Se a Luciana Seabra não realizasse um trabalho tão absurdamente excepcional em sua análise dos fundos de investimento (Icatu, desculpe pelo excesso de tráfego, mas confesso maldosamente ter ficado feliz com o engarrafamento aí; a SuperPrevidência foi algo realmente especial e merecido para os investidores), eu pensaria em mandá-la de volta para o Valor. Calma, calma. Só por algumas horas; no máximo, um dia. Só para ela poder fazer a entrevista anual com o Stulhberger e voltar correndo.
A metáfora entre o ano de 2015 com o livro de Jó era mais legal do que a da ilusão de ótica. E bem mais legal do que “a visão cinza do Verde”. A história do alçapão no fundo do poço também transmitia uma imagem interessante. Eu, apaixonado por James Hilman e leitor curioso do “Livro Vermelho” de Jung, valorizo as imagens. Elas são importantes pra mim. Mas essa, além de ter se mostrado um erro a posteriori, não surpreendeu tanto. Papai falava desde a época de Papel Simão e Globo Nabo: “Fundo do poço tem porão”.
Eu, apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e alma do interior, falo mais do que deveria. Mas, se me pagam para eu falar o que penso, lá vou eu cumprir a minha vocação. Noblesse oblige.
Eu penso que tudo é uma ilusão de ótica. Nossa mente apenas cria uma interpretação da realidade para fazê-la caber numa narrativa crível. Mais do que isso, sob intensa influência da leitura de George Soros, acho também que a nossa mente influencia a realidade, criando um processo endógeno, dialético, que fere frontalmente a possibilidade de que as coisas existam apartadas de nós mesmos. Aquela história cartesiana de valor intrínseco é atacada de frente pela teoria da reflexividade do Soros. Assim como a ideia do PIB potencial também sofre de problemas de endogeneidade. O próprio potencial é influenciado pelo PIB corrente, pois à medida que se permite uma recuperação cíclica do investimento (fator de curto prazo), o próprio PIB potencial (fator de longo prazo) sobe, pois se adicionam fator capital e produtividade.
Ainda mais curioso é que temos uma tendência a achar que, se o mundo não se encaixa no nosso modelo mental, o problema é do mundo. Nós financistas e a Cama de Procustro. Precisamos cortar as perdas da realidade para fazê-la caber em nossa narrativa cognitiva.
Eu não entendo a complacência do mundo no apreçamento de determinados ativos. Talvez seja problema do mundo. Talvez seja um problema meu. Eu realmente não sei. Parafraseando Gilmar Mendes, hoje mando a modéstia às favas: acabo de me declarar vencedor do campeonato de não saber nada!
Sempre vamos achar que nossas decisões de investimento decorrem de uma interpretação lógica e racional. Qualquer investigação empírica, porém, aponta justamente o contrário. De que elas derivam muito mais de fatores emocionais ou até mesmo hormonais. A esse respeito, vale ler o artigo “Testosterone and cortisol jointly modulate risk-taking” (Google it!). O trabalho mostra que pessoas mais propensas a risco possuem elevação de testosterona, com níveis de cortisol mais baixo. No momento em que elevamos os patamares de cortisol, mesmo mantendo a testosterona alta, essa disposição a risco é suprimida. Daí talvez pudéssemos extrapolar, possivelmente forçando um pouco a barra, que a fuga de Bolsa em momentos de elevados drawdowns se dê pela elevação do cortisol (alto nível de estresse).
Olha, eu devo admitir: há duas coisas que não são ilusão de ótica. Os hormônios e a Bíblia. Esses me parecem bastante tangíveis. Daí eu penso mais uma vez: se 2015 foi o ano de Jó, 2016 deve ter representado os Salmos e agora estaríamos diante dos Provérbios.
É uma ideia capciosa. Seria o momento de atingirmos a sabedoria, a disciplina e a vida prudente, por meio de ensinamos para aplicação da instrução moral. Ainda mais atraente, ao menos para mim, é que os provérbios são deduzidos da experiência, da prática, das convenções. São elas – e não as teorias – que forneceriam as orientações para a vida. O conteúdo é eminentemente prático, baseado em conceitos cotidianos.
Chegamos a quem? De novo, a ele mesmo: Sextus Empiricus, expoente da escola cética, um defensor voraz da prática empírica e crítico total dos dogmas e das teorias sem validade prática. Um conservador por natureza, no sentido de conservar as práticas e os costumes, os verdadeiros guias para a moral e a ética.
Quando eu penso em prática em Bolsa, me vem à cabeça o mito Luiz Alves Paes de Barros – honestamente, pergunto: há alguém, individualmente, maior do que ele como praticante de Bolsa no Brasil? A propósito, ele foi influência sobre Stuhlberger no passado.
E quando Luiz Alves compra Bolsa? Quando ninguém mais quer. Quando parece ter um alçapão no fundo do poço. Não se assuste: é só uma ilusão de ótica.
Se a maior parte dos Provérbios foi escrita por Salomão, permita-me hoje encerrar com um de seus maiores ensinamos em prol da virtude do meio. Em vez de ter metade de suas posições em NTN-B, talvez seja prudente dividir com um pouquinho de Bolsa.
Mercados brasileiros iniciam a sexta-feira sem tendência definida. Oscilam perto de variações módicas, atentos ao exterior e reticentes em assumir maiores posições diante da manutenção de um clima de muita incerteza por aqui na esfera política. Se a realidade também é influenciada por percepções, a entrevista de Stuhlberger contribui para o clima de indefinição (sim, ele forma opiniões e posições – a verdade se constrói de forma mais fluída do que parece).
Agenda doméstica destaca IPCA-15 ligeiramente acima do esperado, 0,16 por cento, contra prognóstico de 0,11. IPC-S apontou deflação de 0,12 por cento, em linha com estimativas. Nos EUA, sai PMI de manufaturas e serviços, além de vendas de casas novas.
Ibovespa Futuro registra leve queda de 0,1 por cento, dólar recua 0,07 por cento e juros futuros alternam altas e baixas.
Avancei no texto mas não no raciocínio. Ainda me pergunto: se não compramos uma ilusão (ou mera elucubração do que pode ser à frente?), o que faremos como investidores ou especuladores, aqueles que simplesmente especulam sobre o futuro? No momento em que comprarmos a realidade material e tangível, não estaremos mais caro? O local de maior overvaluation de Brasil é o site do IBGE.
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