Para Felipe Miranda, estrategista-chefe e sócio-fundador da Empiricus, o Brasil tem duas chances de conseguir reverter o olhar pessimista do mercado para as ações brasileiras (atualmente, o Ibovespa acumula a pior performance de 2024 entre os 15 principais mercados do mundo).
Segundo ele, o primeiro fator é exógeno – a redução das taxas de juros nos EUA: “Dependemos de uma melhora sistêmica global das condições de liquidez para que o dinheiro volte a fluir para os mercados emergentes”, explica, na live realizada ontem (12) em seu Instagram.
Miranda se refere especificamente ao fato de o mercado americano estar abastecido pelos rendimentos elevados dos Treasuries (títulos de longo prazo), ou de outros bonds nos EUA. Além disso, cita a concorrência do elevado crescimento ligado à tecnologia norte-americana, especialmente com o “boom” da inteligência artificial.
Queda de juros nos EUA volta ao horizonte de 2024
“Por outro lado, ao que tudo indica, os EUA vão mesmo reduzir sua taxa básica ao longo do segundo semestre, principalmente depois da notícia espetacular de que o CPI [índice de preços ao consumidor] veio zerado e seu núcleo ficou em 0,16%, abaixo das expectativas do mercado“, afirma o analista.
Se confirmado o cenário-base, Miranda acredita que a maré volte a subir para os mercados emergentes nos próximos meses e o consenso se torne mais complacente com determinados riscos locais.
“A exemplo do ano passado, a segunda metade de 2024 pode ser bastante diferente da primeira. Não precisamos ir muito longe para dimensionar o potencial: basta recuperar a valorização dos ativos de risco entre novembro e dezembro de 2023, a partir da sinalizada intenção de mudança de postura do Fed“, recorda.
Brasil – e outros emergentes – precisam fazer a lição de casa
Lá fora, nesta quarta (12), as Bolsas americanas reagiram bem ao dado de inflação controlada, enquanto o Ibovespa segue na direção contrária, em uma queda de 1,3% aproximadamente, às 16h30, devido a falas do presidente Lula a respeito da arrecadação do governo.
E é justamente dessa outra chance que o Brasil depende, segundo Miranda, para ver seus ativos de risco deslancharem.
“A eventual diferenciação de performance dos mercados emergentes vai premiar os que fazem sua lição de casa e castigar (ou, ao menos, valorizar menos) a adoção de medidas contrárias à produtividade dos fatores de produção, ao desenvolvimento dos mercados e à trajetória da dívida pública”, afirma.
O que o Brasil tem a dizer nesse aspecto?
Miranda cita Tony Volpon ao dizer que o Brasil entrou numa espiral negativa desde a revisão das metas fiscais para 2025 e 2026.
“A isso, se seguiram mudanças na Petrobras, o dissenso no Copom, dúvidas sobre como cobrir a manutenção da desoneração da folha de pagamentos, novas tentativas de nomeação de políticos para cargos em empresas privadas e a tragédia no Rio Grande do Sul, que acabou usada como artifício retórico de mais gasto público. Tudo isso foi para o preço dos ativos, evidentemente”.
Além disso, o especialista lembra que a curva DI já contempla elevação da taxa Selic para 11% até o final do ano (indicando prêmio de risco), o dólar chegou a ultrapassar os R$ 5,42 nesta quarta (12) e as expectativas de inflação não param de subir, “num exemplo de livro-texto de dinâmica de desancoragem” – em suas palavras.
‘O caminho do ajuste fiscal só por meio da arrecadação pode ser trágico’
Para Miranda, o que chama mais atenção no momento é que algo novo parece ter entrado no radar nos últimos dias: um certo esgotamento de empresários, Congresso e imprensa com os rumos da política econômica.
“A partir de determinado momento, incrementos de carga tributária ferem a própria arrecadação e ninguém aguenta mais impostos. O ajuste fiscal só no âmbito da receita precisa ser revisto, não está funcionando”, exemplifica Miranda.
Nesse caso, para o especialista só há duas alternativas: ou o governo abandona o ajuste ou passa a fazê-lo de outras formas, também perseguindo cortes de gastos.
“Se o governo abandonar o ajuste fiscal, as consequências serão trágicas. A desancoragem das expectativas de inflação vai se intensificar, perderemos a moeda e a curva de juros vai empinar ainda mais. O Banco Central acabará forçado a elevar a Selic lá na frente e chegaremos em 2026 com uma possível recessão e um problema fiscal”, avalia.
Desvincular da receita tributária o crescimento das despesas com saúde, educação e previdência pode ajudar ativos brasileiros
Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem levado ao presidente Lula medidas para desvincular o crescimento das despesas com saúde e educação da receita tributária.
“Como a receita, por construção, cresce mais do que a despesa pública, se você atrela os gastos com educação e saúde à receita, isso significa que essas linhas vão se expandir mais rapidamente, esmagando as demais”, afirma Miranda.
Além disso, haveria esforços dos ministérios da Fazenda e do Planejamento para quebrar a indexação dos gastos previdenciários ao salário-mínimo – que cresce acima da inflação: “Aos poucos, a previdência abocanha cada vez mais do orçamento, deixando pouco espaço para as outras linhas”.
Na visão do analista, se confirmadas, as medidas seriam positivas, capazes de ao menos reduzir o expressivo subapreçamento de Brasil.
“Os ativos brasileiros estão incrivelmente baratos, em níveis comparados somente a outros momentos de ruptura e grave crise“, reforça.
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‘Política monetária também pode dar sua contribuição’
Para Miranda, o Copom tem se esforçado para mostrar um discurso uníssono, na tentativa de sublimar a impressão de dissenso deixada pela sua última reunião.
“A combinação de manutenção da Selic no próximo encontro do colegiado com votação unânime e discurso duro pode servir para amenizar a desconfiança sobre a condução da política monetária no futuro. Não seria suficiente para eliminar a mácula da última votação 5 a 4 do Copom, mas certamente ajudaria bastante”.
Em resumo, Miranda acredita no potencial da queda dos juros nos EUA no segundo semestre e que o Brasil possa seguir o “caminho da racionalidade econômica e do respeito à aritmética elementar das contas públicas”.
Mas, ao mesmo tempo, tem os pés no chão: “Não há como nos iludir: o barato pode ficar ainda mais barato. ‘O Fim do Brasil 2’ pode ser logo ali“, finaliza.