Investimentos

Por que não acreditamos em uma “desdolarização” do mercado; e uma oportunidade para ter a chance de ganhar com o dólar em meio a essa discussão

Nosso entendimento é de que a tese sobre “desdolarização” mundial é muito exagerada e que o dólar não deve superar os R$ 6, nem ficar abaixo de R$ 4,50

Por Felipe Miranda

03 maio 2023, 11:05 - atualizado em 03 maio 2023, 11:05

Imagem representando o dólar futuro, mostrando notas de dólar.
Imagem: Freepik

Paralelamente aos atritos entre EUA e China, somados à narrativa de desglobalização e regionalização, ganhou força a tese de que o mundo estaria caminhando para o inevitável colapso do domínio do dólar. O fluxo de notícias, como tem sido comum, reforça a ideia, em um ciclo vicioso.

São muitas as manchetes, com a Rússia adotando o yuan chinês em grande parte de seu comércio global, a Arábia Saudita considerando exportar petróleo para a China em yuan, a França comprando gás chinês em yuan e até o Brasil concordando em abandonar o dólar para o comércio bilateral com a China.

O noticiário fornece um terreno fértil para atiçar o medo sobre a iminente desvalorização do dólar e suas consequências supostamente catastróficas para os Estados Unidos e a economia global.

Claro, a ascensão da China como superpotência e a multipolaridade emergente do sistema global são fatores que contribuem para essa percepção, bem como a estagnação do crescimento da produtividade dos Estados Unidos, déficits fiscais crescentes, expansão monetária (que enfrenta desafios agora com juros mais elevados) e até fragilidade político-social.

No entanto, nosso entendimento é que a tese sobre “desdolarização” mundial é muito exagerada. Seguindo a maioria das medidas de uso, o dólar permanece incontestavelmente dominante no comércio e nas finanças globais, embora um pouco menos do que em seu ápice. Sim, houve uma grande erosão recente (últimos 20 anos) no status de reserva de valor do dólar, mas a relevância da moeda ainda é evidente, como podemos ver abaixo.

papel internacional do dólar americano
Elaboração: Eurasia | Adaptação: Empiricus Research

Quase 90% das transações mundiais em moeda estrangeira ainda são em dólar. Em outras palavras, enquanto a maioria das moedas é usada apenas no mercado interno ou em transações internacionais que envolvem diretamente o emissor da moeda, o dólar continua a ser amplamente usado para financiamento, preços, faturamento e liquidação comercial e empréstimos e empréstimos internacionais, mesmo quando os EUA não são envolvidos.

Embora a participação do dólar nas reservas cambiais de US$ 12 trilhões dos bancos centrais tenha de fato diminuído desde 1999, ainda é quase o dobro do euro, iene, libra e yuan combinados, o mesmo que era uma década atrás.

Seu concorrente mais próximo no status de moeda global, o euro, representa apenas 20% das reservas do banco central (e nós conhecemos bem a instabilidade da aliança monetária europeia – o caso da persistente fragmentação da Europa), em comparação com os 58% do dólar, seguido pelo iene japonês com 5%. O tão cobiçado yuan chinês está muito atrás, com menos de 3% das reservas cambiais.

Mesmo a China, em um ambiente de intensificação da competição geopolítica com os EUA e tendo acabado de testemunhar o poder do dólar sendo utilizado contra a Rússia, não teve escolha a não ser continuar acumulando ativos denominados em dólares. Aliás, um dos maiores feitos recentes dos americanos foi a transformação de sua moeda em uma arma econômica ímpar.

Mas por que o domínio do dólar permaneceu tão forte?

Porque não temos escolhas e o jogo se comporta como uma grande referência circular. As pessoas usam dólares porque outras pessoas usam dólares e assim por diante; o domínio do dólar gera o domínio contínuo do dólar.

Contudo, não sejamos ingênuos. Há razões para isso.

O dólar tem características inerentemente desejáveis. É ao mesmo tempo altamente estável, líquido, seguro e conversível. Os mercados financeiros dos EUA são de longe os maiores, mais desenvolvidos e mais líquidos do mundo, oferecendo uma abundância de ativos em dólares que os investidores estrangeiros podem negociar – nenhum outro mercado chega perto.

Complementarmente, como vimos durante o recente pânico bancário, toda vez que a turbulência agita os mercados globais, o dólar se fortalece à medida que os investidores migram para os ativos seguros mais abundantes e líquidos existentes. Na verdade, o dólar emergiu da crise quase tão forte quanto em 20 anos em relação a outras moedas importantes.

O medo de uma crise, mesmo que ela se origine nos EUA, fortalece o dólar, por mais contraintuitivo que isso possa soar. Por fim, os investidores querem manter ativos em dólares porque os fundamentos econômicos, políticos e institucionais da América inspiram credibilidade e confiança.

Os EUA têm as forças armadas mais fortes do mundo, as melhores universidades, o setor privado mais dinâmico e inovador, uma abertura ampla ao comércio e aos fluxos de capital, apesar das iniciativas protecionistas recentes, instituições governamentais relativamente estáveis, um banco central independente, políticas macroeconômicas sólidas, fortes direitos de propriedade e um Estado de direito robusto.

Dito de outra forma, pessoas de todo o mundo confiam no governo americano para guardar seus ativos e honrar seus direitos sobre eles, tornando o dólar a moeda mais segura e os títulos do governo dos EUA os ativos seguros mais valiosos do mundo. 

Não podemos dizer o mesmo do yuan chinês, não é mesmo?

Resumidamente, não vemos hoje o yuan como uma alternativa viável ainda por culpa da inclinação política de Pequim. Na verdade, as preferências políticas de Xi Jinping vão diretamente contra suas ambições de moeda global.

Apesar de seu papel crescente na economia global e desejo de longa data de derrubar o dólar, a China carece de proteção ao investidor, qualidade institucional e abertura do mercado de capitais necessárias para internacionalizar o yuan.

Nada disso significa que a vantagem do dólar não possa diminuir, é claro.

Afinal, toda moeda de reserva que veio antes do dólar foi dominante até o momento em que deixou de sê-lo. Assim como a hegemonia da libra esterlina no século 19 foi substituída, o dólar também poderia ser, mas definitivamente não neste momento e nem em breve.

É verdade, que a supremacia econômica dos Estados Unidos diminuiu nas últimas décadas, com sua participação na produção global sendo agora apenas uma fração do que era em 1945.

Hoje, porém, não existe desafiante.

Isso não quer dizer que o dólar não possa se fragilizar no curto prazo. Vimos anteriormente como ele se fortaleceu em 2022 e eventuais correções principalmente no ambiente atual, fazem parte de ciclos econômicos.

A queda da inflação e a possibilidade de um soft landing, somado ao fim do ciclo de aperto monetário pelo Fed, colocam a moeda em uma situação curiosa.

Veja o gráfico ilustrativo abaixo.

A ilustração apresenta, na verdade, dois cenários:

i) hard landing, no qual podemos ter um medo muito grande por conta do grau da recessão, o que provocaria valorização do dólar, e uma ganância enorme porque os ativos ficariam muito baratos, também valorizando a moeda americana; e

ii) um soft landing, não necessariamente o prometido pelo Fed (sem recessão alguma, mas por meio de um processo é breve ou pouco profundo), colocando o dólar em uma situação de letargia, aprisionado no médio prazo em pouca atratividade relativa.

Parece ser a nossa direção.

No final das contas, porém, não importa o quanto o dólar parece perder seu brilho no curto prazo, o status da moeda global é sobre vantagens relativas. Sem um desafiante viável, é muito improvável que o dólar perca seu papel especial tão cedo – para o bem ou para o mal. Pelo menos o enfraquecimento relativo no curto prazo (dollar smile) pode favorecer as economias emergentes, ainda que apenas marginalmente.

Por falar em câmbio: uma estrutura interessante com o dólar

Para encerrar,, complementarmente à ideia explorada no trecho anterior, identificamos uma oportunidade por meio de uma estrutura muito interessante com remuneração pré-fixada. O COE (Certificado de Operação Estruturada) com validade de um ano remunera o investidor caso o dólar (versus o real) não tenha ficado abaixo ou acima de nenhuma das barreiras durante o período de vigência da estratégia.

Trata-se de uma operação para ter a chance de lucrar até 20%, caso a moeda americana fique entre R$ 4,50 e R$ 6,00. Acaba sendo uma estrutura de hedge bastante interessante sobre o dólar. Te explico a tese completa neste link aqui:

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.