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Grupo SBF (SBFG3): foi “só” uma tempestade perfeita ou a companhia piorou estruturalmente? O que fazer com as ações?

Confira três possíveis cenários para Grupo SBF, com os possíveis caminhos para a ação e veja se ainda vale a pena investir.

Por Felipe Miranda

23 ago 2023, 10:07 - atualizado em 23 ago 2023, 10:25

Grupo SBF centauro nike SBFG3 (1)
Imagem: Divulgação/Centauro/Marcelo Pereira

Uma das grandes surpresas negativas desta temporada de resultados foi do Grupo SBF (SBFG3). Não apenas pela divulgação do resultado em si, que veio abaixo das expectativas do mercado, mas principalmente pelo price action. Apenas no mês de agosto, o papel cai mais de 30%.

Conforme comentamos recentemente, houve um misto de decepção com o alto volume de estoque e principalmente com a comunicação da companhia, que falhou em indicar o problema para o mercado.

Após alguns dias nos debruçando sobre o resultado do 2T23, conversamos com a companhia e com outros investidores da SBF na semana passada. Ao longo do texto, apresentamos os problemas ocorridos durante esse ano, as soluções que vem sendo implementadas pela companhia e, posteriormente, três cenários de valuation que embasam a nossa decisão por manter o papel em carteira. Vamos lá!

Desafios com o estoque

Em primeiro lugar, começaremos pelos problemas de estoque, que afetam principalmente a Fisia. Fundamentalmente, foram dois. Otimista com o primeiro semestre de 2022 e com as boas perspectivas que viriam com a Copa do Mundo, o Grupo SBF encomendou um volume de mercadorias grande para o segundo semestre de 2022 e para o que aguardava ser 2023.

Contudo, dado os problemas logísticos enfrentados pela companhia e a própria dinâmica do mercado consumidor, a SBF decidiu frear, alterando seu planejamento estratégico para este ano, com o intuito de focar menos em crescimento e mais em rentabilidade. A má notícia é que quando decidiu realizar esse ajuste de rota, as encomendas para o primeiro semestre já haviam sido realizadas para a Nike, o que aumentou o seu estoque.

O segundo ponto amplificou o problema. Como já foi bastante debatido, durante a pandemia tivemos um grande gargalo na cadeia de suprimentos em âmbito global. Como as marcas não estavam conseguindo entregar todo o volume de mercadoria que era requerido pelos seus clientes, os players de mercado passaram a fazer encomendas de volumes maiores do que aquelas que eram desejadas, na esperança de receber o volume “ideal” para suas operações. Isso funcionou por um tempo.

Contudo, a normalização das cadeias de suprimentos ocorreu mais rápido do que o esperado. Dessa forma, além de receber mais produtos, a SBF e seus competidores começaram a receber mais rápido. Para piorar a situação, os clientes de atacado da companhia, que começaram a receber de forma mais célere os produtos, passaram a realizar cancelamentos de pedidos acima do patamar histórico, impactando bastante os resultados da companhia, como visto nos números do 2T23.

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As iniciativas que vem sendo executadas para resolver o problema

Para resolver o problema, a empresa tem tomado algumas medidas:

1. Reduziu em 21% o volume de encomendas para a Nike. Dessa forma, ajudada por um segundo semestre que é sazonalmente mais forte para o varejo, conseguirá reduzir o volume de estoque;

2. Descontos. Basta entrar no site da Nike para ver que a companhia tem sido muito mais agressiva em preço, de modo a aumentar o giro de estoque. Embora prejudique a margem bruta, o promocionamento é importante para melhorar a geração de caixa da companhia e deixar o volume de estoque mais saudável;

Interface gráfica do usuário, SiteDescrição gerada automaticamente com confiança média
Fonte(s): Nike

3. Redução de despesas, em especial de logística, armazenagem, serviço e gente. Ao longo do ano, a companhia tem sido bastante vocal em redução de custos e despesas, que começarão a ser sentidas com mais intensidade a partir do próximo trimestre.

4. O quarto ponto é mais uma consequência de mercado. Como o atacado reduziu enormemente seu volume de compras no primeiro semestre, ele já se encontra bastante desabastecido. Com isso, é natural que ele se prepare para o período que é sazonalmente mais forte realizando uma nova onda de encomendas de produtos Nike para a Fisia, o que será positivo para a SBF.

Em sua última apresentação, a companhia detalhou de forma mais aprofundada o efeito que cada uma dessas iniciativas pode ter para a margem de contribuição, aquela que é resultado da diferença entre o preço de determinado produto com as despesas e custos variáveis associados a ele.

Veja que a margem de contribuição na Fisia no 2T22 era de 8%, enquanto foi de 6,3% neste último trimestre. Contudo, grande parte dos efeitos negativos são transitórios e já estão sendo direcionados pela companhia. Se somarmos o plano de liquidação mais agressivo (-4,6pp), com as despesas logísticas derivadas do estoque excedente (-1,2pp), com os royalties pagos à Nike relativos ao estoque excedente (-1,6pp) e com a duplicidade de Centro de Distribuição (-0,2pp), temos um efeito negativo de -7,6pp na margem de contribuição.

Margem de contribuição de Grupo SBF
Fonte(s): Grupo SBF

Portanto, não seria agressivo supor que com as iniciativas que estão sendo feitas, a margem de contribuição no 3T23 e, principalmente, no 4T23, deveria se elevar rapidamente para um patamar bem acima do apresentado nos últimos trimestres e inclusive acima do 2T22.

Em termos de dias de estoque, iniciativas simples que já estão em curso como redução de pedidos para a Nike e a própria sazonalidade do mercado varejista já seriam suficientes para reduzir os estoques em aproximadamente 40 dias ou, colocando de outra forma, 70% da redução de estoque está relacionada a aspectos com maior grau de certeza pela companhia e de fácil execução.

Ações para redução de estoque em Fisia (Grupo SBF)
Fonte(s): Grupo SBF

Uma dúvida pertinente seria: Qual a qualidade desse estoque? Trata-se de um casaco laranja neon tamanho GG ou um tênis preto de tamanho 40? Essa pergunta é fundamental, pois ditará a facilidade ou não da companhia de reduzir esse estoque sem a necessidade de grande promocionamento.

O ponto positivo é que, de acordo com a companhia, a maior parte do estoque está concentrado em Fisia, que é a distribuidora da marca Nike, a mais desejada do segmento no mundo. Além disso, o estoque é de alta qualidade, ou seja, a maior parte do share é de calçados, que possuem baixo risco de moda. Importante destacar que o estoque de pior qualidade, que era a minoria, já tem sido vendido via plataformas de desconto.

O valuation de Grupo SBF

Com todas essas informações em mente e depois de conversarmos com alguns players de mercado, atualizamos as nossas premissas para Grupo SBF e fizemos três cenários hipotéticos: um cenário base, um mais pessimista e outro mais otimista. Em todos os casos consideramos a taxa de desconto em 14% e o crescimento na perpetuidade em 4%.

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Cenário Base

Começaremos pelo cenário base, no qual consideramos um crescimento para este ano e para o próximo bem modesto, ao redor de 9%. Nesse caso, não levamos em conta abertura de loja da marca Centauro, apenas reforma das lojas para o formato G5, que é o mais moderno. Além disso, estimamos que as plataformas digitais da Centauro passarão a representar 20% do faturamento líquido da companhia, abaixo dos mais de 30% atuais.

Em Fisia, consideramos a abertura de 33 lojas NVS (Nike Value Store) e NDIS (Nike Direct Inline Store) ao longo dos próximos 4 anos, com aceleração de aberturas em 2024, de modo com que a o parque de lojas da Fisia seja de 71 lojas no total e de Centauro de 223 lojas, que é o tamanho atual.

Tela de computador com texto preto sobre fundo brancoDescrição gerada automaticamente
Fonte(s): Estimativas Empiricus

Em termos de CPV, consideramos a manutenção da pressão nos próximos trimestres e uma melhora gradual, de modo que a companhia atinja o patamar de margem bruta estabilizada ao redor dos 48,5% em 2025. Nas despesas, consideramos também uma redução gradual, em linha com o que a companhia tem sinalizado, principalmente em termos de logística, gente e duplicidade do centro de distribuição. Dessa forma, alcançamos um ebitda de aproximadamente R$ 760 milhões para esse ano e de mais de R$ 1 bilhão para 2024.

Potencial de valorização

Nessas condições, enxergamos um upside potencial de mais de 88% para SBFG3, com preço alvo de R$ 17. Em termos de valuation, a companhia estaria negociando a menos de 12 vezes seus lucros para o ano que vem e 3 vezes o ebitda sobre o valor da firma para 2024. Com a geração de caixa nos próximos trimestre e a recuperação do ebitda, teríamos uma desalavancagem orgânica da empresa, que passaria dos mais de 3 vezes dívida líquida ebitda (ex-IFRS) para 1,5 vez até o final do ano que vem, endereçando o problema do endividamento.

Importante mencionar que o cenário base considera que a companhia conseguirá passar com sucesso pelos desafios que tem enfrentado, especialmente na redução do estoque para níveis mais normalizados até o início do ano que vem. Em nossas estimativas, o estoque no 4T23 ficaria R$ 100 milhões acima do apresentado no 4T22.

Cenário pessimista

Para o cenário pessimista, consideramos as mesmas premissas utilizadas para o primeiro cenário, mas estressando outras variáveis, especialmente a renovação do contrato com a Nike global em 2031.

Sim, sabemos que a parceria com a Nike começou a pouco tempo e trata-se de um planejamento global. Além disso, até 2031 temos muita água para rolar e oito anos de operação pela frente. Contudo, uma das fontes de preocupação do mercado pode ter a ver com as cláusulas para uma eventual renovação de contrato com a Nike até lá. Obviamente que esse tema é muito difícil de se estimar e muito provavelmente ainda não está na pauta da diretoria da Centauro.

Dito isso, para estressarmos o nosso modelo, estimamos uma piora sensível nos eventuais termos de negociação com a Nike global. Na época da transação, foi estimado que o valor da operação foi em torno de 0,4 vezes a receita da Nike local. No cenário pessimista, estimamos uma piora das condições para 0,7 vezes a receita de 2031. Nesse cenário, nosso upside se reduziria para 41%, ou, um preço alvo de R$ 13 para o papel.

Cenário otimista

Por último, um cenário mais otimista, mas também plausível implicaria em um upside de mais de 140%, ou um preço alvo de R$ 22.

Nesse caso, diferentemente do cenário base, consideramos que a Centauro manteria o ritmo de abertura de lojas, além das reformas. Com isso, o parque de lojas da Centauro passaria das atuais 223 lojas para 240 lojas em 2027. Além disso, as plataformas digitais da Centauro passariam a representar 25% do faturamento líquido da companhia, acima dos 20% estimados no cenário base.

Em Fisia, não teríamos grandes mudanças. O ritmo de abertura de lojas e o mix se manteriam iguais às do cenário base.

Dessa forma, o ritmo de crescimento para 2023 e 2024 se acelera na margem, para aproximadamente 10%, conforme demonstrado abaixo.

DRE Grupo SBF
Fonte(s): Estimativas Empiricus

Por outro lado, consideramos que a pressão nos custos e despesas se dissipariam antes do que o considerado no cenário base e mais em linha com o que a companhia tem estimado. Com isso, teríamos uma melhoria de aproximadamente 10% de ebitda para esse ano comparativamente com o cenário base, atingindo R$ 836 milhões e R$ 1,1 bilhão em 2024. A aceleração do ebitda seria importante para avançar no processo de desalavancagem da companhia, que atingiria 1,3 vezes dívida líquida sobre o ebitda no final do ano que vem.

Conclusão sobre Grupo SBF (SBFG3)

Veja que nos três cenários, do mais otimista para o mais pessimista, enxergamos um bom upside para o Grupo SBF (SBFG3) aos preços atuais. Contudo, é importante ter em mente alguns fatores que são fundamentais para a avaliação completa do cenário:

1. A companhia está passando por um momento de importantes ajustes operacionais, o que em si envolve riscos e eventualmente demora na captura dos ganhos desejados;

2. Além dos ajustes operacionais, o fluxo nas últimas semanas tem sido negativo para a Bolsa e para ativos que estão passando por turnaround, como é o caso do Grupo SBF;

3. Por último, embora a gente enxergue um bom potencial de retorno em ambos os cenários, é importante ter em mente que o desempenho de Bolsa não é linear e é preciso que a companhia entregue as melhorias e ajustes de operação para que o mercado volte a ficar mais otimista com a tese.

Por fim, eu e minha equipe identificamos também outras 9 ações, além de SBFG3, para investir agora e participar das próximas altas da Bolsa. Para acessar gratuitamente a lista, é só clicar neste relatório aqui.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.