Desde a invasão da Ucrânia por parte dos russos, as constantes reduções de fornecimento de gás natural do país comandado por Vladimir Putin para a Europa têm ganhado os noticiários.
O gás é visto como uma carta na manga da Rússia contra a Europa Ocidental: segundo dados da Bruegel, consultoria especializada em economia, o país fornece 40% das importações da fonte energética para o continente.
Mais recentemente, a Letônia foi a bola da vez. O Kremlin decidiu cortar a distribuição do combustível fóssil para o país (que importava 93% de seu gás natural da Rússia) depois do descumprimento da condição imposta de realizar o pagamento em rublos.
Pelo mesmo motivo, Holanda, Dinamarca, Polônia, Finlândia e Bulgária tiveram o fornecimento interrompido anteriormente. A “regra”, que é uma estratégia de Putin para garantir a demanda da própria moeda, tem dado resultado: em maio, o rublo superou o real e se tornou a moeda com melhor desempenho em 2022.
Nord Stream 1: gasoduto mais importante da Rússia afeta maior economia da Europa
Com potencial de fornecer 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano, o Nord Stream 1, principal gasoduto russo, teve o fornecimento reduzido por Vladimir Putin para 20% da capacidade.
Com rota direta da Rússia para a Alemanha, maior economia da Europa, o gasoduto controlado pela estatal Gazprom é responsável por aproximadamente um terço do gás consumido pelos alemães. O país, maior afetado pela crise energética causada pela guerra, importa 55% de seu gás natural da Rússia.
A fonte é usada no aquecimento de metade das casas da Alemanha, gera 13% da energia elétrica do país e atende cerca de 30% das necessidades da indústria.
“O efeito sobre a economia alemã é potencialmente enorme, e os efeitos indiretos sobre o desemprego parecem assustadores”, assinala o economista e fundador da Empiricus, Felipe Miranda, em relatório da série Palavra do Estrategista.
Desde junho, Vladimir Putin vem reduzindo constantemente a capacidade do Nord Stream 1. Veja algumas atitudes tomadas pelo presidente russo com relação ao gasoduto:
- Junho: Gazprom reduz o fluxo de gás do NS1 para 40% da capacidade.
- 11 de julho: Vladimir Putin corta 100% do fornecimento do gasoduto por 10 dias por conta de uma suposta necessidade de manutenção;
- 27 de julho: Gasoduto passa a distribuir apenas 20% da capacidade original.
O governo da Rússia alega problemas técnicos para justificar a redução no fornecimento. De acordo com o Kremlin, uma turbina que estava no Canadá para manutenção não foi devolvida por conta de sanções impostas a Moscou.
Berlim, por sua vez, não parece concordar com a ideia. A turbina está no oeste da Alemanha e, segundo o país, nada impede que a Rússia receba a peça, exceto o não envio de algumas documentações alfandegárias por parte de Vladimir Putin.
UE acusa Rússia de usar gás natural como arma de guerra e busca fontes alternativas
É consenso na Alemanha que as explicações da estatal russa são uma forma de mascarar a decisão do país de usar a fonte de energia como instrumento de guerra e inflar os preços do gás.
Com isso, o país busca fontes alternativas para obter a energia não renovável e se tornar menos dependente da Rússia. Berlim, inclusive, já negocia com outros países, como Holanda e Noruega.
Sob críticas de que a dependência do gás natural ajuda a financiar a guerra na Ucrânia, a União Europeia também procura meios de superar a necessidade da fonte energética russa.
O Conselho da UE estabeleceu um plano para que seus membros reduzam, voluntariamente, 15% do consumo de gás de agosto de 2022 até o final de março de 2023. A ideia, além de diminuir a dependência da Rússia, é evitar que o inverno cause crise energética ainda maior pela escassez de gás.
“Com a proximidade do inverno europeu, não dá pra saber o que vai acontecer”, afirma o sócio-fundador da SPX, Rogério Xavier, em entrevista exclusiva aos analistas da série Melhores Fundos de Investimentos.
Como forma de economizar e mostrar à população a seriedade da questão, o governo da Alemanha, nesta semana, desligou as luzes e outras fontes de energia de pontos turísticos.
O chefe de política externa da UE, Josep Borrell, disse à agência de notícias alemã DW que as importações de gás russo caíram pela metade. No entanto, de acordo com ele, “ninguém pode pedir às economias que cortem o fornecimento de gás da noite para o dia”.
A importância do gás natural para a economia europeia
Na Europa são poucas as fontes de energia renováveis comuns no Brasil, como etanol e hidrelétricas.
O gás natural é o principal combustível utilizado para gerar eletricidade em muitos países europeus. No geral, só fica atrás do petróleo como recurso energético mais utilizado no continente.
O gás é usado para fornecer energia e aquecer casas no inverno, além de manter a indústria funcionando. Um dos motores de crescimento da Europa são as fábricas, que correm o risco de parar por conta da crise energética.
“O mercado vê o risco de recessão na Europa dominado pelo fornecimento de gás russo”, afirmou Felipe Miranda.
Se por um lado o continente europeu é o maior importador de gás natural, a Rússia é a maior exportadora. O país detém a maior reserva natural do combustível fóssil no mundo, com cerca de 25% do recurso existente na Terra.
Em 2020, a Gazprom exportou aproximadamente 175 bilhões de metros cúbicos de gás natural para o continente, o que equivale a 68% da sua exportação total da fonte de energia.
O impacto das decisões russas sobre o combustível fóssil é tanto que, quando o país anunciou a intenção de restringir ainda mais o fornecimento, no dia 27 de julho, o preço do recurso subiu 13% em apenas um dia na Europa. O valor do gás natural atualmente está 450% maior quando comparado ao mesmo período do ano passado.
“Eventualmente, a crise energética pode custar aos contribuintes europeus US$ 200 bilhões por meio de contas de energia e impostos mais altos. Segundo o Goldman Sachs, uma interrupção total dos fluxos russos para a Europa seria equivalente a um choque de oferta de 35% no mercado de gás europeu”, explica Felipe Miranda.
Nord Stream 2: mesmo sem funcionar, gasoduto também é pauta na guerra
Antes dos desdobramentos da guerra na Ucrânia, a Alemanha foi a grande apoiadora da construção do Nord Stream 2, gasoduto com rota paralela à do Nord Stream 1.
Concluído em 2021, o projeto dobra a capacidade de fornecimento do gás natural russo à Alemanha: o país receberia 110 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente.
Desde a concepção do projeto, o Nord Stream 2 recebeu uma grande quantidade de críticas, justamente pela dependência energética que daria à Rússia. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a afirmar que o gasoduto colocaria a Europa “nas mãos de Putin”, que a qualquer momento poderia cortar o fornecimento.
O Nord Stream 2 nunca funcionou de fato. Devido a guerra, a Alemanha travou algumas documentações necessárias para que o projeto entrasse em funcionamento.
Felipe Miranda acredita que, ao passo que o inverno se aproxima, as armas de pressão de Putin vão se fortalecer. Apesar disso, ele não acredita que a Rússia cortará o fornecimento de gás para a UE.
“Provavelmente Putin não deseja cortar completamente o gás russo da Europa, mas ele quer que o mundo saiba que ele pode fazer isso. O líder russo entende que as crises de alimentos e energia que está causando em todo mundo estão corroendo rapidamente a posição política de seus rivais”, finalizou.
Como a crise na Europa pode afetar o Brasil e o mundo?
Se o conflito na Ucrânia já gera forte impacto em todo o mundo, provocando inflação nos alimentos e na energia em geral, as consequências de uma crise energética na União Europeia poderiam ser muito mais graves.
Em um primeiro lugar, a Europa ampliaria sua demanda por outras fontes, como o petróleo, o que tenderia a elevar o preço do barril – inflacionando praticamente toda a cadeia de produção global.
Por outro, ao concentrar boa parte dos países mais ricos do mundo e ter uma economia extremamente globalizada, uma crise na Europa e em suas empresas tenderia a se espalhar por todo o planeta.
Além disso, conflitos e incertezas sempre tendem a derrubar o apetite dos investidores pelo risco, o que seria péssimo justamente em um momento em que o mundo parece querer se livrar do aperto monetário e retomar o crescimento.