A provável necessidade de o governo Lula alterar a meta fiscal em maio ou julho não deve dar autorização para achar que o jogo está perdido e liberar geral os gastos no Congresso.
Essa é a análise feita por Daniel Leichsenring, economista-chefe da Verde Asset, e Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e organizador do livro “Pra não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”, durante apresentação.
Os economistas afirmam que o governo federal deve buscar uma meta desafiadora caso venha a alterar o número para o déficit público de 2024. Segundo eles, o mercado já precificou que o déficit zero não será atingido.
Ambos participaram do Macro Summit Brasil 2024, evento online gratuito sobre cenário macroeconômico e mercado financeiro realizado pelo Market Makers, um dos principais hubs de conteúdo financeiro do Brasil, em parceria com o MoneyTimes e Seu Dinheiro.
No primeiro painel do evento “O Brasil está no rumo certo ou não?”, os convidados colocaram suas preocupações com a política fiscal do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e afirmaram verem um horizonte ruim para as contas públicas nos próximos anos.
Ainda assim, ambos consideram que a retomada do crescimento das principais economias globais e a queda de juros nos Estados Unidos e Europa devem sustentar números positivos também no Brasil.
‘O fiscal é sempre nosso calcanhar de Aquiles’
Na análise de Mendes, o crescimento dos últimos dois anos foi muito bom, próximo de 3%, com mercado de trabalho bombando e crédito crescendo. Porém, o descuido na área fiscal reduz o potencial de crescimento futuro. Nesse ponto, Leichsenring concorda: “O fiscal é sempre o nosso calcanhar de Aquiles“.
Para Mendes, o que estamos vivendo hoje não tem duração muito longa: “A produtividade vem em uma trajetória negativa, taxa de investimento baixa, população em idade ativa está desabando, quando a gente pega isso tudo e faz as contas, dá um potencial de crescimento de 1,7%. Pode crescer um pouco mais? Pode, mas não vai colocar a gente em um crescimento acima de 2% ao ano em uma trajetória de longo prazo. E isso é muito pouco”.
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Brasil ainda cresce pouco quando comparado a outros países latinos
Um pouco mais otimista com o crescimento do PIB para 2024, Leichsenring espera que este ano repita o cenário de revisões para cima como visto no ano passado, fechando o ano com PIB também entre 2,5% e 3%. “Não vejo motivo para, nessa altura do campeonato, achar que as coisas vão dar errado. A gente ainda tem uma boa trajetória de melhora a partir daqui”.
Mas o economista-chefe da Verde Asset também pondera: “Quando você olha a perspectiva de crescimento do Brasil, não é nada brilhante. A nossa performance ao longo do tempo deixa muito a desejar na comparação com crescimento de diversos países da América Latina, cerca de 20 países, onde o Brasil aparece como um dos piores”.
Ele observa padrões no Brasil, onde consegue ter uma trajetória de crescimento um pouco mais forte por algum período para apenas acumular desequilíbrios no processo, que acabam, de alguma maneira, em alguma crise a voltar à estaca zero.
Para Leichsenring, cenário atual se assemelha aos períodos 2003-2007 e 2013-2018
Durante a conversa mediada por Thiago Salomão, fundador e apresentador do Market Makers, e Marcio Juliboni, diretor de Redação do Money Times, os dois economistas apontaram a previsão de queda das taxas de juros nos Estados Unidos e Europa, abrindo oportunidades para a entrada de investimentos no mercado brasileiro. E esse cenário externo positivo deverá carregar o Brasil até as próximas eleições presidenciais em 2026, pelo menos.
“Acho que a gente está virando uma página para um lado muito mais positivo e vamos ter consequências favoráveis por algum período. O Brasil vai se beneficiar muito disso, apesar de nada ser responsabilidade nossa. A gente vai saber surfar nessa onda dos próximos 2 ou 3 anos”, diz Leichsenring, que vê semelhança do cenário atual com os períodos de crescimento mundial entre os anos entre 2003 e 2007 e 2013 até 2018. “Períodos curtos de tempo em que o mundo inteiro cresceu”.
“Se está tudo bem com a economia internacional, a gente vai bem. Balançou um pouco, a coisa fica estranha por aqui”, concorda Marcos Mendes, sem deixar de destacar que os fatores de crescimento da economia brasileira não contam com a simpatia da administração petista.
“Quais são os principais fatores de crescimento, do bom desempenho da economia dos últimos anos? O agro, o petróleo e crescimento muito grande do mercado de capitais, sendo tudo isso originado por políticas que o governo atual é contrário.”
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Descuido com a política fiscal pode pesar sobre a Selic
“A gente tem uma série de más notícias para vir. Em maio ou em julho vão ter que mudar a meta do resultado primário. Vão ter que apresentar uma LDO e vão ter que dizer qual a meta de déficit do ano que vem, que não vai poder ser 0,5%. Porque, se não, vão ter que apresentar uma LDO muito fake, com muitos dados distorcidos”, afirma o pesquisador do Insper.
“Eu tenho a impressão de que a economia internacional indo bem ajuda tremendamente, mas o governo está trabalhando muito para atrapalhar”.
Para Leichsenring, mesmo que haja alguma alteração na meta no meio ano, ele espera pelo menos, o novo número seja “desafiador”, para que não entrem no cenário de jogo perdido e com abertura para o Congresso fazer qualquer coisa.
A falta de compromisso com a política fiscal vai cobrar seu preço, de acordo com o economista-chefe da Verde Asset. Ele afirma que o mercado já precifica que a Selic vai voltar a subir em 2025, após o início da queda no fim de 2023.
“A Selic não passa nem um ano em 9,5% e já para o ano que vem coloca de volta para 11% e depois 11,5% de 2026 em diante”, estima.
Para ele, a curva de juros é “o lugar onde todas as preocupações se juntam”: “A taxa de juros longa do Brasil, uma com taxa super longa pagando quase 6% real ao ano é extraordinariamente alta, mesmo para os padrões brasileiro. Será que o país vai ser viável com 6% de juro real de longo prazo? A curva de juros diz claramente que esse fiscal não para de pé”.
Atenção com a previdência e dólar em queda
Na parte final de sua análise, Mendes dedicou atenção para a previdência. O professor do Insper considera “assustador” o crescimento de 16% ao ano na despesa do benefício de prestação continuada.
Para ele, o governo toma a estratégia correta de automatizar a concessão de alguns benefícios, como exame médico online. Porém, só deveria fazer isso se tiver muita segurança que será rigoroso no controle.
“Parece que estão concedendo para todo mundo, aumentando a demanda de novos requerimentos. Existem escritórios especializados em demandar benefícios ao INSS. O governo alega que a concessão cresce porque a fila está muito grande. Mas a gente vê que a fila não está caindo”.
Por sua vez, Leichsenring afirma que o dólar está em seu momento mais valorizado frente a outras moedas do mundo, inclusive ao real. Ele acredita que, à medida em que os Estados Unidos cortam juros e reduzem a inflação, a economia vai desacelerar e haverá alguma perspectiva de o dólar sair desse extremo para algo mais moderado.
“Não acho que vai cair abruptamente, mas vai aos poucos convergindo para a média. Se isso acontece, a gente pode ver aqui o câmbio caindo para R$ 4. Não tem nada a ver com a gente, mas tem a ver com o equilíbrio do mundo sendo um pouco mais favorável para os emergentes”, finaliza.
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