Um dos pensamentos mais populares atribuídos ao ex-presidente americano Abraham Lincoln é: para conhecer o caráter de uma pessoa, dê a ela dinheiro e poder. Para o filósofo Clóvis de Barros Filho, este pensamento não é de toda verdade. “Acho que quem não tem dinheiro nem fama também tem direito a caráter”, afirma, como palestrante do evento do aniversário de 15 anos da Empiricus Research, nesta quinta-feira (28).
Em sua compreensão, Clóvis acredita que caráter é uma reunião de virtudes, que alguém mobiliza com a naturalidade para conduzir a sua vida.
“Eu conheço muita gente de caráter elevadíssimo sem poder e sem dinheiro nenhum. E acredito mais no caráter dessas pessoas do que no meu próprio. Por exemplo, a senhora que torna a minha casa habitável duas vezes por semana, ela tem uma retidão de caráter admirável, com pouquíssimo dinheiro ou poder”, comenta o filósofo.
A desconfiança do homem e o nascimento do fiado
Clóvis conta que, quando era criança, tudo podia ser pago posteriormente à compra. Até que um dia, quando foi na padaria, o caixa lhe apontou uma placa que dizia “não aceitamos fiado”.
Quando perguntou em casa o que significava aquilo, sua avó traduziu: “Significa que paramos de confiar em você, pois não dá para saber se você é uma pessoa do grupo dos que pagam ou dos que não pagam”.
Ética e meritocracia
O filósofo define ética como “a inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência.”
Epíteto, um dos filósofos do Estoicismo, propõe uma ideia central de que “metade da vida depende de nós, a outra metade não depende de nós”. Com isso, parafraseia Clóvis de Barros Filho, não podemos controlar as coisas do mundo exterior e, por isso, a solução é gastar nossas energias apenas como o que está ao nosso controle.
Entretanto, Clóvis acredita que há uma disparidade muito grande na formação educacional dos brasileiros, desde as escolas, e avalia que falta justiça na medida de mérito das pessoas.
Nessa análise, o filósofo acrescenta: “enquanto tivermos esse oceano que separa os alunos de escolas particulares de mensalidades de mais de R$ 10 mil e alunos de escola pública, dizer que os resultados do ENEM e outros vestibulares são por mérito é de uma insensatez e hipocrisia sem fim”.
É preciso, segundo ele, garantir que qualquer um que passe pelo processo de educação formal possa competir em igualdade de condições no final do processo. “Isso não é coisa de gente revoltada, mas é pensamento de uma pessoa preocupada com a mão de obra qualificada em todos os níveis”, completa.
O discurso de valorização do mérito próprio
Em sua ótica, só teremos uma sociedade digna e pungente quando de fato a questão do mérito tiver a sua pertinência.
“Por que o discurso de que ‘só é pobre quem quer’ e de ‘como ir do X ao Y’ ganha tanta reprodução? Porque ele cai bem aos ouvidos de quase todo mundo”, diz Clóvis.
Aos que prosperaram, o filósofo aponta que lhes agrada acreditar que tudo que conquistou foi por atributos seus. Enquanto que para quem tem esperança em prosperar, também tem todos os motivos para querer acreditar que depende muito mais da sua vontade e competência do que de um milhão de variáveis que a rigor não podem ser controladas.
Assim, passamos a supervalorizar a parte da vida que está nas nossas mãos e passamos a ignorar a parte da vida que poderá soprar no sentido contrário ao nosso.
“Não cabe sobrecarregar com responsabilidade nas costas coisas que não dependem de nós, assim como não cabe eximir-se da responsabilidade de dar o máximo para fazer surgir os resultados pretendidos”, conclui Clóvis de Barros Filho.
Carreira de Clóvis de Barros Filho
Clóvis de Barros Filho é um jornalista, filósofo e professor livre-docente na área de Ética na Universidade de São Paulo (USP), mestre em Ciência Política pela Université Sorbonne Nouvelle de Paris e doutor em Ciências da Comunicação pela USP.
Sua trajetória, entretanto, não tinha um plano tão detalhadamente traçado quando começou. “Como você deve imaginar, nada do que foi acontecendo foi resultado de um projeto”, comenta. Por isso, começou estudando Direito na USP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Apenas anos depois foi para uma graduação em Filosofia.
“O meu sonho era ser professor na USP, eu fui fazer mestrado e doutorado buscando isso, mas as oportunidades eram complicadas. Até que abriu a vaga do professor Bernardo Kucinski, que estava mudando para Brasília, e fui chamado provisoriamente para ‘tapar buraco’”, relembra Clóvis.
Ele conta que tudo ia dentro do previsto até que foi chamado para fazer uma palestra no antigo Banco Real e começou a chamar atenção dos canais e entrevistas, para dialogar.