Investimentos

Entenda a importância do gás natural da Rússia para a Europa e como ele afeta a economia global

Nord Stream 1, principal gasoduto da Rússia, opera em 20% da capacidade; UE acusa Putin de utilizar gás natural para promover ‘guerra energética’

Por Juan Rey

04 ago 2022, 16:22 - atualizado em 04 ago 2022, 16:42

Peças de xadrez com o desenho das bandeiras da Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e União Europeia simbolizam o conflito atual
Reprodução: Shutterstock

Desde a invasão da Ucrânia por parte dos russos, as constantes reduções de fornecimento de gás natural do país comandado por Vladimir Putin para a Europa têm ganhado os noticiários. 

O gás é visto como uma carta na manga da Rússia contra a Europa Ocidental: segundo dados da Bruegel, consultoria especializada em economia, o país fornece 40% das importações da fonte energética para o continente.

Mais recentemente, a Letônia foi a bola da vez. O Kremlin decidiu cortar a distribuição do combustível fóssil para o país (que importava 93% de seu gás natural da Rússia) depois do descumprimento da condição imposta de realizar o pagamento em rublos. 

Pelo mesmo motivo, Holanda, Dinamarca, Polônia, Finlândia e Bulgária tiveram o fornecimento interrompido anteriormente. A “regra”, que é uma estratégia de Putin para garantir a demanda da própria moeda, tem dado resultado: em maio, o rublo superou o real e se tornou a moeda com melhor desempenho em 2022.

Nord Stream 1: gasoduto mais importante da Rússia afeta maior economia da Europa

Com potencial de fornecer 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano, o Nord Stream 1, principal gasoduto russo, teve o fornecimento reduzido por Vladimir Putin para 20% da capacidade.

Com rota direta da Rússia para a Alemanha, maior economia da Europa, o gasoduto controlado pela estatal Gazprom é responsável por aproximadamente um terço do gás consumido pelos alemães. O país, maior afetado pela crise energética causada pela guerra, importa 55% de seu gás natural da Rússia.

A fonte é usada no aquecimento de metade das casas da Alemanha, gera 13% da energia elétrica do país e atende cerca de 30% das necessidades da indústria.

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Operando no fundo do mar Báltico, Nord Stream 1 (linha azul) sai de Viburgo, cidade perto de São Petersburgo, na Rússia, e vai até Greifswald, nordeste da Alemanha. Foto: Gazprom

“O efeito sobre a economia alemã é potencialmente enorme, e os efeitos indiretos sobre o desemprego parecem assustadores”, assinala o economista e fundador da Empiricus, Felipe Miranda, em relatório da série Palavra do Estrategista.

Desde junho, Vladimir Putin vem reduzindo constantemente a capacidade do Nord Stream 1. Veja algumas atitudes tomadas pelo presidente russo com relação ao gasoduto:

  • Junho: Gazprom reduz o fluxo de gás do NS1 para 40% da capacidade. 
  • 11 de julho: Vladimir Putin corta 100% do fornecimento do gasoduto por 10 dias por conta de uma suposta necessidade de manutenção;
  • 27 de julho: Gasoduto passa a distribuir apenas 20% da capacidade original.

O governo da Rússia alega problemas técnicos para justificar a redução no fornecimento. De acordo com o Kremlin, uma turbina que estava no Canadá para manutenção não foi devolvida por conta de sanções impostas a Moscou.

Berlim, por sua vez, não parece concordar com a ideia. A turbina está no oeste da Alemanha e, segundo o país, nada impede que a Rússia receba a peça, exceto o não envio de algumas documentações alfandegárias por parte de Vladimir Putin.

UE acusa Rússia de usar gás natural como arma de guerra e busca fontes alternativas

É consenso na Alemanha que as explicações da estatal russa são uma forma de mascarar a decisão do país de usar a fonte de energia como instrumento de guerra e inflar os preços do gás. 

Com isso, o país busca fontes alternativas para obter a energia não renovável e se tornar menos dependente da Rússia. Berlim, inclusive, já negocia com outros países, como Holanda e Noruega.

Sob críticas de que a dependência do gás natural ajuda a financiar a guerra na Ucrânia, a União Europeia também procura meios de superar a necessidade da fonte energética russa. 

O Conselho da UE estabeleceu um plano para que seus membros reduzam, voluntariamente, 15% do consumo de gás de agosto de 2022 até o final de março de 2023. A ideia, além de diminuir a dependência da Rússia, é evitar que o inverno cause crise energética ainda maior pela escassez de gás.

“Com a proximidade do inverno europeu, não dá pra saber o que vai acontecer”, afirma o sócio-fundador da SPX, Rogério Xavier, em entrevista exclusiva aos analistas da série Melhores Fundos de Investimentos.

Como forma de economizar e mostrar à população a seriedade da questão, o governo da Alemanha, nesta semana, desligou as luzes e outras fontes de energia de pontos turísticos.

O chefe de política externa da UE, Josep Borrell, disse à agência de notícias alemã DW que as importações de gás russo caíram pela metade. No entanto, de acordo com ele, “ninguém pode pedir às economias que cortem o fornecimento de gás da noite para o dia”.

A importância do gás natural para a economia europeia

Na Europa são poucas as fontes de energia renováveis comuns no Brasil, como etanol e hidrelétricas.

O gás natural é o principal combustível utilizado para gerar eletricidade em muitos países europeus. No geral, só fica atrás do petróleo como recurso energético mais utilizado no continente. 

O gás é usado para fornecer energia e aquecer casas no inverno, além de manter a indústria funcionando. Um dos motores de crescimento da Europa são as fábricas, que correm o risco de parar por conta da crise energética.

“O mercado vê o risco de recessão na Europa dominado pelo fornecimento de gás russo”, afirmou Felipe Miranda.

Se por um lado o continente europeu é o maior importador de gás natural, a Rússia é a maior exportadora. O país detém a maior reserva natural do combustível fóssil no mundo, com cerca de 25% do recurso existente na Terra. 

Em 2020, a Gazprom exportou aproximadamente 175 bilhões de metros cúbicos de gás natural para o continente, o que equivale a 68% da sua exportação total da fonte de energia.

O impacto das decisões russas sobre o combustível fóssil é tanto que, quando o país anunciou a intenção de restringir ainda mais o fornecimento, no dia 27 de julho, o preço do recurso subiu 13% em apenas um dia na Europa. O valor do gás natural atualmente está 450% maior quando comparado ao mesmo período do ano passado.

“Eventualmente, a crise energética pode custar aos contribuintes europeus US$ 200 bilhões por meio de contas de energia e impostos mais altos. Segundo o Goldman Sachs, uma interrupção total dos fluxos russos para a Europa seria equivalente a um choque de oferta de 35% no mercado de gás europeu”, explica Felipe Miranda.

Nord Stream 2: mesmo sem funcionar, gasoduto também é pauta na guerra

Antes dos desdobramentos da guerra na Ucrânia, a Alemanha foi a grande apoiadora da construção do Nord Stream 2, gasoduto com rota paralela à do Nord Stream 1.

Concluído em 2021, o projeto dobra a capacidade de fornecimento do gás natural russo à Alemanha: o país receberia 110 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente.

Desde a concepção do projeto, o Nord Stream 2 recebeu uma grande quantidade de críticas, justamente pela dependência energética que daria à Rússia. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a afirmar que o gasoduto colocaria a Europa “nas mãos de Putin”, que a qualquer momento poderia cortar o fornecimento.

O Nord Stream 2 nunca funcionou de fato. Devido a guerra, a Alemanha travou algumas documentações necessárias para que o projeto entrasse em funcionamento.

Felipe Miranda acredita que, ao passo que o inverno se aproxima, as armas de pressão de Putin vão se fortalecer. Apesar disso, ele não acredita que a Rússia cortará o fornecimento de gás para a UE.

“Provavelmente Putin não deseja cortar completamente o gás russo da Europa, mas ele quer que o mundo saiba que ele pode fazer isso. O líder russo entende que as crises de alimentos e energia que está causando em todo mundo estão corroendo rapidamente a posição política de seus rivais”, finalizou.

Como a crise na Europa pode afetar o Brasil e o mundo?

Se o conflito na Ucrânia já gera forte impacto em todo o mundo, provocando inflação nos alimentos e na energia em geral, as consequências de uma crise energética na União Europeia poderiam ser muito mais graves.

Em um primeiro lugar, a Europa ampliaria sua demanda por outras fontes, como o petróleo, o que tenderia a elevar o preço do barril – inflacionando praticamente toda a cadeia de produção global.

Por outro, ao concentrar boa parte dos países mais ricos do mundo e ter uma economia extremamente globalizada, uma crise na Europa e em suas empresas tenderia a se espalhar por todo o planeta.

Além disso, conflitos e incertezas sempre tendem a derrubar o apetite dos investidores pelo risco, o que seria péssimo justamente em um momento em que o mundo parece querer se livrar do aperto monetário e retomar o crescimento.

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Sobre o autor

Juan Rey

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Contato: juan.rey@empiricus.com.br

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