Investimentos

O que é óbvio para você?

Eu me pergunto se aquilo que é óbvio para mim é também para o outro. Talvez seja apenas uma discussão semântica.

Por Felipe Miranda

09 maio 2017, 10:16

Eu me pergunto se aquilo que é óbvio para mim é também para o outro. Talvez seja apenas uma discussão semântica. Se aquilo é evidente, manifesto, incontestável, deveria sê-lo para todo mundo, e não apenas para mim ou para você.

A realidade existe sozinha ou depende dos olhos do observador? Ou, de uma forma um pouco mais complexa, será que essas duas coisas se influenciam reciprocamente, naquilo que George Soros chamou de teoria da reflexividade? No momento em que formamos nossas interpretações e expectativas, elas mesmas interferem sobre a realidade – e essa nova realidade formada volta a definir nossas interpretações e expectativas, criando um processo dialético. Por ai vai…

Uma vez tentei discutir isso com um gestor de ações e ele me mandou “às favas com minhas teorias”. Eu até fui, mas não sem pensar comigo mesmo que, na verdade, era uma proposta de debate eminentemente prático.

 

O que é óbvio hoje? A julgar pelas posições de consenso do batizado smart money local – nem sempre tão “smart” -, alguma exposição que se beneficie da queda de juro no Brasil. Pode haver discordância entre os indexados ou os prefixados. Mas, de uma forma ou de outra, está basicamente todo mundo ali querendo capturar os prêmios ainda existentes na curva de juros brasileira.

Os menos convictos compram as NTN-Bs de 4/5 anos – talvez até mais como uma falta de alternativas; em meio à falta de opções num mundo complacente com riscos e inflado pela impressão maciça de moeda, somos obrigados a escolher entre o bom e caro e o ruim e barato.

Os mais agressivos apostam nos prefixados, com o duration guardando correlação positiva com a agressividade do investidor/alocador.

Eu sinceramente compartilho dessa visão. Mas, dentro do meu viés de observador, a posição em Bolsa hoje é ainda mais óbvia do que aquela supramencionada.

Explico meu ponto – bom, se eu preciso explicar tanto talvez não seja tão óbvio. Crio uma própria contradição em termos. Fazer o quê? Somos todos uma grande incoerência – ainda bem!

Primeira coisa: talvez você não tenha reparado, mas a temporada de resultados do primeiro trimestre tem sido surpreendentemente boa, com receitas e margens acima do esperado. Bancos e consumo/varejo estão entre os principais destaques. Talvez você diga que a reação aos resultados do Itaú foi negativa, no que eu concordo – contudo, os números em si foram bons, mas o mercado criara uma expectativa muito grande para o balanço depois das surpresas positivas com Bradesco e Santander.

A safra de resultados mostra que as empresas estão bem enxutas e que a limpeza feita ao longo de 2016 já não passa mais pelo balanço. Isso tem permitido uma evolução brutal de última linha mesmo ainda sem recuperação da economia. Quando voltar o PIB, daí segura a alavancagem operacional.

Outro ponto: hoje, a participação dos lucros corporativos no PIB está a cerca da metade da média histórica. Castigadas por anos sucessivos da mais profunda recessão da história republicada, as margens de lucro estão na lona. Ocorre que essa relação oferece historicamente uma grande tendência de reversão à média. Ou seja, com lucros voltando mais forte, o preço das ações tendem a seguir. Se os negócios vão bem, as ações acabam seguindo no final, resumiria Buffett.

Sendo ainda mais rigoroso, poderia dizer que, com juros básicos abaixo da média histórica, a tendência seria, aos poucos, de caminharmos para margens de lucro acima da média histórica, a exemplo da experiência internacional, por conta do efeito positivo sobre o resultado financeiro. Mas vamos dar isso de lambuja.

A isso se soma o fato de que os valuations não estão propriamente caros. Até concordo que não sejam uma barganha clássica quando ponderados pelos resultados atuais. Mas estamos marginalmente acima da média histórica em termos de múltiplos, com margens de lucro a 30% da média histórica. Se supusermos que há reversão à média nos múltiplos e também nas margens, podemos esperar um efeito explosivo à frente, pois a segunda dinâmica seria muito mais poderosa do que a primeira.

E ainda há a posição técnica muito mais favorável em ações frente àquela da renda fixa, em especial nos juros curtos e intermediários. Com a percepção generalizada de que a queda adicional de juros é inexorável, a exposição aos indexados e prefixados até 2020 é hoje um crowded trade (todos na mesma ponta, comprada). Assim, se alguém espirra em Brasília, esse negócio sacode feito passista de samba e a impiedosa marcação a mercado vai lhe impor perdas de curto prazo – foi exatamente assim em abril. Bolsa é o contrário. Galera, local e gringa, ainda está muito subalocada em renda variável.

Por fim, claro: se você está otimista com a queda de juro, isso não deixa de ser um argumento adicional em prol das ações. A menor atratividade da renda fixa com juros menores implica, ceteris paribus, maior interesse sobre a variável.

“Ah, mas e se não houver recuperação da economia?” A verdade é que a pergunta importa pouco.

Diante da ociosidade dos fatores de produção e da longa e brutal recessão, alguma recuperação cíclica ao final do ano, intensificada ao longo de 2018, parece contratada – supondo, claro, aprovação da reforma da Previdência não completamente descaracterizada. Talvez não seja uma recuperação longa ou vigorosa. Mas já basta. Horizontes de 18 meses, hoje, nos bastam. Adivinhar o que vem daí em diante é não somente uma obsessão sem apelo prático; pode ser também um mapa errado. O que acontecerá depois de 18 meses? O que faremos quando o Ibovespa estiver em 100 mil pontos? Pensaremos nos 100 mil pontos.

Mercados iniciam a terça-feira em tom positivo, acompanhando clima no exterior. Commodities oferecem trégua após sequência negativa e empurram ações de mineradoras e petrolíferas na Europa. Por aqui, deflação do IGP-DI (-1,24 por cento) joga juros futuros para baixo e alimenta suposições de aceleração adicional dos cortes da Selic. Em paralelo, presidente Temer pressiona para aprovar Previdência no plenário da Câmara ainda em maio. Hoje, votam-se os destaques na Comissão Especial, com expectativa de ampla rejeição.

Nos EUA, temos falas de diretores do Fed, estoques no atacado, otimismo de pequenas empresas e relatório de emprego Jolts. Alemanha traz produção industrial e balança comercial. China solta inflação ao consumidor e ao produtor.

Ibovespa Futuro abre em alta de 0,7 por cento, dólar cede contra o real e juros futuros recuam.

PS.: atendendo a pedidos, estendemos a promoção para adesões ao Combo Upside Especial. Vale a pena olhar.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.