Investimentos

Dilema ou trilema: alguém tem que ceder

Olho para câmbio e juro que me sinto um idiota. Não é sempre. Só quando respiro. Parece-me que há algo errado nessa história.

Por Felipe Miranda

26 jun 2017, 10:41

“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,

As sensações renascem de si mesmas sem repouso.”

Tomo emprestadas as palavras de Mário de Andrade pois minhas sensações também parecem se multiplicar dentro de mim, espontaneamente. Penso num dilema impossível, logo sou remetido a um trilema – com inveja de Robert Mundell, também tenho cá minha trindade impossível.

Olho para câmbio e juro e me sinto um idiota. Não é sempre. Só quando respiro. Parece-me que há algo errado nessa história. Eu não sei qual dos dois, mas, aos preços atuais, as variáveis parecem indicar um equilíbrio instável – ou seria um desequilíbrio estável?

Deixo a semântica de lado. Penso que, se o câmbio está certo, então não há pressão inflacionária. Sendo esse o caso, então não haveria razão de o Copom reduzir o ritmo de corte na taxa Selic.

Há algo novo hoje que não me parece poder ser desprezado – mediana Top 5 do Focus para o curto prazo aponta inflação oficial de 2,94%. Isso está abaixo da banda inferior da meta de 2017. Sob a pretensão de ser parcimonioso e evitar desancorar as expectativas de inflação de 2018 para cima, o Banco Central corre o risco de desancorá-las para baixo neste ano.

Obviamente, existe a hipótese alternativa, de que o câmbio estaria errado. Veríamos um juro de curto prazo baixo, seguido de uma súbita e intensa aversão a risco nos próximos dois anos, forçando uma escalada das taxas.

O primeiro cenário me parece o mais provável. Temos contas externas em situação privilegiada, reservas elevadas, reformas microeconômicas capazes de atrair fluxo externo (privatizações e abertura para compra de terras por estrangeiros) e muita liquidez internacional. Ademais, com dinheiro sobrando no mundo e ativos depreciados por aqui, não seria surpresa uma intensificação dos movimentos de M&A, principalmente no setor elétrico e financeiro – Original e Indusval parecem na cara do gol; quem sabe uma outra corretora?

Seja como for, não parece razoável a combinação atual de preços entre câmbio e juro. Dessa dualidade impossível, infiro que uma posição grande em pré e indexados, protegida com algumas calls de dólar fora do dinheiro, me atrai fortemente.

O dilema câmbio-juro me remete ao trilema dívida-inflação-juro. Se você tem a oportunidade de ver apresentações de economistas ou gestores multimercados (pouco importa, eles pensam mais ou menos a mesma coisa – a verdade se forma a partir da cabeça de outros ou três, que acabam ancorando todas as demais opiniões; sabe como é… melhor errar com todo mundo do que acertar sozinho), se depara quase necessariamente com um slide da trajetória da dívida pública brasileira. Ela é explosiva. Às vezes, aparecem duas ou três linhas, com as versões: i) sem PEC do teto e sem Previdência; ii) com PEC e sem Previdência; e iii) com PEC e com Previdência. Somente no terceiro caso a dívida converge, ou seja, não caminha para a estratosfera.

De fato, mantendo constantes as demais variáveis, esse prognóstico catastrófico é verdadeiro. Ocorre, porém, que há endogeneidade no processo. A dívida não necessariamente é explosivo porque, se esse cenário trágico for se materializando, a inflação vem a galope. Não estou dizendo que esse panorama não é igualmente ruim. Apenas afirmo que, para um País que deve em moeda  local, há sempre a prerrogativa de emissão monetária. Então, faremos o ajuste fiscal de forma organizada ou a inflação fará o ajuste pra gente.

A disparada dos preços corrói a dívida e resolve esse problema específico do default clássico e direto – no fundo, acaba sendo a mesma coisa; a inflação é um “calote branco”, disfarçado. Nesse caso, pode ser melhor você estar em ativos reais (imóveis, fundos imobiliários e, surpreendentemente, ações de empresas com poder de remarcar preços), do que em renda fixa.

Semana começa com otimismo nos mercados. Lá fora, recuperação dos preços do petróleo, após sangria nos últimos dias, traz ânimo às bolsas. Internamente, nova queda das expectativas de inflação (mais sobre isso abaixo) alimenta suposições sobre possibilidade de Banco Central manter ritmo de cortes da Selic, embora esse não seja o cenário de consenso.

Cena política segue em foco, no aguardo de denúncia de Rodrigo Janot contra Michel Temer. Relatório da dívida pública fecha a agenda econômica local, após confiança do consumidor cair de 84,2 pontos para 82,3 pontos.

Nos EUA, saem encomendas de bens duráveis, atividade do Fed de Chicago e do Fed de Dallas.

Ibovespa Futuro acompanha otimismo lá fora e abre em alta de 0,8 por cento. Dólar cai 0,36 por cento contra o real e juros futuros cedem.

 

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.