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Investimentos

O comportamento dos bear markets do último século

Se a História não se repete, mas rima, conforme propôs Mark Twain, vale a pena estudá-la, entre outras coisas, para tentar entender o presente e, quem sabe, jogar luz sobre o futuro. Como uma das ferramentas para compreensão do momento atual, avaliamos todos os bear markets anteriores, desde 1900, para a Bolsa norte-americana.

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Data de publicação
9 de abril de 2020
Categoria
Investimentos

Introdução

Se a História não se repete, mas rima, conforme propôs Mark Twain, vale a pena estudá-la, entre outras coisas, para tentar entender o presente e, quem sabe, jogar luz sobre o futuro. Como uma das ferramentas para compreensão do momento atual, avaliamos todos os bear markets anteriores, desde 1900, para a Bolsa norte-americana.

Não quer dizer, claro, que necessariamente este bear market cumprirá à risca os mesmos padrões anteriores. Possivelmente, desta vez seja diferente. Seja como for, algumas inferências interessantes acabam surgindo a partir dessa observação histórica e analítica. Então, vamos a elas.

O estudo em si

O índice de referência adotado nesta pesquisa foi o Dow Jones, devido à sua maior base de dados. Aqui no Brasil, teríamos os gráficos do Ibovespa a partir de 1968 e com o problema da inflação pré-Plano Real, que foi implementado em 1994. Definitivamente, não seria uma boa base para o nosso estudo.

Foram analisados 15 períodos diferentes, o primeiro deles compreendido entre novembro de 1916 e janeiro de 1918 e o último sendo o bear market atual, iniciado em fevereiro de 2020.

Os gráficos utilizados estão no formato de candlesticks (velas), no período semanal. Ou seja, cada candle se refere a uma semana de negociação e nos traz quatro informações: as cotações de abertura, fechamento, máxima e mínima da semana. A cor vermelha representa uma semana de baixa (fechamento abaixo da abertura) e a cor verde, por sua vez, aponta uma semana de alta. As imagens dos gráficos foram obtidas no site Tradingview.com.

Para um movimento ser considerado bear market (mercado em tendência de baixa), adotamos o critério de que deveria existir uma queda entre seu topo e seu fundo superior a 20%. Subdividimos a queda total em movimentos menores. Com os movimentos devidamente mapeados, registramos a duração e a amplitude de cada um deles.

Constatações do estudo

Na maioria das vezes, a queda total de um bear market pode ser dividida em cinco movimentos, sendo três de baixa e dois de alta. (Aos conhecedores de análise técnica, vale aqui uma ressalva: não utilizamos os critérios dos estudos das Ondas de Elliot.) Historicamente, nota-se que o terceiro ou o quinto movimento tende a ser o mais expressivo.

A maior queda foi verificada entre setembro de 1929 e julho de 1932, quando o Dow Jones acumulou perdas de 89,26%. O bear market mais longo também foi o desse período, com duração de 1.029 dias. Já o mais curto se deu entre agosto e outubro de 1987, quando o índice do mercado americano caiu 40,09% em 63 dias.

Também percebemos que, dentro dos bear markets, existem movimentos expressivos de alta, mas que marcam topo abaixo do topo prévio. Temos aí o conceito de tendência de baixa estipulado pela literatura da análise técnica: uma sequência de topos e fundos descendentes, ou seja, marcados no gráfico em níveis mais baixos que o anterior.

O primeiro movimento de alta, que é a correção após o impulso de queda inicial, costuma ser de 50% a 60% do movimento de queda prévio, algo que estamos verificando também no bear market atual. Segundo um jargão de mercado, esse primeiro movimento de alta é o “pulo do gato morto”, ou, em inglês, “dead cat bounce”.

A tipologia clássica de um bear market, construída a partir do histórico analisado, fica demonstrada na figura abaixo:

 

Hoje, é praticamente impossível prever os próximos passos do mercado. Porém, seguindo a tipologia usual dos bear markets, podemos esperar por mais movimentos de queda no gráfico semanal, tanto nas Bolsas  americanas como na brasileira. Tal hipótese seria descartada caso os índices superem as pontuações máximas alcançadas em janeiro de 2020.

Já tivemos o primeiro impulso de queda, que foi de 38,66% no Dow Jones e de 47,26% no Ibovespa. Estamos no meio do movimento de correção, sendo que no índice brasileiro a alta foi de 28,95% — saindo do fundo em 61.690 pontos e indo até o topo em 79.855 pontos, no dia 07/04. Dado o padrão apresentado pelos bear markets aqui analisados, poderíamos corrigir até aproximadamente o patamar de 90.000 pontos, o que seria 50% da pernada de impulso de queda, sem alterar a estrutura de bear market. Desse modo, os dados frios mostram que novas quedas seriam o comportamento esperado após o movimento de alta.

Enfim, ainda temos um longo jogo pela frente. Oportunidades aparecerão e devem ser aproveitadas, mas o momento sugere cautela.

A seguir, apresentamos os gráficos dos últimos 15 bear markets, bem como a amplitude e a duração de cada movimento.

 

1. Novembro de 1916 a janeiro de 1918

Duração total do bear market: 385 dias

Amplitude da queda: 40%

Maior movimento de queda: 5 (-33,08%)

 

2. Novembro de 1919 a agosto de 1921 

Duração total do bear market: 582 dias

Amplitude da queda: 46,27%

Maior movimento de queda: 3 (-36,3%)

 

3. Setembro de 1929 a julho de 1932 
 

Duração total do bear market: 1.029 dias

Amplitude da queda: 89,26%

Maior movimento de queda: 5 (-79,40%)

4. Março de 1937 a abril de 1938 

Duração total do bear market: 329 dias

Amplitude da queda: 49,55%

Maior movimento de queda: 3 (-40,89%)

 

5. Maio a outubro de 1946

 


Duração total do bear market: 154 dias

Amplitude da queda: 24,38%

Maior movimento de queda: 3 (-21,85%)

 

6. Novembro de 1961 a junho de 1962


 

Duração total do bear market: 245 dias

Amplitude da queda: 29,22%

Maior movimento de queda: 3 (-28,01%)

 

7. Fevereiro a outubro de 1966




Duração total do bear market: 245 dias

Amplitude da queda: 26,36%

Maior movimento de queda: 5 (-18,90%)

 

8. Maio de 1969 a junho de 1970

Duração total do bear market: 364 dias

Amplitude da queda: 35,47%

Maior movimento de queda: 5 (-21,06%)

 

9. Janeiro de 1973 a janeiro de 1975 


Duração total do bear market: 693 dias

Amplitude da queda: 46,31%

Maior movimento de queda: 5 (-36,38%)

10. Setembro de 1976 a março de 1978




Duração total do bear market: 518 dias

Amplitude da queda: 27,98%

Maior movimento de queda: 3 (-26,80%)

11. Junho de 1981 a agosto de 1982

Duração total do bear market: 420 dias

Amplitude da queda: 24,21%

Maior movimento de queda: 1 (-21,11%)

 

12. Agosto a outubro de 1987 


Duração total do bear market: 63 dias

Amplitude da queda: 40,09%

Maior movimento de queda: 3 (-39,30%)

13. Maio de 2001 a outubro de 2002

Duração total do bear market: 553 dias

Amplitude da queda: 35,89%

Maior movimento de queda: 3 (-29,23%)

14. Maio de 2008 a janeiro de 2009 


Duração total do bear market: 353 dias

Amplitude da queda: 50,46%

Maior movimento de queda: 3 (-33,60%)

15. Fevereiro a abril de 2020


 



Duração total do bear market: em andamento

Amplitude da queda: 37,90%

Maior movimento de queda: 3 (-32,34%)

Conclusão

Vale ressaltar a importância de o investidor não supor aqui que o passado serve como um bom previsor do futuro, como já lembramos em diversas outras oportunidades. Mas, no mercado, principalmente em matizes mais tradicionais do meio, costuma-se citar ad nauseam uma frase curiosa no sentido de que, em geral, as coisas não costumam mudar tanto como poderíamos imaginar: “This time is different…” (ou “desta vez é diferente”).

Geralmente, utilizamos essas palavras para tentar afirmar a possibilidade de mudança, numa espécie de estágio de negação. No final, na maioria esmagadora das vezes, as coisas seguem a linha de outros episódios na história, respeitando, claro, as respectivas especificidades conjunturais.

Não se trata de uma opinião o que trouxemos aqui, apenas de uma análise absolutamente fria da realidade concreta, sem juízo de valor, de modo a tentar contextualizar historicamente nossos assinantes sobre o atual momento, no anseio de buscar entender o presente bear market a partir de experiências anteriores. Demonstramos momentos históricos de estresse do mercado, pura e simplesmente isso.

Às vezes, a simplicidade é o pináculo da sofisticação. Por via de regra, como é possível analisar em cada momento do passado, bear markets costumam testar seus fundos anteriores ao menos uma vez. Ou seja, costumeiramente testemunhamos “bear market rallies” intermezzo um bear market mais pronunciado e prolongado. Repare como, em todos os casos apresentados, testam-se os fundos anteriores. Sempre há ao menos um retorno ao nível mínimo anterior.

Ademais, comprovadamente, conseguimos verificar, como já dito, que o jogo é longo. O bear market mais curto da história ocorreu no pânico de 1987 e durou oito semanas. O segundo mais curto foi de 1961 a 1962, com 32 semanas.

Portanto, se o Ibovespa cai mais de 30% só em 2020, não podemos esperar que as coisas se resolvam em um piscar de olhos. Pelo contrário, o investidor de sucesso deve estar consciente de que os investimentos em ativos de renda variável devem respeitar, grosso modo, uma lógica formal e funcional que preza pelo longo prazo. Só assim, como nos indica o estudo acima, poderíamos ter uma noção mais clara de formação das tendências.

O fato é que os desdobramentos efetivos da atual crise ainda são desconhecidos. Qual será a redução do PIB e dos lucros das companhias? Quais empresas terão que encerrar as atividades devido à falta de receita durante o lockdown? E os impactos dos estímulos dos governos após a crise, quem vai pagar essa conta? Cabe ao investidor cautela e paciência para navegar essas incertezas.

Mais uma vez, o que trazemos não é uma opinião, mas apenas a exposição e a observação fria de dados do passado, sem julgamento ou viés. Se nos valermos, assim, do histórico como uma referência, ao menos, para nos guiar em desafios futuros, nos parece improvável que o bear market atual não teste mais uma vez seu fundo na casa dos 61 mil pontos. Novamente, não indicamos aqui que necessariamente testará esse patamar, apenas que a história sugere tal comportamento em ativos de risco durante situações de estresse mais pronunciado.