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Brasil vive incerteza sobre reforma ministerial e China pode estar próxima de uma crise comparável à de 2008; confira

A questão da reforma ministerial pode afetar a votação do arcabouço fiscal, uma vez que membros do Centrão têm exercido pressão para que nenhuma matéria de interesse do governo seja apreciada até que essa isso seja solucionado.

Por Matheus Spiess

21 ago 2023, 08:58 - atualizado em 21 ago 2023, 08:58

Após cinco altas seguidas do Ibovespa, recentes mudanças em Brasília geram tensão no mercado; entenda
Imagem: Pexels

Bom dia, pessoal. Nos mercados externos, as bolsas asiáticas encerraram a sessão desta segunda-feira (21) sem uma tendência única, refletindo a divergência de movimentos observada em Wall Street na sexta-feira anterior. A prudência dos investidores persiste, uma vez que dados positivos dos Estados Unidos aumentaram as preocupações de que o Federal Reserve (Fed) manterá as taxas de juros em patamares elevados por um período prolongado a fim de conter a inflação.

Enquanto isso, o Banco Popular da China reduziu a taxa básica de juros para empréstimos de um ano em 10 pontos-base, estabelecendo um novo piso histórico de 3,45%. Apesar dessa e outras medidas de estímulo, a percepção prevalecente é que elas podem ser insuficientes e implementadas tardiamente para enfrentar os desafios atuais (o bom e velho “too little, too late”).

As bolsas europeias começam a semana em alta, assim como os futuros das ações americanas e a maioria das commodities de maior relevância. Nos Estados Unidos, toda a atenção está voltada para o Simpósio de Jackson Hole, a partir da quinta-feira, em que Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, poderá fornecer mais indícios sobre a trajetória da política monetária norte-americana. Este evento é aguardado com ansiedade para obter mais insights sobre as perspectivas do Fed e as possíveis direções que a política monetária poderá tomar.

A ver…

· 00:53 — Nós nas Gargantas do Poder: o engasgar da Reforma Ministerial

No cenário nacional brasileiro, finalmente rompemos a sequência histórica de 13 quedas consecutivas do índice Ibovespa, ainda que essa recuperação tenha sido de forma bastante contida. É possível que, nos próximos dias, possamos observar uma continuação da retomada nos ativos locais, desde que as condições internacionais permitam e a cena política em Brasília não crie obstáculos. No entanto, as preocupações oriundas da capital federal persistem.

A incerteza em torno da reforma ministerial emerge como uma ameaça à votação do arcabouço fiscal, uma vez que membros do Centrão têm exercido pressão para que nenhuma matéria de interesse do governo seja apreciada até que essa questão seja solucionada. O dilema se agrava devido à ausência do presidente Lula, que se encontra fora do país para participar da Cúpula dos BRICS e tem retorno previsto para o dia 28.

O presidente demonstra hesitação sobre a alocação dos parlamentares de partidos como PP e Republicanos, que têm exigido concessões cada vez mais significativas. No entanto, sem essa definição, o prazo para a votação do arcabouço fiscal nesta semana torna-se mais apertado, o que aumenta a pressão sobre as taxas de juros. Nesse contexto, o relator do projeto na Câmara já mencionou a possibilidade de adiar a votação.

Essa situação delicada coloca maior pressão sobre a agenda econômica do governo, liderada por Haddad, que é dependente de uma maior arrecadação. Sem a aprovação do arcabouço fiscal, o governo poderia se ver obrigado a recorrer a despesas condicionadas, uma solução considerada menos ideal para a sustentabilidade das finanças públicas.

· 01:52 — Ecos nas Montanhas de Jackson Hole: para onde vai a taxa de juros?

Nos Estados Unidos, o índice S&P 500 registrou um notável avanço nos primeiros sete meses de 2023; no entanto, mais de um quarto desses ganhos foram revertidos após alertas de que o mercado havia abraçado precipitadamente a ideia de que a inflação estava sob controle e que os aumentos nas taxas de juros haviam chegado ao fim.

Diante desse cenário, alguns investidores estão direcionando seus recursos para títulos, uma vez que as taxas de juros mais elevadas resultam em pagamentos maiores e menos expostos a riscos.

A expectativa de mais elevações das taxas de juros nos Estados Unidos e a manutenção dessas taxas em níveis elevados por um período prolongado contribuíram para o clima de pessimismo nos mercados na semana passada. Isso ganhou ainda mais força após a divulgação da Ata do Federal Reserve (Fed), que reforçou a postura “hawkish” que já havia sido indicada por alguns membros individuais da autoridade monetária norte-americana.

A política monetária dos EUA estará novamente no centro das atenções nesta semana devido ao Simpósio de Jackson Hole, realizado em Wyoming. O presidente do Fed, Jerome Powell, enfrenta a tarefa de amenizar ou reforçar as preocupações em seu discurso, agendado para a sexta-feira. É provável que o Fed reafirme sua intenção de manter as taxas de juros elevadas por um período prolongado, a fim de assegurar que a inflação não volte a aumentar.

· 02:47 — Um comportamento bem atípico

Nos últimos dias, os mercados americanos têm experimentado um cenário peculiar, conforme destacado de maneira perspicaz por André Esteves, chairman do BTG Pactual, durante um evento recente. A despeito do Federal Reserve (Fed) estar se aproximando do fim do ciclo de elevação das taxas de juros, as taxas futuras de médio e longo prazo estão em ascensão. Esse movimento é intrigante, uma vez que, nesse ponto do ciclo econômico e monetário, o esperado seria que essas taxas futuras estivessem em declínio.

Esse fenômeno tem implicações que ecoam globalmente, já que as taxas de juros dos Estados Unidos servem como parâmetro para os custos financeiros internacionais. Em decorrência disso, a valorização do dólar, que passou de R$ 4,70 para cerca de R$ 5, é uma manifestação direta dessa dinâmica nas taxas de juros americanas. No entanto, essa alteração não pode ser exclusivamente atribuída aos eventos internos do Brasil (as incertezas fiscais recentes, por si só, não justificam essa volatilidade).

É notório que essa conjuntura parece ser um tema intrínseco e peculiar à economia dos Estados Unidos, transcendendo o âmbito meramente financeiro. Esse cenário emerge especialmente devido ao déficit estar em um patamar elevado e ao governo estar compelido a emitir dívidas, o que, por sua vez, gerou repercussões adversas, incluindo o rebaixamento pela Fitch.

· 03:38 — O Tigre Reage: novos estímulos para a economia chinesa

A China tomou a medida de reduzir a taxa de referência de 1 ano de 3,55% para 3,45%, ao passo que a taxa de 5 anos permaneceu inalterada em 4,2%. Esse movimento, que até o momento não produziu os resultados desejados, foi implementado como uma tentativa de estímulo. Essa iniciativa sucede ações anteriores do governo chinês, incluindo dois cortes de 15 pontos-base na taxa de empréstimos de um ano nos últimos três meses. Além disso, o governo anunciou medidas de apoio ao setor imobiliário em resposta ao pedido de falência da incorporadora Evergrande nos Estados Unidos.

Outra questão preocupante envolve a gestora Zhongrong International Trust, reconhecida por financiar projetos de construção de incorporadoras chinesas, e que possui cerca de US$ 110 bilhões em ativos sob sua administração. Há receios de que essa situação possa ser o início de um processo que potencialmente culmine em uma crise comparável ao caso do Lehman Brothers em 2008, agora na China em 2023. A intenção por trás dessas ações é evitar um desdobramento crítico e salvaguardar a meta anual de crescimento do país de 5%.

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· 04:21 — Geopolítica chinesa

No âmbito internacional, a China aspira criar, dentro do grupo dos BRICS, uma nova coalizão multinacional de mercados emergentes para rivalizar com o G7. Essa ambição é notável, especialmente vindo de um ator global que até o momento tomou medidas limitadas para abordar um dos problemas geopolíticos mais significativos e urgentes do mundo contemporâneo: o conflito na Ucrânia. Ao longo de 18 meses de guerra, a declaração do presidente Xi Jinping sobre uma “amizade ilimitada” com a Rússia foi repetidamente posta à prova.

A China tem culpado o Ocidente pela intervenção russa e continua adquirindo petróleo russo com descontos. No entanto, também se recusou a endossar as reivindicações territoriais russas na Ucrânia, apresentando-se como uma voz neutra e defensora da paz. Recentemente, a Arábia Saudita organizou um encontro com representantes de mais de 40 países para discutir o fim do conflito. Durante essa reunião, autoridades chinesas afirmaram que contribuíram para fortalecer um consenso internacional pela paz e demonstraram disposição para participar de futuros encontros do tipo.

A China teria a capacidade de liderar esforços para resolver o conflito de forma confiável, porém, tal ação demandaria o uso de sua influência econômica e política para convencer os governos russo e ucraniano a ceder em pontos que até o momento têm sido fortemente defendidos. A importância da participação chinesa em conversas das quais seus aliados russos estão excluídos é indiscutível. No entanto, a Ucrânia permanece distante de uma paz duradoura. O ponto crucial é que o atributo predominante da China, sua influência econômica, parece estar em uma posição aparentemente vulnerável.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.