Assim como já vínhamos noticiando nas últimas semanas, o Brasil continua com condições macroeconômicas bastante adversas e uma crise de crédito que parece não cessar tão cedo. Embora alguns segmentos saiam imunes desse cenário, a sequência de inadimplências de quatro FIIs de crédito imobiliário informadas na última terça-feira (28) confirmam que o setor é um dos mais afetados, reflexo também da dificuldade de algumas varejistas de pagar aluguéis em dia.
Até então, o mercado já suspeitava de um possível novo calote por parte de três deles – Devant Recebíveis Imobiliários (DEVA11), Hectare CE (HCTR11) e Versalhes RI (VSLH11) -, o que levou a uma penalização das cotas. No entanto, juntou-se ao grupo de inadimplentes também o FII Tordesilhas EI (TORD11), ao divulgarem listas de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) de cada um dos portfólios que estão em débito.
“Essa era uma ‘bola cantada’ desde o ano passado, quando notamos os primeiros sinais de insolvência em alguns segmentos, tal como multipropriedades. Esse ponto, inclusive, foi citado no relatório Panorama do mercado de FIIs de junho de 2022”, relembra Caio Araujo, analista especialista em FIIs e responsável pela série Renda Imobiliária na Empiricus Research.
O especialista também cita os fatores que levam à crise de crédito imobiliário: “A combinação entre deterioração da atividade e um custo de endividamento elevado tende a ser bem prejudicial para as empresas, principalmente aquelas com margens operacionais menores”.
Segundo dados do Bacen de fevereiro talvez essa seja uma tendência para ficar. Os números apontam para uma trajetória de alta para a inadimplência do Sistema Financeiro Nacional (SFN), próximos do pico visto em 2015. Ainda que os financiamentos imobiliários deem a ilusão de estarem melhores do que as demais modalidades de crédito, as inadimplências dos FIIs mostram que não é bem assim.
Até onde essa crise de crédito de FIIs pode chegar?
Para o curtíssimo prazo, Caio espera a continuidade de eventos de insolvência nas operações de risco, com eventual impacto no restante da cadeia. A atuação das gestoras na renegociação de dívidas e, eventualmente, na execução de garantias será posta à prova.
Na visão mais pessimista do analista para o primeiro semestre, é possível que essa crise de crédito se expanda para outros segmentos. Como exemplo, ele acredita que os próprios FIIs high grade podem ser vítimas de inadimplências pontuais, em menor magnitude. “Ainda assim, sigo enxergando atratividade nesta categoria [crédito de baixo risco]”, afirma Caio.
Diante do perfil das operações e característica dos devedores, o analista também ressalta uma preocupação pontual voltada para os Fiagros neste momento, pelo fato de grande parcela da categoria estar posicionada no crédito. “É sempre bom lembrar que não estamos falando do filé mignon do agronegócio brasileiro – diante da estruturação do setor atualmente, os grandes players dificilmente acessam o mercado de capitais para financiamento”.
Isto é, reunimos companhias de médio e pequeno porte (em alguns casos, em processo de reestruturação), aliado a um alto custo de endividamento – entre os 10 principais Fiagros listados, a média de remuneração das carteiras é de CDI + 4,9% atualmente, ou seja, praticamente 19% ao ano. Vale citar que poucos fundos possuem operações indexadas à inflação.
Além disso, adicione a este cenário uma queda generalizada no preço das commodities nos últimos 12 meses (salvo algumas exceções, como açúcar e arroz). Lembrando que o risco climático também está presente aqui. Mas, como se trata de um setor cíclico e, muitas vezes, imprevisível, é possível que a boa performance continue ao longo de 2023. Parte dos custos, tal como fertilizantes e combustíveis, também registraram recuos durante o período.
“Particularmente, estimo que seja questão de tempo para vermos manchetes negativas sobre as operações, mas o segredo está em selecionar com cuidado FIIs menos expostos a essa crise de crédito”, resume Caio.