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A Venezuela vai invadir a Guiana? Entenda o conflito pelo território de Essequibo e como afetaria o Brasil

Analista da Empiricus Research avalia crise envolvendo a região de Essequibo e por que o timing do conflito é ruim para o Brasil.

Por Nicole Vasselai

07 dez 2023, 16:04 - atualizado em 07 dez 2023, 16:27

venezuela e guiana
Imagem: Freepik

No último fim de semana, os venezuelanos participaram de um plebiscito que aprovou, com mais de 95% de votos favoráveis, a proposta do presidente Nicolás Maduro de a Venezuela anexar a região de Essequibo, pertencente à Guiana desde sua independência. Dos 20,7 milhões de eleitores elegíveis, mais de 10,4 milhões votaram.

A área disputada tem cerca de 160 mil quilômetros quadrados (dois terços do território guianense), quase equivalente ao tamanho da Flórida, estado norte-americano. É uma zona de selva, rica em petróleo e gás off shore.

Para Matheus Spiess, analista de macroeconomia da Empiricus Research, essa possível anexação representaria um “absurdo geopolítico” na América do Sul.

“A iniciativa de Maduro em reviver essa questão é vista como um ato de desespero para desviar a atenção pública da crise econômica e fomentar o nacionalismo antes das supostas eleições em 2024 (se é que vão ocorrer)”, comenta Spiess.

Apesar da retórica, na opinião do analista, o risco de um conflito armado parece distante, sem indícios de uma real intenção de invasão por parte do presidente venezuelano. “As consequências seriam enormes, incluindo novas rodadas de sanções abrangentes por parte dos EUA e aliados, bem como uma condenação diplomática quase universal, inclusive de parceiros regionais históricos da Venezuela”, explica.

Por que Maduro quer anexar Essequibo

Esse conflito, na verdade, é antigo.

Em 1899, um tribunal arbitral internacional concedeu a região ao Reino Unido, que então controlava a Guiana Inglesa. No entanto, a Venezuela nunca reconheceu essa decisão.

Caracas considera Essequibo seu território porque a área estava dentro de seus limites durante a época colonial espanhola, assim como nos primeiros anos que se seguiram à sua independência.

Atualmente, 125 mil dos cerca de 800 mil cidadãos da Guiana vivem em Essequibo e o governo da Guiana insiste em manter a fronteira determinada em Paris, em 1899, por um painel de arbitragem, ao mesmo tempo que alega que a Venezuela concordou com a decisão até mudar de ideia em 1962.

Porém, há 20 anos, em busca de apoio internacional, o ex-presidente Hugo Chávez, havia arquivado a reivindicação territorial.

Então, o que mudou? “A recente descoberta, pela ExxonMobil, de petróleo offshore [longe da costa] em Essequibo levou Maduro a tentar resgatar uma narrativa nacionalista, sugerindo que a nação foi despojada de sua riqueza”, conta Spiess. Durante sua exploração, a multinacional teria encontrado cerca de 11 bilhões de barris de petróleo e gás.

Essequibo é representativo para a economia

“Essequibo é maior que a Grécia e abundante em recursos naturais, transformando o país na economia de crescimento mais acelerado do mundo na atualidade”, diz o analista.

No mapa abaixo, da Bloomberg, a região em questão está marcada em verde, com as delimitações para a exploração nas águas do Oceano Atlântico, e o poço de petróleo destacado em amarelo.

Mapa da região de Essequibo, disputada por Venezuela e Guiana. 
Fonte: Bloomberg
Mapa da região de Essequibo, disputada por Venezuela e Guiana.
Fonte: Bloomberg

Com a descoberta de petróleo, a Guiana possui as maiores reservas de barril per capita, enquanto a Venezuela detém as maiores reservas absolutas. Porém, sua produção tem estado bem abaixo do potencial por conta da situação econômica do país.

“Diante do desastre dos anos de Maduro, o governo parece disposto a provocar uma crise internacional para evitar um vexame nas supostas eleições do ano que vem”, avalia Spiess.

“Desse modo, o plebiscito de Maduro pode ter implicações mais amplas do que parece: representa um desaforo não só para o governo brasileiro, mas também para outros presidentes sul-americanos. No caso do Brasil, é um vexame especial, pois o território de Essequibo é praticamente inacessível, e os venezuelanos teriam que atravessar território brasileiro para chegar lá. Por isso, inclusive, mandamos tropas para a fronteira”.

Com isso, ele explica, uma possível consequência dessa crise seria o impacto na imagem internacional da região em um aspecto extremamente relevante: a relativa estabilidade geopolítica, uma das grandes vantagens em comparação com praticamente todas as outras partes do mundo.

Venezuela vai começar a exploração de Essequibo?

Na última terça (5), Maduro disse que vai autorizar a exploração da commodity em Essequibo, por meio de duas estatais que dividiriam a área em disputa. O governo venezuelano afirmou também que a Guiana não deve ser autorizada a conceder concessões em áreas oceânicas “a serem demarcadas”.

Não se sabe exatamente quais partes offshore o presidente está reivindicando para a Venezuela, mas ele já deu um prazo de três meses para a saída das empresas que já operam na costa da Guiana.

A Exxon Mobil disse que países e órgãos internacionais deem resolver esse conflito.

O que disse o presidente da Guiana

A Guiana convocou uma reunião do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) para esta sexta-feira (8) para discutir a crise.

Segundo o presidente Mohamed Irfaan Ali, as forças armadas do país estão em alerta máximo e afirmou que a Venezuela se declarou uma “nação fora da lei” e desrespeitou as ordens do Tribunal Internacional de Justiça, que não permitiu à Venezuela tomar a região de conflito.

Ali também procurou acalmar potenciais investidores, dizendo que a Guiana recebeu apoio de parceiros e da comunidade internacional.

O ministro das Relações Exteriores da Venezuela disse nas redes sociais na quarta-feira (6) que falou com sua contraparte da Guiana sobre o que chamou de “mandato inapelável” da Venezuela.

O governo da Guiana questionou os números de participação dados pelo governo de Maduro para o referendo.

Apesar das autoridades eleitorais terem informado, no dia do plebiscito, que foram computados 10,5 milhões de votos a favor da anexação, mais tarde o governo voltou atrás e disse que o número se referia ao total de eleitores.

O timing do conflito pode ser ruim para o Brasil

Novembro foi o mês de maior valorização do Ibovespa no ano, com alta de 12,5%. Boa parte dela pode ser explicada pelo intenso fluxo de investimentos estrangeiros nas ações brasileiras, com uma entrada líquida de mais de R$ 18 bilhões.

O conflito entre Venezuela e Guiana ter acontecido exatamente neste momento preocupa o analista. “Justamente agora, quando os investidores estrangeiros começaram a retornar, estamos à beira de um potencial atrito regional que pode desencadear aversão por parte dos investidores internacionais. Seria verdadeiramente lamentável”.

Desde que as ameaças de anexação começaram, o governo guianês busca estreitar os laços com os EUA em questão de segurança, inclusive considerando convidar o governo americano para estabelecer uma base militar.

“Outra possibilidade é que, diante da crise fabricada artificialmente, Maduro anuncie estado de emergência para justificar o adiamento das eleições. Típico e previsível”, afirma Spiess.

Anexação de Essequibo pela Venezuela é improvável

Atualmente, o analista considera muito improvável a criação de uma nova província venezuelana em Essequibo.

“Embora o referendo tenha sido aprovado, duvido muito que a região esteja à beira da guerra, especialmente porque a China, aliada íntima da Venezuela, possui uma parte significativa da enorme descoberta de petróleo que Maduro reivindica”, esclarece.

“De qualquer forma,a situação como um todo é embaraçosa e gera um ruído desnecessário em um momento no qual a última coisa que precisamos é de mais um problema, diante de tantos que se acumulam”.

Sobre o autor

Nicole Vasselai

Editora do site da Empiricus. Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, com MBA em Análise de Ações e Finanças e passagem por portais de notícias e fintechs.