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Ex-diretor do BC vê Treasuries permanentemente mais altos e possibilidade da Selic em 7% ao final do ciclo; assista

Tony Volpon acredita que déficit fiscal dos EUA deve perpetuar prêmio nos Treasuries

Por Juan Rey

24 out 2023, 11:51 - atualizado em 24 out 2023, 11:51

A grande pauta do mercado nos últimos meses tem sido a disparada dos Treasuries, que tem afetado negativamente as bolsas em todo o mundo. 

Na manhã da última segunda-feira (23), o rendimento do título do tesouro de 10 anos norte-americano renovou a máxima e chegou a 5% pela primeira vez desde 2007, um ano antes da crise financeira global.

Para discutir o assunto e marcar a primeira de uma série de lives em comemoração aos 14 anos da Empiricus, convidamos o economista Tony Volpon, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, para uma conversa com Felipe Miranda (confira a conversa na íntegra neste link ou no início da matéria).

Déficit norte-americano deve manter yields dos Treasuries permanentemente mais altos

Segundo Volpon, há um fator estrutural que deve tornar a taxa dos Treasuries permanentemente mais alta na comparação com os últimos anos: o déficit fiscal norte-americano.

Adicionalmente, o economista vê diversos fatores temporários que também contribuem para a disparada dos yields. São efeitos que “vão decair ao longo do tempo”, apontou.

Dentre esses fatores mais pontuais e menos estruturais, Volpon destacou:

  • A economia norte-americana mais resiliente que o esperado, com uma sequência de dados superando as expectativas;
  • Bancos centrais de economias emergentes, inclusive a China, vendendo Treasuries para defender suas moedas contra o dólar;
  • A elevação da projeção de juros por parte do Fed depois da última reunião, que trouxe a percepção de juros mais elevados por mais tempo que o estimado;
  • A decisão do tesouro norte-americano de aumentar muito a emissão de títulos longos e adicionar duration no mercado em um período desfavorável.

Para Volpon, todos esses fatores criaram um desbalanceamento entre oferta e demanda, o que ocasionou a alta dos yields

“Todas essas explicações contribuíram neste momento, mas a única que eu acho que é estrutural é a ideia de que tem uma política fiscal totalmente descompensada, sem perspectiva de mudança e, portanto, o mercado tem que ter um prêmio. O que estava irracional era não pedir prêmio, agora está racional. E acho que ele vai se perpetuar. Não voltaremos a ter Treasury de 3%”

Inclusive, o economista não vê impedimentos para o Treasury de 10 anos chegar a 5,5% no curto prazo. 

“Acima disso, o Fed começaria a ficar muito preocupado e poderia intervir. A gente vai atingir algum pico e, na medida em que esses fatores temporários começarem a perder força, os yields tendem a voltar, mas não aos patamares que tínhamos antes da alta”.

Confira abaixo os principais pontos da conversa com Volpon sobre a disparada do yield dos Treasuries e até que ponto isso pode limitar o ciclo de queda da Selic.

O que explica a disparada dos Treasuries?

“Vários fatores explicam a alta repentina, que é muito grande historicamente. Subir quase 100 pontos-base em um espaço de alguns meses não é comum para a curva de juros norte-americana. Tem um fator que explica essa alta que acredito que seja estrutural e permanente: a questão fiscal americana. E tem vários fatores que acho que são temporários. Isto é, seus efeitos vão decair ao longo do tempo”. 

Déficit fiscal dos Estados Unidos

“Hoje os EUA têm um déficit nominal de 6%-7% do PIB com a economia em pleno emprego e crescendo fortemente. Historicamente você só tem déficit desse tamanho em momentos de recessão e crise, que é natural que o déficit abra e você tem todos os estabilizadores automáticos que acontecem quando se tem uma recessão”.

Há espaço para melhora do déficit com as eleições no ano que vem?

“Teve uma piora muito grande na performance fiscal norte-americana e não tem nenhum tipo de perspectiva política que isso mude. Tem eleições no ano que vem, mas quando olho para o cenário político americano é basicamente dividido 50% a 50% entre democratas e republicanos. É muito raro que um partido domine a presidência, o senado e o congresso. E tem a questão que o senado tem o poder efetivo de veto se não tem pelo menos 60 senadores, e nenhum partido vai atingir isso. É um sistema muito travado onde os republicanos gostariam de fechar o déficit fiscal cortando gastos sociais, mas os democratas vetam isso, e os democratas gostariam de fechar o déficit aumentando imposto e os republicanos vetam isso. Ninguém faz nada, nada acontece e o déficit cresce. Isso não é uma novidade”, afirmou Volpon.

Quais são os fatores ‘temporários’ para a alta dos Treasuries?

“A economia americana está mais forte do que o esperado. Tiveram sequências de dados superando expectativas. Teve também o Fed elevando muito a projeção de juros. O Fed não subiu os juros mas subiu a projeção de juros e isso surpreendeu o mercado negativamente. Entrou naquela temática de ter um juro alto por mais tempo. Também tiveram outros agravantes, como os bancos centrais de economias emergentes, inclusive a China, tentando defender suas moedas contra a valorização do dólar. Eles estão vendendo Treasuries para tentar minimizar ou controlar a desvalorização das suas moedas”. 

“Quando você olha para o mercado, você tem o Fed fazendo quantitative tightening (QT), retirando expectativa de um corte de juros em um prazo de 6 a 8 meses, dados vindo mais forte da economia, nenhuma sinalização de que a economia de fato esteja desacelerando ou entrando em recessão, o que seria obviamente muito positivo para a curva de juros. Todos esses fatores criaram um desbalanceamento de oferta e demanda. Se você tem mais oferta que demanda, o preço cai e o yield sobe. É o que estamos vendo”. 

O problema é o fator estrutural

“Todas essas explicações contribuíram neste momento, mas a única que eu acho que é estrutural é a ideia de que tem uma política fiscal totalmente descompensada, sem perspectiva de mudança e, portanto, o mercado tem que ter um prêmio. Vários modelos que tentam medir o nível de prêmio na ponta longa da curva estavam indicando por muito tempo um prêmio negativo, hoje está positivo. Tem que voltar para 2007, 2008 ou até para os anos 1990 para ver esse tipo de prêmio. O que estava irracional para o mercado era não pedir prêmio, agora está racional. E acho que, agora que foi colocado prêmio, ele vai se perpetuar”.

“A força da economia eventualmente vai desacelerar, o programa de colocar duration vai acabar, e os bancos centrais vão parar de vender dólar. Esses fatores são de natureza mais temporária, que devem diminuir de força ao longo do tempo. Mas o prêmio na curva é permanente. Não voltaremos a ter Treasury de 3%. Nos anos 1990 o Fed Funds Rate (taxa de juro definida pelo Fed) era 3%, o Treasury era 5% e estava todo mundo bem, não era nenhum fim do mundo”. 

Inteligência Artificial segurando o S&P 500

“É um momento ruim, obviamente se não fosse a temática da inteligência artificial (IA) segurando a bolsa americana, o S&P 500 estaria muito mais baixo. Tradicionalmente com essa alta de juros a bolsa teria caído bastante, mas o IA está segurando, o que meio que força a mão do Fed a ter que subir ainda mais o juro para compensar”. 

Até onde podem ir os yields dos Treasuries?

“Acho que estamos estacionados ao redor de 5% mais por ser um número redondo e o mercado dá aquela parada técnica enquanto espera os dados que vão sair, como o payroll e a reunião do Fed. De qualquer maneira, acho que a gente vai atingir algum pico e, na medida que esses fatores temporários começam a perder força, a gente tende a voltar. Mas não voltaremos àquilo que tínhamos antes dessa alta, porque o fator permanente, aquilo que está sendo hoje precificado e não estava sendo, é a enorme piora fiscal dos EUA”

“As pessoas que gerenciam carteiras de longo prazo estão gostando desses níveis de yield. Tem uma oportunidade. Pode ir para 5,5%, não vejo nenhum impedimento. Acho que acima disso o Fed começaria a ficar muito preocupado e poderia intervir. Obviamente a probabilidade de um pouso suave da economia tem se afastado com essa alta, mas chegando em 5,5% eles devem começar uma intervenção verbal ou mudando essa questão do quantitative tightening (QT)”.

Qual o impacto dos Treasuries no ciclo de queda da Selic?

“Limita a queda da Selic. Quando você olha para os últimos dados de inflação, se não fosse essa alta de juros nos EUA, estaríamos discutindo uma aceleração no ritmo de corte. Começaria a ter essa discussão. Não vamos ter, obviamente, por conta dos EUA. Na medida em que você tem um ciclo que vai caminhar a passos de 50 pontos-base por reunião, a questão é, quando você está chegando lá nos 10%, 9%, o Treasury ainda vai estar a 5,5, 5%? Se sim, vão pausar”.

“Agora, particularmente não acho que esse nível de juros nos EUA seja sustentável no horizonte de um ano, por exemplo, porque como eu disse, os fatores que vejo como mais temporários vão perder força. Não acho que uma acomodação na curva americana, que obviamente daria ao nosso BC mais graus de liberdade, depende de ter uma recessão lá. O pouso suave já abre esse processo. Não estou no time que acha que não vai ter landing, que os caras vão ter que subir o juro para 6%, 7%. O jogo já está jogado, é uma questão de tempo, é um ciclo que vai demorar mais. Até no pouso suave vai dar essa acomodação e acho que o nosso BC vai conseguir romper 9% e ter uma Selic menor. Meu cenário é de acomodação da questão americana, portanto, dando ao BC maiores liberdades. Acho que a Selic vai ficar bem abaixo de 10%”, apontou.

Selic pode chegar a 7%?

“Vamos reconhecer: é um governo de esquerda que vai nomear a diretoria do BC, inclusive o presidente, e ao longo do tempo a curva deve ir pro lado mais dovish. Levando isso em conta, quando olho para o Focus estacionado em 3,5% (meta de inflação para 2025), vejo uma previsão racional do mercado. O próximo BC deve trabalhar mais no topo da banda que no centro. Se isso reflete uma inflação média durante o período, é um bom palpite. E aí tem a questão da taxa neutra, é 4,5%, é 4%? Se a gente chegar em 2025 em uma toada de corte de juros do Fed, um banco central mais dovish vai entrar na festa e cortar. Falar numa Selic de 7% não está fora do propósito. Você pensa em 3,5% da inflação, mais 4% e alguma coisa do juro neutro, por que não 7%?

Confira a conversa na íntegra

Na conversa com Felipe Miranda, Tony Volpon também abordou o juro neutro norte-americano, os impactos da guerra Hamas-Israel para o mercado, a economia da China e as oportunidades de mercado para o momento. Confira: 

Sobre o autor

Juan Rey

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Contato: juan.rey@empiricus.com.br