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Berkshire Hathaway (BERK34): como foi a reunião anual de acionistas com Warren Buffett?

No evento, o megainvestidor trouxe sua visão sobre a situação fiscal e dos juros americanos e sobre inteligência artificial.

Por Enzo Pacheco, CFA

14 maio 2024, 09:48 - atualizado em 14 maio 2024, 09:48

Na semana passada, tive a oportunidade de participar da reunião anual de acionistas da Berkshire Hathaway (B3: BERK34 | NYSE: BRK/B).

E considerando que estamos falando de presenciar um evento com Warren Buffett, in loco, vocês devem imaginar a felicidade deste simples analista que vos escreve. A sensação deve ser similar a de uma criança visitando a Disneylândia pela primeira vez.

Casa do Warren Buffett (esquerda), prédio onde fica o escritório da Berkshire Hathaway (centro) e reunião anual de acionistas (direita)
Figuras 1, 2 e 3. Casa do Warren Buffett (esquerda), prédio onde fica o escritório da Berkshire Hathaway (centro) e reunião anual de acionistas (direita)

Charlie Munger fez falta

Apesar de ter sido minha estreia no evento, sem dúvidas ele não foi o mesmo com a ausência do fiel escudeiro de Buffett, Charlie Munger – que faleceu no final do ano passado, perto de completar 100 anos.

Isso, aliás, gerou um dos momentos mais marcantes do encontro. Logo após a exibição de um vídeo inicial que homenageava Munger, Buffett teceu alguns comentários e, ao passar a palavra para Greg Abel (CEO da Berkshire e futuro manda-chuva da holding), cometeu o ato falho de chamá-lo de “Charlie”. 

A plateia, obviamente, compadeceu-se pelo ato falho do megainvestidor, mas logo na sequência o confortou com uma salva de palmas. Ainda que algo simbólico, isso mostra o quão humano é um dos que muitos enxergam como uma divindade, principalmente quando o assunto é investimentos… 

E a lição de que “os grandes também erram” não foi a única aprendida no sábado. Afinal de contas, foram mais de 6 horas escutando a visão de Buffett em questões que iam desde a sua principal seara de conhecimento como questões filosóficas e sobre a vida.

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Como foram os resultados do 1T24 da Berkshire Hethaway?

Para já tirar as questões burocráticas da frente, o mago de Omaha falou dos resultados do primeiro trimestre de 2024. Os números vieram melhores do que o esperado pelos analistas, principalmente por conta da retomada do segmento de Seguros, a maior parte do negócio da Berkshire Hathaway. 

A receita do conglomerado somou US$89,869 bilhões, um valor 5,2% acima do reportado um ano antes. 

Os principais destaques foram o aumento nos prêmios emitidos pelas seguradoras (US$21,474 bilhões, +8,5% vs. 1T23) e renda gerada com investimentos nessa parte do negócio (US$3,164 bilhões, +32,3%). O trimestre também foi marcado pelas maiores vendas reconhecidas da Pilot Travel Services, adquirida em janeiro de 2023 (US$12,503 bilhões, +31,5%). 

Já o lucro operacional da companhia totalizou US$11,222 bilhões, crescimento de 39% na comparação anual. O segmento de Seguros foi o grande responsável pelo forte aumento. Houve expansão de quase 200% na parte de underwriting e de mais de 30% por conta dos maiores juros recebidos dos investimentos. 

Resultados operacionais da holding

É sempre importante ter a noção dos resultados operacionais da holding por conta do impacto que seu portfólio de ações pode ter no lucro líquido. Ainda que o impacto seja meramente contábil.

Isso porque, na linha final, o lucro dos acionistas da Berkshire somou US$12,702, ou US$5,88 por ação, comparado com US$35,504 bilhões (US$16,25/ação) no mesmo trimestre de 2023. Mas praticamente toda a diferença veio da valorização do book de ações um ano atrás.

Lucro operacional por linha de negócio da Berkshire Hethaway
Gráficos 1 e 2. Lucro operacional por linha de negócio (esquerda) e ganhos/perdas com investimentos (direita), no 1T23 (cinza) e 1T24 (preto) | Fontes: Berkshire Hathaway e Empiricus

E olhando a métrica do lucro operacional, é possível verificar que a companhia vem entregando crescimento anual médio de 11,7% desde 2019. Seja com adição de novos negócios seja pela melhoria das suas operações existentes.

Lucro operacional da Berkshire Hethaway
Gráfico 3. Lucro operacional anual da Berkshire Hathaway, desde 2019 | Fontes: Berkshire Hathaway e Empiricus

CONFIRA TAMBÉM: Analistas da Empiricus Research ‘traduzem’ os resultados do 1T24 das principais empresas listadas e recomendam o que fazer com a ação; veja como receber gratuitamente as análises

‘Primeiro trimestre pode não refletir a realidade do ano’

Assumindo que a empresa entregue um lucro operacional para 2024 perto do observado no 1T24, estaríamos falando de algo perto dos US$45 bilhões, ou algo como um crescimento de 20% em relação a 2023.  

Mas é importante salientar que o próprio Buffett afirmou que apenas anualizar os números do primeiro trimestre não representaria a realidade para o ano, dada a sazonalidade nos negócios de Seguros. 

Ainda assim, mesmo que a companhia entregue um lucro operacional mais próximo dos US$40 bilhões, estaríamos falando de um crescimento da ordem de 7%. Nada mal para um negócio altamente diversificado e do porte da Berkshire. 

Considerando o valor de mercado atual da companhia, de US$890 bilhões, e descontando o valor do portfólio de ações de quase US$383 bilhões, estamos falando que a empresa estaria sendo negociada com um múltiplo EV/Ebitda de menos de 13 vezes. Sigo tranquilo em manter a ação na nossa carteira MoneyBets nos preços atuais. 

Berkshire Hethaway ainda é principal acionista individual da Apple, mesmo após reduzir posição

Outros pontos também chamaram a atenção no sábado.

O primeiro deles foi descobrir que a Berkshire vendeu aproximadamente 115 milhões de ações da Apple (B3: AAPL34 | Nasdaq: AAPL), reduzindo a sua posição em 13% no 1T24.

Só que a empresa segue sendo a principal ação no portfólio, com um valor de mais de US$135 bilhões ao final do trimestre. Essa posição faz também com que a Berkshire seja a principal acionista individual da criadora do iPhone — não à toa, o CEO Tim Cook esteve presente no evento.

E o próprio Buffett deixou claro que tal movimentação se deu muito mais por uma realocação de parte do capital da Berkshire, e não significaria uma visão negativa para a empresa fundada por Steve Jobs.  

Tanto que o megainvestidor enxerga que, no futuro próximo, a Apple continuará sendo a maior posição do book de ações com uma grande margem em relação às outras empresas, como Coca-Cola e American Express. 

Buffett, aliás, deixou clara a sua admiração por essas duas companhias, citando que ambas criaram alguns dos principais produtos da história.  

Mas o iPhone, nas palavras dele, seria talvez o melhor produto já inventado, dada a recorrência de compra por parte de seus usuários, assim como a quantidade de interações que o dono do smartphone tem com o dispositivo ao longo do dia. 

A holding carrega quase US$200 bilhões em caixa, com boa parte em Tesouro americano

Os valores que a holding mantém no seu caixa também foram discutidos na reunião. 

Isso porque, já há algum tempo, os investidores estão aguardando alguma grande aquisição por parte de Buffett e companhia. Porém o oráculo de Omaha fez apenas movimentações pontuais nos últimos anos. Dois exemplos são a compra da Alleghany, para a parte de Seguros, e a montagem da posição na Occidental Petroleum no passado recente. 

Só que a empresa encerrou o trimestre com quase US$200 bilhões em caixa (dos quais US$182 bilhões em títulos do Tesouro americano). E Buffett não parece tão animado com a situação atual dos mercados para colocar esse dinheiro para trabalhar. 

Buffett aprova o trabalho do Fed em relação à política monetária, mas se preocupa com questão fiscal

A atuação do Federal Reserve, inclusive, foi alvo de elogios por parte de Buffett. Segundo o megainvestidor, o órgão comandado por Jerome Powell tem feito o trabalho adequado com sua política monetária (com a Berkshire se aproveitando dos juros altos para gerar mais renda de seus investimentos). 

Só que, por outro lado, o mago de Omaha segue preocupado com a questão fiscal dos Estados Unidos. 

Para Buffett, a questão vai além do tamanho da dívida em si — a qual entende que ainda será aceita pelos mercados por um bom tempo, dada a falta de alternativas. Ele avalia que o déficit atual (rodando na casa dos 5,5% do PIB) traz consigo consequências importantes para os próximos anos. 

E a única maneira que o megainvestidor vê isso sendo trabalhado é por meio do aumento de impostos, uma vez que enxerga pouca disposição para reduzir gastos por parte dos governantes.

A visão de Buffett sobre a inteligência artificial

O público até questionou os executivos a respeito das implicações da Inteligência Artificial

Na verdade, não esperava uma resposta supercomplexa por parte de Buffett. Ele se limitou a mostrar mais preocupação com como a tecnologia pode ser usada por pessoas mal intencionadas.

Greg Abel comentou que todos os negócios da Berkshire estão analisando essas ferramentas para torná-los mais eficientes, eficazes, mas principalmente focando na segurança dessa tecnologia.

A participação de Abel e de Ajit Jain (responsável pela parte de Seguros da holding) foi outro ponto positivo, na minha visão.  

Conversando com outros participantes que já haviam ido em outras reuniões da Berkshire, muitos falaram que foi a primeira vez que viram os executivos entrando nas nuances dos negócios que administram e como podem ser impactados por questões externas. 

Um exemplo foi quando um acionista perguntou Ajit como a parte de Seguros estava preparada para o aumento de ataques cibernéticos no futuro.  

O que esperar da sucessão na Berkshire Hethaway?

Tanto Abel quanto Ajit, quando questionados, mostraram grande desenvoltura para tratar de diversos temas. Ambos mostraram preparo para serem as principais caras da Berkshire quando Buffet não estiver mais entre nós. 

Essa, aliás, era uma das grandes preocupações na reunião: o planejamento sobre a sucessão na Berkshire. 

E uma resposta de Buffett foi considerada uma novidade por muitos investidores. 

Isso porque, apesar de já ser o CEO, Greg Abel também deve ser o responsável por grandes alocações de capital da Berkshire no futuro. Inclusive no book de ações.

Segundo Buffett, como grande entendedor de negócios, essa capacidade de Abel poderia ser expandida para o investimento nesse tipo de ativo. 

Contudo, muitos entendiam que essa atribuição ficaria com os dois principais executivos neste campo hoje, Todd Combs e Ted Weschler. Hoje, ambos administram juntos aproximadamente US$35 bilhões do portfólio da Berkshire. 

Uma das justificativas de Buffett é que ele prefere que uma só pessoa seja responsável por esse tipo de decisão. Na visão do megainvestidor, delegar para diversos profissionais dificilmente traria grandes resultados para a companhia no longo prazo, dada a dificuldade de alocação de pequenos valores com o porte atual da empresa. 

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As lições de vida compartilhadas por Warren Buffett

Como de costume, a reunião também reservou diversas lições de vida para os presentes.

A que mais me marcou foi quando um acionista perguntou a Buffett o que ele faria se tivesse a oportunidade de ter mais um dia com Charlie Munger. 

E, para a surpresa de muitos presentes, o megainvestidor respondeu: “tudo que já fazemos há mais de meio século, sem grandes inovações”.

Isso porque, segundo Buffett, o foco não deveria ser apenas em um dia para fazer algo específico com aqueles que você ama, e sim em ter o máximo de dias possíveis com essas pessoas.  

Para isso, o indivíduo deveria buscar hoje companhias que gostaria de ter pelo resto de suas vidas, sem ter que se preocupar com hipotéticos breves momentos após a sua morte.  

Assim como companhias, deveríamos carregar ações – realmente – para o longo prazo

De certa forma, podemos fazer uma associação com o mundo dos investimentos. Muitas vezes, encontramos uma empresa que acreditamos ter um grande potencial de longo prazo mas, diante de algumas circunstâncias, acabamos abandonando-as no meio do caminho. 

Não quer dizer que devemos comprar uma ação hoje por considerar uma ótima empresa e esquecer na carteira por um bom tempo. Obviamente devemos fazer o acompanhamento para entender se as perspectivas do negócios se alteraram e se faz sentido ou não mantê-la na carteira.

Mas acredito que, em um portfólio de ações, podemos ter algumas posições “estruturais”, as quais dificilmente são zeradas. E a Berkshire Hathaway (B3: BERK34 | NYSE: BRK/B), hoje, me parece uma dessas empresas.

Sobre o autor

Enzo Pacheco, CFA

Formado em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduado em Operador de Mercado Financeiro pela FIA. Desde 2017 atua na análise dos mercados internacionais na série da Empiricus voltada a este propósito (MoneyBets).