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Se correr a inflação pega, se ficar a inflação come

Caro leitor, Mesmo que você tenha aproveitado o feriado de Carnaval de alguma forma, dificilmente ficou alheio ao que vem acontecendo no continente europeu. Afinal de contas, a invasão da Ucrânia é o primeiro confronto de grande escala que temos visto ao vivo pelas redes sociais. Basta uma leve passada de olho pelo seu feed […]

Por Enzo Pacheco, CFA

02 mar 2022, 15:22 - atualizado em 02 mar 2022, 15:25

Caro leitor,

Mesmo que você tenha aproveitado o feriado de Carnaval de alguma forma, dificilmente ficou alheio ao que vem acontecendo no continente europeu.

Afinal de contas, a invasão da Ucrânia é o primeiro confronto de grande escala que temos visto ao vivo pelas redes sociais. Basta uma leve passada de olho pelo seu feed do Instagram que você vai ser impactado por algum vídeo sobre o conflito.

Obviamente, estamos na torcida para que esse pesadelo acabe o quanto antes. Ainda mais quando um dos atores dessa história possui um grande arsenal de armas nucleares — não gosto nem de pensar na possibilidade de ficar à mercê de um “presidente” que já assinou uma lei que lhe garante o direito de ficar no poder até 2036…

Não me estenderei aqui nas questões do conflito, já que não sou um especialista em assuntos geopolíticos. Mas é inegável que esse evento impacta diretamente o portfólio de investidores do mundo inteiro.

No final do dia, nossos leitores querem saber como proteger (mesmo que seja possível apenas parcialmente) suas carteiras para atravessar por esse momento turbulento do mundo.

E um dos principais questionamentos que surgiram nos últimos dias foi se esse acontecimento que entrará para os livros de história teria um caráter desinflacionário ou inflacionário. Poucas letras que mudam completamente o nosso entendimento dos próximos passos da economia global.

Por um lado, eventos como guerras tendem a reduzir a atividade global. Ontem, alguns dos principais índices europeus apresentaram desvalorizações próximas a 4% — como no caso da Bolsa da Alemanha (DAX) e da França (CAC 40) —, mostrando que os investidores estão preocupados com o crescimento para os próximos meses no Velho Continente.

Além disso, as taxas de juros dos títulos das maiores economias europeias também tiveram forte retração — lembrando que a queda na taxa significa uma maior procura dos investidores por esses ativos. A variação diária das taxas, em alguns desses mercados, foram maiores do que em dias no auge da crise da pandemia de Covid-19, em março de 2020.

Sem esquecer, claro, de todas as empresas que já se posicionaram contra a guerra e anunciaram que não venderão seus produtos e serviços no país comandado por Vladimir Putin. E aquelas companhias que reavaliaram seus negócios e tiveram que ajustar seus planos por conta de já sentirem os impactos do conflito — um dos maiores bancos da Áustria e com grande atuação na Rússia e no Leste Europeu, o Raiffeisen Bank anunciou a redução dos dividendos em 2022, visando preservar caixa no momento.

Dessa forma, com menor crescimento no continente europeu, o BCE postergaria o aumento nos juros para 2023, ante expectativa de que começaria esse movimento ainda este ano.

Mas as forças inflacionárias decorrentes de conflitos tendem a ser muito mais relevantes para a economia global.

A principal delas, sem dúvida, está ligada ao petróleo. Hoje tanto o barril do tipo Brent (referência para a Petrobras) como o WTI bateram a marca dos US$ 110, com os investidores analisando os impactos das sanções impostas à Rússia, o que dificultaria a comercialização de energia por parte do país.

Nem mesmo a decisão da Agência Internacional de Energia (AIE) de liberar 60 milhões de barris das reservas estratégicas para combater a alta nos preços foi suficiente. Apesar de parecer um grande número para os leigos no assunto, fato é que esse montante seria o equivalente a seis dias de produção na Rússia — ou seja, insuficiente caso a guerra se estenda além do previsto inicialmente pelos analistas.

O aumento no preço da energia, aliás, já pode ser visto nos índices de inflação divulgados nesta semana. Os dados do índice de preços na Alemanha, que haviam mostrado um leve recuo na leitura de janeiro, voltaram a subir em fevereiro. O mesmo movimento foi observado na Espanha e na França, com os indicadores atingindo os maiores patamares desde 2008.

Mas essa alta não é restrita ao preço do petróleo. Outro ponto de preocupação são as commodities agrícolas, mais especificamente o trigo (a Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de 25% do mercado mundial) e o milho, que já apresentam alta de 30% e 25% só nos primeiros dois meses do ano. Nos últimos 12 meses, a alta do trigo ultrapassa os 50%.

Alguns analistas apontam que, mesmo com o forte aumento nos preços, problemas relacionados à exportação desses produtos via Mar Negro ainda poderiam provocar uma alta de 25% nas commodities agrícolas no curto prazo.

Se a situação já não é boa, o problema pode ser ainda pior para as commodities metálicas. Além de ser um grande produtor de alumínio, o fato de a Rússia ser um grande fornecedor de energia para a Europa tende a aumentar ainda mais os custos de produção em outros países. Junte-se a isso sanções aos russos, e o preço continuará pressionado — já são mais de 20% em 2022, quase 54% no último ano.

O problema é que o Fed (o banco central americano) não pode se dar ao luxo de ver esses movimentos nos preços e esperar a poeira baixar. Com a inflação no país nos maiores níveis dos últimos 40 anos, pode até ser que Jerome Powell e seus comandados não tenham que aumentar tanto os juros como era esperado pelo mercado até poucos dias atrás (com algumas casas apostando em até sete altas na taxa básica do país).

Ainda assim, essa medida terá um impacto limitado para arrefecer o aumento da inflação, dependente das resoluções da guerra. Mesmo que o conflito na Ucrânia acabe o mais rápido possível (essa é a nossa torcida), a situação atual não parece que irá melhorar magicamente da noite para o dia. A China já percebeu isso e ordenou que os dirigentes das empresas estatais garantam o suprimento de commodities para o país, independentemente do custo para adquiri-las.

Neste caso, ainda enxergo com bons olhos ter uma parte do portfólio nessa classe de ativos, de preferência por meio de empresas produtoras dessas commodities — mesmo uma retração dos níveis de preços atuais ainda permitiria a essas companhias gerarem fluxos de caixa robustos. No caso do petróleo, uma alternativa é por meio do SPDR S&P Oil & Gas Exploration & Production ETF (NYSE: XOP), que investe em uma cesta de empresas ligadas à exploração e produção de óleo e gás natural.

Para aqueles que procuram um pouco mais de proteção, acho interessante o Aberdeen Standard Physical Precious Metals Basket Shares ETF (NYSE: GLTR), que investe somente em metais preciosos (ouro, prata, platina e paládio), com os dois primeiros representando quase a totalidade do ETF.

Além disso, na Vitreo você também encontra diversos fundos para se expor a esses temas. Oportunidades não faltam — só não pode ficar parado e não fazer nada para evitar que a inflação corroa ainda mais o seu poder de compra.

Um abraço,
Enzo Pacheco

Sobre o autor

Enzo Pacheco, CFA

Formado em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduado em Operador de Mercado Financeiro pela FIA. Desde 2017 atua na análise dos mercados internacionais na série da Empiricus voltada a este propósito (MoneyBets).