Nascido e criado numa família de alto teor etílico, aprendi cedo a preferir um bêbado conhecido a um alcóolico anônimo. Sabe como é: em tempos de delação do fim do mundo, ninguém está limpo há mais de 48 horas.
Os maiores riscos vêm do desconhecido, dos eventos para os quais estamos despreparados, daquela aparente calmaria em que se esconde a subsequente e súbita revolução. A volatilidade revela com o que devemos nos preocupar e, assim, podemos nos preparar, erguer os escudos contra o ataque que se avizinha. Sua supressão é que deveria assustar, pois ela oculta os riscos, empurra para debaixo do tapete a sujeira que virá a nos intoxicar no futuro.
Em termos técnicos, conforme a volatilidade vai caindo, a distribuição dos retornos (as variações diárias) vai se tornando cada vez mais leptocúrtica. Trocamos riscos em torno da média (chance de perder um pouquinho por dia realmente cai) por riscos de cauda (probabilidade de uma súbita perda enorme aumenta).
A leitura dos jornais nas últimas semanas aponta um cenário muito mais sombrio. A tensão geopolítica global aumentou dramaticamente após os ataques de Trump à Síria e ao Afeganistão, e depois das ameaças recíprocas entre EUA e Coreia do Norte. Internamente, as delações da Odebrecht colocaram mais preocupação sobre o cenário político e a aprovação das necessárias reformas de caráter fiscal.
O céu de brigadeiro para ativos de risco desenhado no começo do ano transformou-se em noite. Mas, como diria Patti Smith (eu prefiro a versão com o Bruce Springsteen), the night belongs to lovers (a noite pertence aos apaixonados). É nela que surgem as maiores oportunidades.
Considero que as últimas semanas tenham sido importantes para a consolidação do movimento ascendente dos ativos de risco para mercados emergentes, principalmente brasileiros. Elas representam o teste do modelo, cuja superação tende a nos colocar em patamar muito mais sólido, endereçando as principais dúvidas sobre a sustentabilidade do movimento.
Primeiro, o cenário externo. A preocupação inicial teve como catálise as dificuldades de Donald Trump no Congresso norte-americano. Isso disparou um movimento original em busca da segurança (flight to quality). Embora seja inegável a decepção de curto prazo com o Trade Trump (compra de commodities à espera de mais gastos com infra, dólar mais forte e maior rendimento dos Treasuries), em que medida isso pode ser realmente ruim para a economia global e, por conseguinte, para os ativos de risco? Pensemos friamente. Qual a alternativa? Trump aprovando tudo que gostaria no Congresso dos EUA? Esse é o mundo que gostaríamos? Ter um presidente norte-americano não institucionalizado e guiado por ventos próprios (tentei uma tradução forçada para self-winded) representaria um risco muito maior estruturalmente, com mais incerteza e volatilidade – a combinação de whisky e Twitter é perigosíssima (eu mesmo já tentei; não funciona).
Então, frustrado com as barreiras da política, Trump rompe com sua promessa de isolacionismo e inicia uma campanha belicosa contra inimigos menores, enquanto tenta preservar a relação com a Rússia e com a China. Repare o quanto o ataque inicial contra a Síria gerou inicial preocupação, mas foi rapidamente apoiado pelos principais líderes europeus – os próprios sírios comemoraram o ataque norte-americano, como uma forma de, paradoxalmente, atingir-se a paz.
Do ponto de vista técnico, toda a tensão geopolítica trouxe elemento importante ao jogo. O rendimento dos Treasuries de 10 anos, que vinha subindo vigorosamente e preocupando a capacidade de manutenção de alto fluxo para países emergentes em meio à maior atratividade dos papéis norte-americanos, voltou a cair com força, inclusive para níveis inferiores àqueles observados quando da eleição de Trump. Havíamos nos aproximado perigosamente da marca de 2,60% ao ano para o yield desses papéis, o nível que Bill Gross apontara como o limite para catalisar um bear market estrutural (mercado de baixa).
Internamente, a leitura predominante é de que, com a classe política quase integralmente envolvida nas delações da Odebrecht, reduzem-se as chances de aprovação das reformas. Minha visão é diferente. Em momentos de elevada tensão, o Congresso historicamente reage com uma agenda republicana. Não por real interesse no desenvolvimento do País ou por altruísmo, mas, sim, por mero instinto de sobrevivência e necessidade de se desviar a pauta. A movimentação do Planalto no final de semana corrobora a tese, mantendo foco total na reforma da Previdência e tentando garantir a agenda de votação.
Em resumo, as últimas semanas não trouxeram novos riscos. Elas apenas revelaram riscos que já existiam. E isso me parece positivo. Agora, sabemos com quais armas devemos nos municiar. Os elementos estruturais do bull market fundamental continuam em vigor ou até mesmo foram reforçados. Por isso, reforço a importância de que você precisa ter um plano de longo prazo para seu patrimônio – o PRP está aqui para ajudá-lo.
Os juros devem cair para patamares bem baixos para padrões históricos e por lá devem ficar, estimulando uma migração em direção a ativos de risco.
Os lucros corporativos podem crescer cerca de 20% pelos próximos dois anos, sob apoio de notável alavancagem operacional e melhora do resultado financeiro, o que representaria um P/L de 9x para o Ibovespa em 2019 (bem razoável). Os investidores institucionais, locais e gringos, seguem underweight em bolsa brasileira.
As reformas, ou mais precisamente “umas reformas” (o artigo indefinido que garanta 60% do texto original já me basta), devem passar e a soma de novas regras previdenciárias e trabalhistas, se concretizada em adição à PEC do teto de gastos, colocará o governo Temer como um dos mais importantes da história, por mais incrível que possa parecer.
Lula parece bastante fragilizado politicamente, o que reduz substancialmente as chances de eleição de um candidato de esquerda e contra os interesses do mercado em 2018 – embora ainda haja muito investidor grande que se borre de medo do Lula, agora parece que ele morreu mesmo (metaforicamente, é claro).
Doria surge como uma alternativa viável, seja pela falta de opção dentro do PSDB (todos os caciques velhos de guerra aparecem citados nas delações) ou pela avidez da população pela figura de um outsider da política.
Pra mim, a eventual concretização desse cenário tem uma referência atraente: 100 mil pontos. Se for isso mesmo, Patti Smith estará certa uma vez mais: they can’t hurt us now (eles não podem nos machucar agora).
Mercados iniciam a semana se recuperando do tombo do último pregão. Novos sinais de controle da inflação, possível inflexão da atividade e maior convicção na aprovação da reforma da Previdência depois da ofensiva de Temer no final de semana trazem clima mais favorável. Em reforço, inflação ao consumidor norte-americano veio bem abaixo do esperado na sexta-feira, quando os mercados estavam fechados por conta do feriado de Páscoa. Com isso, arrefeceu-se o temor de que Banco Central dos EUA poderia elevar em mais três oportunidades juro básico norte-americano.
Dólar opera em queda livre contra o real. Cede 1,4 por cento com melhora da percepção de risco e decisão do Banco Central de, contrariando o observado anteriormente, voltar a rolar integralmente contratos de swap cambial, cuja implicação prática é uma venda mais intensa de contratos futuros de dólar.
Movimento do câmbio ajuda a empurrar para baixo juros futuros, com mercado retirando prêmio embutido nas últimas sessões. Relatório Focus e indicadores de inflação também ajudam. Documento do BC mostrou nova revisão para baixo nas estimativas para os principais índices de preços, com inflação oficial esperada se aproximando da marca de 4 por cento em 2017. Em paralelo, IGP-10 apurou deflação de 0,76 por cento, enquanto IPC-S teve alta de 0,44 por cento, um pouco aquém das expectativas.
Continuando na agenda, IBC-BR, proxy para o PIB, subiu 1,31 por cento em fevereiro, acima das projeções, o que pode indicar inflexão da atividade econômica no primeiro trimestre – eu sempre chamo atenção para as não linearidades, principalmente nas reversões.
Dia pode oferecer um pouco mais de volatilidade no mercado de ações, diante de vencimento de opções. Bolsa divulgou segunda prévia para carteira teórica do Ibovespa, sugerindo entrada de Eletrobras. Ibovespa Futuro registrava alta de 0,5 por cento na abertura.
Lá fora, temos atividade manufatureira na região de Nova York. Mercados europeus ainda fechados por feriado. Na China, PIB cresceu 6,9 por cento, levemente acima do esperado, enquanto produção industrial avançou 7,6 por cento, bem acima das projeções. Ainda assim, não foi suficiente para estancar queda do minério de ferro, que volta a cair hoje.