Aquilo que você mais teme pode encontrá-lo bem no meio da estrada.
Eu já amava o Jeff Bezos antes. Sou um sapiossexual contumaz, na ausência de uma definição melhor. Tire a conotação estritamente sexual da coisa (nada contra, apenas não faz meu estilo) e terá uma bela representação das minhas preferências. Apaixono-me profundamente pela inteligência em sua forma bruta, pela bagagem cultural alheia, pela erudição e pelas visões de mundo idiossincráticas. Pessoal e profissionalmente, vivo em busca dos “intellectual navy seals”, para usar a terminologia do Ray Dalio.
Bezos é um superdotado, de fato. Foi identificado assim ainda quando criança. Com três anos de idade, Jeff, tendo apropriado-se veladamente da caixa de ferramentas dos pais, transformou seu berço em uma cama nova, descontente com o dormitório original.
Claro que houve sorte no meio do caminho, ajuda de outros profissionais, competência de fornecedores, etc. Entretanto, não tenho dúvida de que a Amazon só se tornou o que é graças à potência intelectual de Bezos e à sua obstinação por fazer as coisas conforme sua própria convicção, sem obedecer àquilo que a visão pasteurizada e esterilizada dos livros de MBA recomendaria.
Mas eu me apaixonei mesmo pelo sujeito quando descobri que ele recomenda (talvez “obriga “ fosse o verbo apropriado) todo seu top management a ler o Black Swan, de Nassim Taleb – passei a fazer a mesma coisa aqui dentro; até adotei uma espécie de “prova do livro” para os analistas, o que, claro, gerou revolta, acusações de arbitrariedade e críticas à imposição de ideias a partir do abuso hierárquico. Paciência. Saudades do tempo em que nos mandavam procurar Carbono Branco no 25o andar.
Tudo isso está no livro A Loja de Tudo, que descreve a trajetória do empreendedor. Quando foi-lhe proposta a ideia da biografia pela primeira vez, Bezos respondeu: “ok, mas como você vai fazer para evitar a falácia da narrativa para o meu caso?” – Falácia da narrativa é outra expressão de Nassim Taleb, cuja utilização aqui apenas fez aumentar minha admiração por Bezos.
A paixão antiga foi reacesa nos últimos dias. Bezos publicou sua carta anual aos acionistas da Amazon. Começa assim (tradução minha, cheia de erros; desculpe por isso, vale a ideia central):
“- Jeff, com o que se parece o Dia 2?
Essa é uma questão que ouço com grande frequência em nos encontros anuais mais recentes. Eu tenho lembrado as pessoas que vivemos o Dia 1 há décadas. Eu trabalho no prédio da Amazon chamado Dia 1, e quando eu mudo de prédio, eu levo o nome comigo. Passo um bom tempo pensando sobre isso.
O Dia 2 é estático. Seguido por irrelevância. Seguido por um torturante e doloroso declínio. Seguido da morte. E é por isso que sempre precisa ser o Dia 1.
(…)
Eu me interesso pela questão: como você obstrui o Dia 2? Quais são as técnicas e as táticas? Como você mantém a vitalidade do Dia 1, mesmo dentro de uma grande corporação.”
Não importa se você não é um empreendedor. A vitalidade do Dia 1 vale para o investidor. Não importa quanto você já ganhou. Ou mesmo quanto você já perdeu. O jogo começa hoje de novo. E é tudo que interessa. Você precisa manter a mesma pegada, sob a pena de iniciar um torturante e doloroso declínio, cujo resultado final será inexorável: a morte.
Aquele portfólio que você mantém hoje é o melhor para garantir-lhe bons resultados à frente? Às favas com os resultados passados. Você tem o olho de tigre de Rocky Balboa? É ele que vai garantir retornos consistentes para seu patrimônio a longo prazo. Não para este ano. Para o próximo. Mas para sempre. É um modo de vida.
A Carteira Empiricus, por exemplo, sobe 9,15 por cento no ano, com o book de ações avançando quase 12 por cento. E eu fico me remoendo por dentro, ruminando pela decisão equivocada de ter comprado Tecnisa. Penso no banho o que fazer para aumentar esse desempenho. Não interessa o quão bom ele é, o quanto estamos acima do CDI, o quanto a indústria de fundos multimercados está atrás. Eu quero o retorno que está ali, que será gerado amanhã, como se ele fosse o Dia 1.
Eu tinha decidido comigo mesmo que nesta semana só conversaria com aqueles que tivessem lido a carta anual da Amazon. Foi interpelado pelo RH: “você não pode fazer isso. Há risco jurídico de ser interpretado como assédio aos funcionários.” As nuvens escuras do Dia 2 se aproximam da Empiricus. Eu me recuso a pegar carona com Caronte. O barqueiro do Hades pode esperar. O processo de reavaliação dos ativos de risco brasileiro ainda vive seu Dia 1. Nós precisamos viver isso, com a vitalidade de sempre.
Mercados brasileiros iniciam a quinta-feira de forma positiva, influenciados por uma série de notícias favoráveis. Exterior mais animado ajuda a dispersar aversão a risco após dias mais tensos por preocupação com reforma da Previdência. Resultados corporativos acima do esperado, sobretudo de Unilever e Nestle, se sobrepõem a alguma cautela com eleição francesa no domingo.
Temor maior é de que dois candidatos extremistas (de direita e de esquerda) possam avançar para o segundo turno. Pesquisa mais recente mostra Macron com 25%, Le Pen 22%, Fillon 19% e Melenchon 19%, aliviando um pouco as preocupações mais pronunciadas.
Por aqui, aprovação de urgência para reforma trabalhista mostrou base aliada ainda com certo vigor. Previdência ainda causa certo desconforto – as concessões no texto parecem imparáveis. Mas é aquela coisa já comentada aqui: não há uma reforma definitiva. Vamos aprovar agora o que dá, para voltar a reformar as regras previdenciárias daqui uns quatro anos. E assim vamos. De grão em grão. Aquilo que sonhamos pertence apenas à atividade onírica. A realidade insiste em ser real demais. A Previdência certamente não será ideal, será a possível.
IPCA-15 mostrou alta de 0,21 por cento, abaixo das projeções de 0,27 por cento, dando força à ideia de que, se aprovada a Previdência, Copom pode voltar a acelerar cortes na Selic.
Agenda norte-americana traz pedidos de auxílio-desemprego, indicadores antecedentes e atividade na região da Filadélfia.
Ibovespa Futuro abre em alta de 0,75, juros futuros recuam e dólar perde 0,46 por cento depois dias de alta.
Antes de sair para o feriado, deixo a sugestão de passar os olhos no nosso InsideCap. Está imperdível e acaba hoje, impreterivelmente.