Há uma expressão de que gosto muito, apropriada para o momento da bolsa de valores brasileira: “sub specie aeternitatis”. Normalmente, ela é atribuída a Spinoza, muito embora uma corrente atribua o original a Platão. A ideia é enxergar os percalços da vida na perspectiva da eternidade. Olhar com afastamento. Ou, na linguagem do meu avô, dar a cada problema o tamanho que ele realmente tem.
Sejamos diretos: o momento de curto prazo para os investimentos, principalmente sob uma perspectiva global, não é bom. Aquela ideia de que os principais Bancos Centrais poderiam subir suas taxas básicas de juro apenas um pouco, sem machucar muito a economia e sendo capazes de debelar a inflação, foi por água abaixo. O presidente do Banco Central dos EUA foi enfático em seu último discurso, dando prioridade ao combate contundente à alta dos preços e usando expressões semelhantes àquelas adotadas por Paul Volcker (“keeping at it”), uma alusão à persistência no aperto monetário. A inflação ao consumidor por lá também veio acima das projeções, enquanto a alta dos preços na Europa também flerta com patamares recordes, mesmo diante da possibilidade material de recessão no começo de 2023. A realidade se impôs.
A ideia de que a alta das bolsas de valores internacionais entre julho e agosto se tratava de um “bear market rally”, ou seja, de um rali dentro de uma tendência de baixa mais ampla, ao menos até agora, se mostrou adequada. A verdade objetiva é que vivemos um fim de ciclo como outro qualquer, talvez apenas só com mais intensidade frente aos últimos movimentos. Para combater a inflação, precisaremos de condições financeiras e monetárias mais restritivas. Os juros básicos terão de subir para, pelo menos, 4% ao ano nos EUA, o crédito haverá de ser redimensionado para baixo, os valuations precisarão cair. Seria bastante razoável vermos a bolsa de valores norte-americanas em níveis mais baixos, de tal modo que reiteramos (e até ampliamos) a recomendação de uma posição vendida em S&P 500.
Momento atual oferece “oportunidade excepcional” na bolsa de valores brasileira
No entanto, se olharmos a coisa sob uma perspectiva histórica e mais abrangente, o momento atual oferece uma oportunidade excepcional de multiplicação de capital aos verdadeiros poupadores, com interesse genuíno de crescimento patrimonial a longo prazo.
Em certo sentido, este relatório da série “Palavra do Estrategista” transborda a questão estritamente de investimentos. Ele poderia ser visto como uma convocação, talvez uma recomendação de vida. Ok, ok, se conselho fosse bom… sabemos. Eu mesmo detesto aqueles que vomitam suposta sapiência. Mas, objetivamente, quem se dispuser a fazer um sacrifício agora, reduzindo os gastos em consumo de modo a aumentar suas taxas de poupança e aproveitar os atraentes níveis de preços, puder dilatar o horizonte temporal de seus investimentos e tolerar a volatilidade de curto prazo, poderá colher frutos deliciosos à frente.
Há algo particularmente atraente no prognóstico de possível multiplicação de capital à frente: ela pode vir a partir da construção de uma carteira de investimentos bastante simples, dividida entre renda fixa local e ações brasileiras. Não precisamos muito mais do que isso. Essa é a real. Como sintetizou Leonardo da Vinci: a simplicidade é a maior das sofisticações. Temos de aproveitar. A recompensa ao sacrifício virá na sequência.
Na última quarta-feira, o Copom manteve o juro básico brasileiro em 13,75% ao ano, acompanhado de um discurso “hawkish” (mais duro no sentido de combater a inflação), o que afastaria as apostas em uma diminuição da taxa já no começo de 2023. Entendemos que a Selic vai ficar alta por um bom tempo, com o início do ciclo de queda só a partir do segundo semestre do próximo ano. E, mesmo assim, ainda terminando 2023 em torno de 11% ao ano, patamar bastante alto.
Muitas vezes, queremos soar inteligentes e únicos, procuramos algo muito sofisticado e heterodoxo para ganhar dinheiro, mas, se podemos investir bem em algo óbvio e simples, sem inventar moda, ainda melhor. O juro nominal no Brasil está e deve permanecer por um bom tempo em níveis altíssimos. Em termos práticos, um rendimento de 13,75% representaria a multiplicação por 2x no capital em cinco anos. Não é pouca coisa. Um rendimento assim, com liquidez diária, sem volatilidade e praticamente sem risco (como a dívida brasileira está em moeda local, sempre há a prerrogativa de emissão de moeda, evitando um default soberano) encontra poucos paralelos. Não devemos subestimar os benefícios dos juros compostos.
Dado o nível elevado de incerteza na economia mundial, estamos muito bem pagos para esperar, com o taxímetro dos pós-fixados locais rodando à deliciosa taxa de 1% ao mês, sem precisarmos fazer muito esforço. Como ouvi recentemente de um grande gestor recém-chegado de um longo período no exterior, “uma das coisas boas de morar no Brasil é o juro real de 6% ao ano.”
Outra conclusão importante: discordamos da visão mais otimista que antevê redução da Selic já no começo de 2023. Entretanto, achamos a inflação implícita para os anos à frente alta demais. Em outras palavras e de maneira mais pragmática, gostamos dos prefixados do meio da curva. O racional está detalhado na seção dedicada à renda fixa, com um panorama sobre inflação e juros.
Em paralelo, defendemos uma exposição relevante às ações brasileiras, que se encontram bastante baratas e num estágio interessante do ciclo.
B3 oferece valuations atrativos
O múltiplo Preço sobre Lucro da bolsa de valores brasileira está na casa de 6x. Esse nível se compara apenas a outras situações de crises extremas no Brasil, como a crise da era Dilma (resultado do desastre da nova matriz econômica), a greve dos caminhoneiros de 2018 (mesmo ali os múltiplos estavam acima dos atuais) e a pandemia de 2020. Em todas as situações anteriores em que atingimos patamar semelhante nessa métrica de valuation, observamos, nos anos seguintes, vigorosa valorização das ações locais.
Outro indicador a apontar na mesma direção é o prêmio de risco da bolsa de valores local. Ou seja, o retorno excedente esperado das ações frente à renda fixa. Ele é calculado a partir da diferença entre o earnings yield (inverso do Preço sobre Lucro) e o retorno esperado da NTN-B de cinco ou dez anos (a gosto do freguês). Gosto do indicador porque ele compara justamente a atratividade das ações frente à renda fixa. Ele está perto de suas máximas históricas, sugerindo que, apesar dos altos retornos oferecidos pela renda fixa brasileira, a expectativa é de que você seja ainda mais bem remunerado pelas ações.
Sabemos que valuation não é necessariamente um catalisador de performance de curto prazo. O barato pode ficar ainda mais barato ou demorar a ficar caro. É uma ressalva importante e ela está preservada.
Contudo, gostamos do estágio do ciclo da economia e das ações da bolsa de valores do Brasil.
Primeiramente, porque entendemos estar diante de um expressivo catalisador para os ativos de risco brasileiros: as eleições. Há, pelo menos, dois ricos importantes ligados ao pleito, de tal modo que o mercado cobra prêmio de risco eleitoral para estar nos ativos domésticos neste momento.
O primeiro se refere à possibilidade de eventual adoção de uma política econômica heterodoxa à esquerda, com abandono da responsabilidade fiscal e retomada de uma postura muito intervencionista na economia, a partir de um Estado empresário.
Não podemos afirmar que esse risco é zero. Ao contrário, ele existe e sempre precisamos estar atentos. Entretanto, entendemos que o mercado atribui uma probabilidade excessiva à sua materialização. Há muito tempo temos defendido que as eleições deveriam acabar convergindo ao centro e, de fato, as últimas sinalizações corroboram essa avaliação. Em encontros privados ou em discursos públicos, a defesa de algum respeito a certa ortodoxia na gestão macro e à responsabilidade fiscal, em que pese a retórica eleitoral popularesca, se mostra presente. Mais recentemente, a manifestação pública de apoio do ex-ministro Henrique Meirelles também reforçou o prognóstico. Os candidatos são conhecidos, há muitas instituições de Estado, com seus pesos e contrapesos, que inibem radicalismos, o Congresso é conservador, razoavelmente reformista e pouco simpático a ideias muito à esquerda. O presidente do Banco Central será o mesmo e sempre há incentivo para alguma austeridade nos começos de mandato, até para que se possa pisar no acelerador mais próximo das eleições futuramente.
O segundo corresponde àquilo que Luis Stuhlberger brilhantemente batizou de risco “Banana Republic” ou que outros chamam de terceiro turno, ligado à possibilidade de contestação das eleições, a eventuais ameaças de ruptura institucional e a protestos de rua.
É uma possibilidade, claro. Contudo, isso estaria mais associado a ruídos e volatilidade de curto prazo, coisas de duas a três semanas, do que propriamente a mudança de cenário. Vemos as instituições brasileiras como suficientemente fortes para resistir a esse tipo de barulho e contestação. Como somos investidores de longo prazo e não especuladores ou day traders, mesmo admitindo esse risco, seguimos comprados.
Em outras palavras, o mercado atribui, no geral, um risco exagerado às eleições. Conforme esse prêmio de risco seja dissipado, algo que veremos nas próximas semanas e meses, os ativos brasileiros deveriam subir. Como afirmou há poucos dias o grande investidor Mark Mobius, mais ou menos nestas palavras: “estou somente esperando a concretização das eleições no Brasil e uma transição ordenada de governo para aumentar minha posição nas ações locais.” A declaração de Mobius é mais do que uma visão individual, mas uma possível metonímia de um comportamento mais geral. Direto ao ponto, a eleição pode, sim, ser um driver importante para os mercados locais. O mesmo Luis Stuhlberger, em evento da B3 e da Anbima, acaba de se manifestar nesta linha: “o aceno com a moderação deve atrair estrangeiros”, antecipando um bom desempenho das ações no período imediatamente posterior às eleições.
Outro elemento interessante referente ao estágio do ciclo também nos deixa particularmente animados.
O Brasil está num estágio mais avançado frente aos países desenvolvidos e a outros emergentes relevantes — dos BRICs, por exemplo, a comparação nos favorece por larga margem. Mas o fato de já termos feito o pico dos juros e da inflação nos coloca em posição bastante privilegiada. Mais do que isso, historicamente, esse tem sido um bom indicador para antecipar ciclos de alta das ações da bolsa de valores brasileira.
Em carta de agosto a seus cotistas, a gestora Safari Capital foi muito feliz ao ilustrar o argumento. Diz assim: “descrevemos os picos de inflação e juros nos últimos anos. São 3 momentos: 2011 com o pico da inflação decorrente da retomada pós-crise financeira, 2016 com o pico da crise no governo Dilma e 2018 com os riscos eleitorais. Se estivermos corretos, estamos fazendo outro pico por agora.”
Então, completa: “Na tabela abaixo calculamos para várias janelas os ganhos que o nosso Índice de Domésticos teria para várias janelas após os picos de inflação e juros em cada uma dessas crises. São ganhos expressivos, especialmente nas voltas de 2016 e 2018, quando os múltiplos estavam também mais comprimidos, em níveis comparáveis ao mercado de hoje.”
Isso, junto ao valuation bastante atrativo localmente e às sucessivas surpresas positivas dos dados econômicos, alimenta nosso otimismo com as ações brasileiras.
Ressalva importante: não significa que será um passeio no parque. Ao contrário, há riscos expressivos no horizonte, em especial vindos do cenário externo, conforme temos falado até de maneira insistente. Por isso, vemos espaço para uma posição short (vendida) em bolsa norte-americana, como forma de proteger, ainda que parcialmente, a exposição comprada em ações brasileiras.