caminhamos para juros civilizados, de forma estrutural. Não me parece absurdo que cheguemos à casa de 7% de juro nominal nos próximos 12 meses. Estamos prestes a acabar com mais uma jaboticada. Eu não esperaria o William Bonner anunciar um novo recorde para o Ibovespa para me posicionar mais pesadamente. Quando a tese virar síntese, os preços certamente estarão em outro lugar.

Ao que parece, caminhamos a passos largos aos 70 mil pontos. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4 por cento, acompanhando bom humor externo e otimismo com possível data oficial para votação da Previdência no plenário da Câmara. Commodities sobem no exterior, com destaque para o petróleo, após Rússia e Arábia Saudita concordarem sobre cortes na oferta do produto até março de 2018. Valorização das matérias-primas traz ganhos para moedas emergentes – real segue a tendência e abre em alta de 0,5 por cento sobre o dólar.

Juros futuros são exceção no comportamento favorável dos ativos brasileiros. Registram alta, monitorando yields no exterior e IBC-Br acima do esperado (queda de 0,4 por cento contra prognóstico de 0,9 por cento). Queda nos juros havia sido muito intensa na semana passada, o que também pode ensejar algum ajuste.

Relatório Focus chama atenção na agenda doméstica, com projeção para inflação oficial caindo de 4,01% para 3,93% na mediana das projeções. Cena política é destaque também, com expectativa por delação de Antonio Palocci e diretores da JBS. Lá fora, saem NY Empire State Index e Índice de Confiança das construtoras norte-americanas.

PS.: Li e ouvi uma série de comentários no final de semana comparando a XP à Charlie Schwab. A XP merece todos os elogios do planeta Terra, mas vamos com calma, pessoal. Uma imagem vale mais do que mil palavras. Abaixo apresento o que são os valores e algumas das práticas do núcleo da Charles Schwab – algumas delas não são apenas diferentes daquelas da XP, são diametralmente opostas (e muito melhores, diga-se de passagem):

 

PPS.: Hoje nosso sócio americano Mark Ford, um baita gênio, tem um recado para você.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.