Investimentos

Confira seis fatores de risco para o Ibovespa (e a Bolsa em geral) em 2024

Recentemente, apontamos seis motivos para otimismo com a Bolsa em 2024; agora, é hora de analisar os principais riscos

Por Fernando Ferrer

19 jan 2024, 11:29 - atualizado em 19 jan 2024, 11:29

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Principais fatores de risco para o Ibovespa e a Bolsa em 2024.

Na última semana, exploramos alguns pontos que nos deixam otimistas com a bolsa brasileira em 2024. No entanto, a ciência nada exata da construção de portfólios de investimentos também exige contemplar os potenciais gatilhos negativos.

Como sabemos, não é possível identificarmos quais deverão ser os Cisnes Negros do ano, haja visto que se o evento for possível de ser identificado, ele não se trata de um Cisne Negro. Afinal, essa denominação só cabe em eventos raros, imprevisíveis e de alto impacto. Contudo, podemos tentar mapear quais os principais fatores de risco ou eventos chaves que deverão ser acompanhados de perto, tendo em vista que poderão fazer preço no mercado.

Vamos a eles:

1. Desdobramento das guerras ainda em andamento

Existem duas guerras declaradas ocorrendo no momento no mundo, que, infelizmente, não cessaram com a entrada do novo ano: Rússia e Ucrânia e entre Israel e o grupo terrorista do Hamas.

No caso da primeira, apesar de escanteada dos holofotes devido a duração do conflito entre os dois países, não há sinais claros de que o seu fim esteja próximo e de quais poderão ser as implicações para o mundo.

Em relação ao conflito entre Israel e o Hamas, mesmo que as chances de escalada da guerra pareçam menores relativamente ao seu início, os ataques de ambos os lados seguem ativos e a tensão elevada.

A verdade é que, pouco se pode projetar sobre o desenrolar de guerras desses portes. No âmbito econômico, no curto prazo, os impactos de uma evolução dessas guerras abrangeriam principalmente a cadeia de suprimentos, tanto do lado logístico quanto no abastecimento dos bens e mercadorias, acarretando um problema de oferta. Além disso, as commodities agrícolas (no caso da Ucrânia) e o petróleo (no caso de Israel) são ativos que mais são impactados em um primeiro momento.

Como efeito, poderíamos ver novas pressões de preços globais, trazendo o fantasma da inflação – que está em uma trajetória bem mais comportada – de volta ao cerne das discussões e, consequentemente, levar as autoridades monetárias a postergar o ciclo de afrouxamento monetário ou até retomar o aperto. 

2. Recessão americana mais intensa (hard landing)

Depois de manter a taxa de juros próxima a zero por dois anos, em março de 2022, o FED deu início a um dos maiores apertos monetários do país, levando o ponto médio da faixa para atuais 5,375% – o patamar mais alto desde 2001.  

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Fonte: Bloomberg e Empiricus

Até o momento, o cenário que está se desenhando com os efeitos do aperto monetário é o melhor possível. O “pouso suave” ou “soft landing” ganhou maior probabilidade com a atividade econômica americana desacelerando de forma gradual com o nível de desemprego controlado, enquanto a inflação entrou em uma dinâmica mais benigna e converge para patamares cada vez menores. Esses foram, inclusive, os gatilhos para o fechamento da curva de juros em novembro e o consequente rally das bolsas.

No entanto, não é possível estimar com precisão quando o efeito dos juros mais altos será completamente refletido na economia real, ainda mais após as diversas distorções causadas pela pandemia. Incontáveis variáveis são afetadas pela retirada de liquidez monetária da economia e há um efeito cascata e retroativo entre as camadas que compõe a economia, até que toda a cadeia sinta o impacto. Assim, existe a possibilidade de os efeitos do aperto monetário ainda estarem longe do seu auge e eventualmente caminharmos para um “hard landing”

Essa incerteza mantém na discussão a possibilidade de uma recessão mais forte no segundo semestre do ano. Um dos principais indicadores a ser monitorado é o dado mensal de emprego nos EUA, o Payroll. Se a dinâmica atual se mantiver, com a abertura de novos postos de trabalho desacelerando para um ritmo mais estável, é um sinal de que estamos caminhando para o soft landing. Se o relatório passar a reportar fechamento de vagas, o alerta de recessão deve acender no mercado e trazer mais volatilidade para os ativos. A ver.

3. Eleições americanas

A trajetória até as eleições americanas e os seus desdobramentos finais são apontados como o principal risco geopolítico global de 2024, pela conceituada consultoria Eurasia.

Apesar de resiliente no âmbito militar e econômico, o dividido sistema político norte-americano deverá ser colocado sob tensão. A confiança da população nas instituições políticas e sociais declinou de forma acelerada nos últimos anos, atingindo níveis extremamente baixos.

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Nível de confiança dos americanos nas instituições políticas e sociais | Fonte: Eurasia e Gallup

A desconfiança da base eleitoral como pano de fundo desse cenário, somado ao episódio antidemocrático durante a apuração da última eleição e a um eventual retorno de Donald Trump, que até pouco tempo era inelegível, mas deve recuperar o seu direito de concorrer às eleições este ano e já iniciou campanha eleitoral, pode reacender o sentimento de polarização entre os cidadãos americanos.

Assim, poderíamos ver reações desproporcionais, além de discursos cada vez mais populistas dos candidatos, impactando negativamente os mercados.

Mas serão esses impactos duradouros ou ruídos de curto prazo?

O gráfico abaixo mostra que, historicamente, o resultado das eleições parece ser pouco representativo para a performance das ações. Em média, desde 1928 (excluindo 2008, que foi impactado pela crise imobiliária dos EUA), o S&P 500 se valorizou 13% em anos eleitorais. Além disso, as piores e melhores performances após a vitória de cada partido (democrata e republicano) não são tão díspares, o que indica pouca influência do vencedor nas bolsas.

Linha do tempoDescrição gerada automaticamente
Fonte: UBS

Claro, essa é uma análise simplista e cada eleição tem suas características próprias. Mas o estudo reforça a importância de manter a cabeça fria e procurar diferenciar o ruído de sinal em momentos barulhentos, como as eleições.

4. Fiscal brasileiro

O não mais tão novo governo, que entra agora no seu segundo ano de mandato, colocou como meta orçamentária para 2024 zerar o déficit primário do país, ou seja, não gastar mais do que arrecadar. Contudo, há grande desconfiança do mercado (e do próprio governo) de que essa meta será alcançada.  

A incerteza acontece porque o governo, que deve manter sua característica assistencialista, pretende atingir esse objetivo sustentado por um dispêndio público mais elevado. A ideia é alcançar o déficit zero (ou chegar o mais próximo possível) aumentando a arrecadação do Estado, e não cortando as despesas públicas, como é mais usual.

Aprovar medidas no congresso que visam aumentar impostos não tem sido tarefa simples. Como sabemos, a carga tributária do Brasil já é bastante elevada e, além disso, o lobby nos corredores de Brasília é forte para a manutenção de interesses de determinados grupos que viriam a ser afetados por novas regras de tributação.

Além disso, a pressão segue aumentando sobre o tema, articulado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Os últimos dados mostraram um déficit primário das contas públicas de R$ 37,3 bilhões em novembro de 2023, o maior para o mês desde 2016, consolidando um saldo negativo de R$ 119,6 bilhões no ano (janeiro-novembro) – no mesmo período, em 2022, foi reportado um superávit de R$ 137,8 bilhões.

Gráfico, Gráfico de linhasDescrição gerada automaticamente
Fonte: BC e Empiricus

Em caso de o cenário atual progredir ao longo de 2024, o chamado “risco Brasil” deverá aumentar e, consequentemente, também o prêmio de risco exigido para investir nas ações brasileiras (o que derrubaria os valuations). Além disso, uma maior deterioração das contas públicas, pressionada por gastos elevados e uma arrecadação aquém do necessário para equilibrá-las, tudo mais constante, pressiona novamente a inflação e pode colocar em xeque o ciclo de queda nos juros.

No contraponto, olhando o resultado fiscal como percentual do PIB, o cenário requer cuidado, mas não beira uma calamidade. A expectativa é que fique em 1,4% do PIB em 2023, longe de períodos catastróficos, como no governo Dilma (2,5% do PIB em 2016). Ainda, o governo federal avançou em algumas medidas para aumentar a arrecadação, como a aprovação da MP das subvenções e a taxação de fundos exclusivos e offshore. A MP da reoneração da folha de pagamentos, que também seria um passo importante na direção do déficit zero, segue em discussão. Além disso, os gatilhos de limitação do gasto público previstos no arcabouço fiscal, que são atrelados ao nível de crescimento observado na arrecadação e do PIB real, também limitam em alguma medida uma piora desenfreada da situação fiscal.

5. Riscos climáticos e choques ambientais

Os desdobramentos iniciais do El Niño, fenômeno climático global caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano pacífico, já estão aparecendo no setor agrícola. Os efeitos são sentidos em todo o mundo através das fortes ondas de calor e chuvas irregulares de alta intensidade, mas principalmente nas regiões abaixo da linha do equador.

Na região Centro-Oeste do Brasil, principal produtor de soja no mundo, uma quebra de safra vai se confirmando à medida que as chuvas seguem escassas e as temperaturas excessivamente elevadas.  Na região Sul, a safra de grãos também deve ser revisada para baixo por conta dos efeitos do El Niño, que, nesse caso, causou chuvas excessivas nas plantações sulistas.

Os investidores deverão ficar alertas ao longo de 2024, pois o El Niño está em sua fase inicial e pode se intensificar ao longo do ano. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, a expectativa é que este ano continue a tendência de 2023 e fique entre os anos mais quentes da história.

DiagramaDescrição gerada automaticamente
Fonte: BBC

Em caso de materialização deste cenário, com temperaturas ainda mais extremas e chuvas torrenciais intensas, uma quebra mais aguda na oferta de grãos pode ocorrer, pressionando novamente a inflação de alimentos.

As implicações econômicas a partir desse evento seriam problemáticas, pois poderiam frear o ciclo de corte de juros global e, especificamente no Brasil, pressionar ainda mais a renda doméstica, que segue fragilizada.

Além disso, localmente, a intensidade das chuvas causou sérios danos ao longo de 2023 e, em algumas regiões, neste início de 2024. Alagamentos, quedas de energia e destruição de patrimônio público e privado afetaram a atividade econômica do país. Ter esses eventos com mais força este ano pode acarretar problemas mais preocupantes de crescimento.  

Do lado agrícola, vale ponderar que, apesar da quebra de safra esperada frente as expectativas iniciais, ainda devemos ver uma colheita forte. No caso da Soja, por exemplo, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), cortou quarta-feira (10) suas projeções para a safra 2023/24 em 5 milhões de toneladas frente a projeção de dezembro, em função dos efeitos do El Niño. Contudo, ainda deve ser uma safra recorde em 155 milhões de toneladas. Assim, acreditamos que um cenário mais adverso viria a ganhar pujança apenas mediante uma intensificação do fenômeno climático.

6. Risco de maior intervenção estatal no ambiente de negócios

Sendo um governo mais intervencionista, há um temor pelos investidores em relação ao aumento da insegurança jurídica no país. Tivemos algumas investidas nessa direção ao longo de 2023 que, em boa parte, não se concretizaram.  

No início do ano, tivemos as tentativas de alterações no Marco do Saneamento, com o objetivo de trazer de volta regalias as empresas públicas, como na prestação direta de serviços sem a necessidade de licitações ou provação de capacidade econômico-financeira. Contudo, o governo foi derrotado no Congresso e não foram realizadas mudanças estruturais na regulação.

Um pouco mais a frente, ainda no primeiro semestre de 2023, ocorreram críticas públicas do presidente da república sobre a privatização da Eletrobras e ruídos sobre uma tentativa de retomada de controle sobre a companhia, outra mensagem bastante negativa para o ambiente de negócios – mas que também ficou no ruído.

No segundo semestre, outro exemplo de tentativa de maior intervenção estável foi através da mudança nas regras para renovação das concessões das distribuidoras. Como comentamos na época, as novas medidas trariam um ônus grande para as empresas do setor, o que poderia afastar o capital privado, responsável por realizar investimentos bilionários na infraestrutura energético do país. Essa também foi freada e deve impactar as distribuidoras de forma bem mais leve do que o proposto incialmente.

Olhando para 2024, deveremos presenciar novas investidas do governo em direção a formação de um Estado ainda maior e mais controlador. Ainda, a utilização da máquina pública para realizar políticas parafiscais também é um risco a ser considerado. O governo tem ferramentas como o BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica (e por aí vai…) para fazer política pública (conceder crédito subsidiado, realizar investimentos etc.) sem precisar passar pelo Congresso ou pelo Banco Central.

O que nos traz alguma tranquilidade, é que a maior parte dos ruídos de 2023 foram apenas ruídos. Além disso, o congresso mais ao centro deverá seguir com papel importante na limitação dos poderes do alto escalão do poder executivo. Vale ressaltar que, apesar de não terem se concretizado, muitas dessas investidas fizeram preço (e muito) nos ativos – daí a importância de sempre buscar diferenciar ruído de sinal.

Sobre o autor

Fernando Ferrer

Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e com MBA em Finanças pela mesma instituição, Fernando Ferrer atua na Empiricus como analista de investimentos há 5 anos cobrindo os setores de Varejo, Saúde e Infraestrutura. Atualmente, é responsável pela série best-seller As Melhores Ações da Bolsa e faz parte da equipe que comanda o Carteira Empiricus, o portfólio multimercado que é o carro-chefe da casa.