A mentalidade de curto prazo é um dos principais estímulos para pessoas perderem dinheiro nas plataformas de apostas, apelidadas de bets (do inglês), ao invés de investir. A opinião é do sócio-fundador e estrategista-chefe da Empiricus Research, Felipe Miranda.
Em participação ao podcast “Touros e Ursos”, do portal Seu Dinheiro, do Grupo Empiricus, Miranda falou sobre o crescimento das casas de apostas virtuais e como isso é um reflexo da situação econômica brasileira hoje, que soma 22 milhões de apostadores em contraste com 5,1 milhões de investidores na bolsa de valores.
“As probabilidades não estão a nosso favor”
Formado em Economia pela USP, Miranda acredita que um dos problemas sobre os jogos de apostas é que muitas vezes o jogador não acredita que a probabilidade de perder dinheiro é muito maior do que ganhar.
“A loteria só dá dinheiro para quem faz a loteria e não para quem para quem é o apostador. A probabilidade é muito mais a favor da banca do que do apostador quando você está no ambiente das bets online”, afirma o analista. Como consequência, na tentativa de “ganhar dinheiro de forma aparentemente fácil”, o indivíduo acaba entrando em um ciclo de vício em apostas.
Em comparação com o seu campo de estudo, no mundo dos investimentos, Miranda aponta que a priori “as chances” devem estar a favor do investidor. “Se você aplicar em ações diligentemente, com boa orientação e em um horizonte temporal adequado, dentro das suas preferências e tolerâncias a risco, a ideia é que você ganhe dinheiro”, afirma.
Apostas ainda não estão devidamente reguladas, diz economista
Outro fator que complica o crescimento do volume de brasileiros que apostam em bets e, consequentemente, de pessoas com vício nestes jogos, segundo Miranda é a “gamificação” – aplicação de elementos típicos de jogos em contextos não necessariamente relacionados ao entretenimento
“Esse setor cresceu sem nenhuma atuação de regulação em cima disso. Não acho que as bets deveriam ser proibidas, mas a falta de educação financeira e a permissividade em torno do tipo de propaganda feita ainda não está devidamente regulado”, afirma o economista.
Em comparação, Miranda recorda que o mercado de ações, e de investimentos como um todo, é altamente regulado, com um órgão nacional (CVM) atuando rigorosamente sobre os ativos, as empresas e os profissionais do setor.
Ainda sobre os anúncios de bets e outras formas de marketing promovidos por estas companhias, o economista acredita que deve ser reavaliada uma proibição deste anúncios, ou tornar obrigatória a inserção de avisos prévios, na forma de disclosures – informando sobre a alta propensão ao vício provocado pelos jogos de apostas e que há mais chance de perder dinheiro do que de ganhar.
“O apostador não tem noção das probabilidades do que está fazendo e ainda ganha créditos de incentivo para testar os jogos”, critica, fazendo uma comparação árdua: “É como um vendedor de droga na porta da escola. A primeira vez é de graça, a segunda também e na 15ª você já está viciado”.
O vício em apostas em números
Desde que começou o boom das bets, estudos já apontam que elas estão afetando o bolso das famílias brasileiras de forma significante.
Em setembro, um relatório do Banco Central apontou que os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em sites de apostas esportivas em agosto – o que corresponde a 21,2% dos recursos distribuídos pelo programa no mês.
“Em um país com déficit nominal de 9%, o governo está dando auxílios que estão sendo direcionados para as pessoas jogarem. Como consequência disso, há um problema claro de saúde mental, financeiro e até de destruição das famílias afetadas pela pessoa com vício. A economia sofre e o dinheiro do varejo se converte em bets”, comenta Miranda.
Evidência disso, uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em parceria com a AGP Pesquisas, constatou que 63% dos brasileiros já comprometeram parte da renda com as bets. Ademais, outros 19% pararam de fazer compras no mercado e 11% reduziram gastos com saúde e medicamentos.
A pesquisa, que falou com 508 apostadores, ainda concluiu que 49% dos entrevistados aumentaram a frequência das apostas em 2024, contra 35% que diminuíram.
Em 10 anos, Bolsa perde pro CDI – por que investir é melhor que apostar?
Mesmo olhando para o longo prazo, Felipe Miranda aponta que nos últimos anos a bolsa de valores perdeu para o CDI. “É um período ruim para o mercado, mas mesmo assim não podemos focar apenas em ganhos de curto prazo. É uma aleatoriedade enorme”, comenta.
Além disso, Miranda se posiciona otimista para uma recuperação dos ativos de renda variável no Brasil. Em termos de crescimento, o economista avalia que o Brasil está indo bem, com níveis baixos de desemprego e uma inflação acima da meta ainda aceitável.
“O problema atual é o fiscal, a dívida parece bater 86% do PIB (salto de 72%) e isso é o dado negativo que muitos mercados olham. Se o governo não fizer ajustes na receita, então terá que fazer por meio dos gastos”, afirma.
Como ganhar dinheiro então?
Em um país de 5,1 milhões de investidores na bolsa de valores, Felipe Miranda acredita que existe uma relação antagônica com o número de apostadores. Nesse contexto, o estrategista-chefe da Empiricus enxerga que a melhor forma de conseguir buscar aumentar seu patrimônio é mantendo um bom posicionamento na bolsa, que ainda está com preços “descontados”.
“Investir em ações boas, de empresas sem alto endividamento, que já sobreviveram a vários ciclos e que sabem trafegar no país”, recomenda. Entre elas, Miranda enxerga algumas oportunidades, como as ações do Itaú (ITUB4), BTG Pactual (BPAC11), Localiza (RENT3), shoppings como Iguatemi (IGTI11), Porto Seguro (PSSA3) e Direcional (DIRR3).
“Nomes que historicamente atravessaram muitas dificuldades, dão lucro, estão pouco alavancadas, têm uma marca forte e múltiplos baixos,” completa.
A entrevista completa de Felipe Miranda para o “Touros e Ursos” pode ser conferida no quadro abaixo: